Dados divulgados este ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que mais da metade dos adultos com 25 anos não completaram o ensino médio. Sob alegação de reverter esse quadro, o Ministério da Educação anunciou para janeiro de 2022 a implantação do chamado Novo Ensino Médio. Neste podcast, o Instituto Claro ouve a professora da Universidade Federal do Paraná, coordenadora do grupo Observatório do ensino médio e integrante do Movimento nacional em defesa do ensino médio, Monica Ribeiro da Silva. Para a pesquisadora, um dos problemas é a proposta ter sido originada por medida provisória (nº 748/2016), sem a participação da sociedade civil na elaboração da reforma.
Sem participação social
“Ela inicia sem qualquer participação, sem qualquer debate mais efetivo, sem qualquer diálogo. Cinco anos depois permanece sem participação (…). Especialmente no cenário da pandemia e com escolas fechadas, as Secretarias de Estados e os Conselhos Estaduais foram homologando currículos que são estranhos às escolas, professores, alunos e suas famílias”.
No áudio, a professora critica também a influência de redes de governança, em que os interesses do setor privado se sobressaem no campo da educação. “É um conjunto grande de entidades ligadas ao empresariado nacional e ligadas, portanto, ao setor privado, que passam a agir não mais apenas na execução de programas, assessorando redes de ensino, mas, agora, na formulação da política educacional”, afirma.
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Atualizado em 06/12/2021, às 11h17
Monica Ribeiro da Silva:
Mudança desse porte exige um debate, um estudo de cada escola, de cada professor e professora, inclusive, podendo se posicionar em relação às mudanças que virão. Porque são mudanças profundas nessa etapa educacional. Não é um mero ajuste curricular. Implementar uma mudança tão estrutural, sem qualquer condição de estrutura física, de preparo docente, de força do trabalho docente, com certeza, aí a gente tem um risco muito grande para as nossas escolas, se isso continuar da maneira como está previsto.
O meu nome é Monica Ribeiro da Silva, eu sou professora na Universidade Federal do Paraná, coordeno o grupo de pesquisa Observatório do Ensino Médio e sou integrante do Movimento Nacional em defesa do Ensino Médio.
Vinheta: Instituto Claro – Educação
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo
Marcelo Abud:
As tentativas mais recentes de reformulação do ensino médio no Brasil vêm desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996. A principal justificativa tem sido a de ampliação do acesso de jovens brasileiros a esta etapa de ensino. Se por um lado essa LDB foi um avanço ao posicionar o ensino médio como educação básica, a atual reformulação vai em outro sentido. Para Monica Ribeiro da Silva, um problema desta reforma é ter sido feita por medida provisória, portanto sem a participação dos verdadeiros envolvidos.
Monica Ribeiro da Silva:
A constituição brasileira prevê o recurso aí de uma medida provisória, mas para situações muito específicas. Então a gente tem um ato autoritário, sem dúvida alguma, desencadeando uma reforma. Cinco anos vai completar agora desta medida provisória, exatamente no dia 22. Após a publicação dessa MP, nós vamos ter 11 audiências públicas, um período conturbado, né? Vamos lembrar das ocupações de escolas, são mais de mil instituições de ensino que passam aí por um processo de ocupação.
Áudio de ocupação na Escola Estadual Caetano de Campos, na Praça Roosevelt, região central de São Paulo
(jovens) “Mãe, pai, tô na ocupação, e só pra tu saber, eu luto pela educação”
Monica Ribeiro da Silva:
Nós vamos ter vários manifestos da sociedade civil organizada, entidades de pesquisa, como a ANPEd, a ANFOP; entidades organizativas, como a CNPEL, FORUMDIR, e tantas outras, que se mobilizaram preocupadíssimos com o teor dessa reforma. Então ela inicia ali sem qualquer participação, sem qualquer debate mais efetivo, sem qualquer diálogo. Cinco anos depois permanece sem participação. Hoje nós temos aí 16-17 currículos homologados nos Estados, sem que as escolas sequer tenham conhecimento disso. Porque, especialmente no cenário da pandemia e com escolas fechadas, as Secretarias de Estados e os Conselhos Estaduais foram homologando currículos que são estranhos às escolas, aos professores e professoras, aos alunos e alunas e suas famílias.
