Pelo menos oito temas importantes devem pautar as discussões no campo da educação em 2021. Em comum, são assuntos que refletem acontecimentos significativos do ano anterior. É o caso da pandemia do novo coronavírus (covid-19), que deve impactar a arrecadação de recursos para o setor, as práticas pedagógicas durante o período de isolamento social, a implantação do novo ensino médio e as avaliações de larga escala.

Leia também: Desafios da educação no Brasil: 9 temas para prestar atenção em 2022

Outro acontecimento de 2020 que ainda deve ter desdobramentos em 2021 é a aprovação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que deve pautar discussões sobre o Sistema Nacional de Educação (SNE) e financiamentos da área.

Além disso, existe a possibilidade de pautas conservadoras ganharem um novo capítulo jurídico em 2021, com debates sobre a militarização das escolas e o ensino domiciliar. Confira, a seguir, os desafios da educação para este ano apontados por especialistas.

Pandemia e a volta às aulas

A falta de um projeto claro de vacinação do governo federal, a possibilidade de novas mutações do covid-19 e o histórico do Brasil como um dos países do mundo com mais classes superlotadas (OCDE, 2018) devem deixar alunos e professores ainda vulneráveis a infecções. Com isso, é esperada ainda muita instabilidade, com o fechamento e a abertura periódica das redes ao longo do ano.

“Esse período de um ano de escolas fechadas poderia ter sido utilizado para repensar a abertura e redesenhar os currículos. Como falta protagonismo ao Ministério da Educação (MEC), deve haver uma maior responsabilização de estados e municípios nessa questão”, analisa a coordenadora do Comitê do Distrito Federal da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Catarina de Almeida Santos.

Ela acredita que também haverá consequências financeiras ligadas à pandemia que vão influenciar o ano de 2021. “Por conta da má gestão do governo federal em relação à pandemia, estados e municípios assumiram a responsabilidade pela crise e gastaram mais verbas do que o esperado em 2020”, explica.

Confira: Ventilação e qualidade de máscaras deixam a desejar em volta às aulas na pandemia

Ensino híbrido

A falta de acesso à tecnologia deixou uma parte significativa dos alunos brasileiros sem direito à educação no período de isolamento social. Santos observa que não há perspectivas de reverter esse cenário em 2021. “Primeiramente, seria necessário oferecer tecnologia e formação sobre como utilizá-la. Porém, os problemas vão além. Mesmo com um tablet, o aluno pode não ter internet, mesa, ambiente apropriado e ajuda de um adulto para estudar, entre outros”, pontua.

Há ainda a questão da vulnerabilidade social, que faz com que um segmento dos discentes esteja sem alimentação, suscetíveis ao trabalho infantil e à violência doméstica durante o período de isolamento. Santos classifica que o ensino híbrido é inviável nessas condições. “Há uma parcela da população para a qual a escola não está relacionada apenas a aprender a ler e escrever, mas à sua sobrevivência”, afirma.

“Assim, ao invés de ajudar, o ensino híbrido pode ser justamente o instrumento que irá aumentar a desigualdade e negar o direito à educação”, lamenta a especialista. Além disso, a responsabilização pode recair sobre os professores, que não terão meios de atingir e ensinar alunos excluídos digitalmente em novos períodos de isolamento social.

Menos recursos para a educação

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é a principal fonte de financiamento da educação. Por ser um imposto sobre consumo, está intimamente ligado à situação econômica do país. Assim, a estimativa é que a arrecadação caia abruptamente em 2021 em virtude dos efeitos econômicos da pandemia.

O novo Fundeb também perdeu um valor importante advindo da Lei Kandir (Lei complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996). No passado, os estados deixavam de recolher ICMS em cima de produtos exportados. Isso motivou a criação dessa lei, na qual o governo federal compensava a perda transferindo recursos para os demais entes federados. Ao longo dos anos, porém, o montante transferido foi diminuindo gradativamente, o que motivou diversas ações de estados e municípios contra a federação. No final de 2020, foi sancionada a Lei Complementar (LC) nº 176, que trata dos novos repasses da União para compensar a isenção do ICMS sobre produtos exportados.

“O STF pediu para o Congresso regularizar a situação. A Lei 176 veio para selar um pacto: estados e municípios desistem das ações e o governo federal se compromete a repassar 58 bilhões em um período de 11 anos”, explica o pesquisador em financiamento da educação e professor da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (USP-RP) José Marcelino de Rezende Pinto. A Nota Técnica 74/2020 da Confederação Nacional de Municípios esclarece que, diferente da Lei Kandir, os recursos da LC 176/2020 são de livre alocação. Portanto, não integram as bases de cálculo para a composição do Fundeb.

Militarização das escolas

Em 2021, são esperados também novos desdobramentos do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares do governo federal (2018), que promete subsídios para redes que aderirem à proposta. Para se ter uma ideia, em outubro de 2020, o governo do Paraná anunciou a militarização de 216 colégios públicos estaduais.

O processo no estado foi classificado pela Campanha Nacional Pelo Direito à Educação como arbitrário por não ter fomentado o debate com a comunidade escolar. Em algumas situações, a consulta pública de pais e responsáveis nas escolas foi realizada apenas 24 horas após o anúncio oficial do governador. Para Santos, a situação do Paraná deve servir de alerta para outros estados.“A Lei de Diretrizes e Bases deixa claro que trabalhar ou gerir a escola é permitido apenas a pessoas formadas e com histórico de docência. A medida é, portanto, inconstitucional”, pontua Santos.

Novo ensino médio

O novo Ensino Médio foi aprovado no final do governo Temer e as redes estaduais terão até 2022 para se adaptarem à nova legislação. O esperado para 2021 é que, com a pandemia, as secretarias de educação tenham ainda menos recursos financeiros para implantar os itinerários previstos pelo novo modelo.

“Sem bibliotecas ou laboratórios, muitas escolas devem oferecer o que já faziam antes da lei para conseguir cumprir o prazo. Agora, porém, com uma roupagem de curso profissionalizante precarizado”, contextualiza Santos. Ela lembra que centenas de municípios no país têm apenas uma ou duas escolas de ensino médio. “Os alunos vão cursar o que elas poderão oferecer, sem possibilidade real de escolha”, completa a educadora.

Podcast: Novo ensino médio: pesquisadora aponta falta de estrutura e preparo docente para implementação

Para ela, a situação lembra o ensino médio com cursos profissionalizantes das décadas de 1970 e 1980. “Técnicos em enfermagem eram formados sem pegar em uma agulha, porque não havia materiais ou mesmo laboratórios nas escolas”, compara.

Sistema Nacional de Educação

O SNE federaliza o ensino no país e coloca todas as redes – municipais, estaduais e federal – sob o seu guarda chuva. Contudo, respeitando as especificidades locais e a autonomia de cada uma delas. “Seria como o SUS [Sistema Único de Saúde] da educação”, compara Santos.

A implantação do SNE estava prevista no Plano Nacional da Educação (PNE), com prazo para 2016 . Após a aprovação do Fundeb, a necessidade de um diagnóstico das redes e de estruturar todo o sistema se tornou ainda maior. Para isso, o SNE precisa ser aprovado por lei própria. Atualmente, há no Senado o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 235/2019 e, na Câmara dos Deputados, o PLP 25/2019. “Como é uma pauta que influenciará toda a estrutura da educação do país, é esperado o embate entre setores com interesses diferentes nas duas casas”, lembra a pesquisadora.

Revisão das avaliações de larga escala e políticas de bonificação

No cerne das políticas de bonificação estão as avaliações em larga escala, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) e a Prova Brasil. “Elas levam a mais distorções e fraudes do que ganhos. As escolas podem deixar de lado alunos com mais dificuldades e capital cultural, manejando para que eles faltem nas provas e não prejudiquem o resultado da escola”, pondera o professor e pesquisador em financiamento da educação da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (USP-RP) José Marcelino de Rezende Pinto.

“Em um contexto de desigualdade entre as redes, bonificam a escola que tem um bom resultado, mas sem dar condições para que todas possam avançar”, aponta Santos. Para 2021, ela espera que as desigualdades se tornem ainda mais acirradas com a continuidade da pandemia. “Como avaliar estudantes, escolas e redes em condições tão diferentes de direito à educação? É inviável”, justifica a pesquisadora. Segundo ela, as discussões sobre o cancelamento das avaliações de larga escala do Saeb devem ocorrer neste ano. As políticas de bonificação também devem ficar prejudicadas com a falta de recursos.

Ensino domiciliar

Uma nova batalha judicial referente ao homeschooling , isto é, o ensino em casa, deve acontecer em 2021 após o Distrito Federal (DF) sancionar uma lei regulamentando a prática. A legislação passa a vigorar em 31 de janeiro deste ano.

Antes disso, em setembro de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia negado autorização para pais não matricularem seus filhos em escolas e serem ensinados em casa. “O STF julgou que, uma vez que não havia lei tratando do tema, esta deveria ser criada. O DF entendeu que ela poderia ser elaborada pelos estados. Contudo, a LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional] estipula que a criação de uma modalidade de ensino deve ser realizada por legislação nacional”, esclarece Santos. A lei do DF deve caminhar igualmente para o plenário do STF. “Até lá, é provável que esta aprovação incentive o andamento de projetos de lei similares em outros estados e municípios”, prevê.

Leia mais: Françoise Dolto: pensamento da psicanalista vai contra o homeschooling

Esta reportagem foi realizada a partir de entrevistas com os especialistas mencionados, das consultorias pedagógica do Instituto Claro e do legislativo da Câmara dos Deputados na figura de Paulo Sena, além de material da Confederação Nacional de Municípios (CNM).

Veja também:

Evasão escolar deve crescer como efeito da pandemia, estima Cenpec

Novo Fundeb deve melhorar distribuição de recursos para educação, diz Campanha Nacional

Atualizado em 15/12/2021, às 10h05

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Talvez Você Também Goste

Confira 6 atividades para trabalhar surrealismo em sala de aula

No centenário do Manifesto Surrealista, veja pontos a serem abordados em artes e língua portuguesa

Aprenda 9 brincadeiras indígenas para as aulas de educação física

Atividades para o ensino fundamental promovem diversidade cultural e respeito aos povos originários

Ida ao dentista ajuda a trabalhar química no ensino médio

Cárie, restauração, enxaguante bucal, anestesia e radiografia podem ser relacionados a conteúdos curriculares

Receba NossasNovidades

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.