Marcelo Abud:
Para a pesquisadora do Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná, a reforma tem uma concepção educacional que leva em conta o pensamento do setor privado.
Monica Ribeiro da Silva:
É um conjunto grande de entidades ligados ao empresariado nacional e ligado, portanto, ao setor privado, que passam a agir não mais apenas na execução de programas, assessorando redes de ensino, mas, agora, na formulação da política educacional. Compondo, como ente público, o que nós chamamos de Redes de Governança, nesta associação entre público e privado. Nós temos isso na produção do documento de Base Nacional Comum Curricular (da BNCC). Então é esse processo, é essa ação do privado sobre o público, na produção de políticas, de legislação, de normas… Esse movimento, hoje, nós vemos, também, dentro do Conselho Nacional de Educação, vemos muito fortemente no Congresso Nacional – é isso que a gente vai chamar de Redes de Governança. É uma rede de associação público-privada, que passa a agir como Estado na formulação e execução da política pública.
Marcelo Abud:
Com as mudanças previstas, o ensino médio perde o caráter de educação básica.
Monica Ribeiro da Silva:
O que a reforma propõe é uma divisão da carga horária do ensino médio em duas partes: uma formação comum, que seria de, no máximo, 1800 horas – hoje é 2400, então há uma redução da formação comum; e a outra parte, que é a divisão em itinerários formativos. A Lei previu cinco itinerários ligados às áreas do conhecimento: matemática e suas tecnologias, ou linguagens, ou ciências humanas, ou ciências da natureza, ou o itinerário de formação técnico-profissional. Essa divisão, essa sonegação do acesso a todo conhecimento próprio do ensino médio, faz com que ele perca aquela ideia que foi posta na LDB de 96, de que ele é educação básica, comum a todos, prevista aí como uma formação integral para todas as pessoas – e aqui eu não estou falando de tempo integral, estou falando de formação integral, como estava nas diretrizes de 2012.
Música: “Educação Sentimental II” (Leoni, Paula Toller, Herbert Vianna), com Kid Abelha
Ninguém me explicou na escola
Ninguém vai me responder
Monica Ribeiro da Silva:
Como ele fragiliza a formação dos estudantes em todas as áreas, ele também não é, sequer, ajudar esses estudantes, especialmente de escolas públicas, a preparar para o acesso à educação superior. E o modo como ficou o itinerário técnico, que pode ser feito com um somatório de cursinhos de curta duração, nem é uma habilitação profissional. Então é um ensino médio “Nem, Nem”, ele nem é educação básica, comum a todos; ele nem é capaz de preparar para a disputa terrível, no Brasil, ainda, para a educação superior; e nem é uma formação técnica, é uma formação precarizada.
Marcelo Abud:
O MEC justifica que, para reverter um quadro em que mais da metade dos alunos não conclui o ensino médio, o engajamento e o interesse vão ser prioridades no que tem sido chamado de novo ensino médio.
Monica Ribeiro da Silva:
Se diz que o estudante fará escolha, ele é o protagonista, quando isso não é verdadeiro, porque o que a Lei escreveu – e está na Lei 13.415 – é que a escolha depende do sistema de ensino. E o que temos visto é que a escola está escolhendo, o estudante vai fazer o que a escola escolheu. Dentro de tantos itinerários, a escola vai oferecer dois, por exemplo. Então não é verdade que os estudantes terão escolha. Eles serão obrigados a frequentar aquilo que o sistema estará oferecendo, nenhuma escola vai oferecer 5-6 itinerários. Porque isso implicaria em contratar muitos mais professores e ter mais salas de aulas. Imagine uma turma de 50, de 40 alunos, você ter quatro itinerários, cada um numa sala, você quadruplica o número de salas necessárias. Nem a estrutura física foi pensada pra isso, num contexto de contenção de gastos, que tem aí – a gente sabe – a emenda do teto de gastos, que proíbe investimentos, um aporte orçamentário necessário, se é que tem mesmo a intenção de implementar, do modo como se está dizendo, de várias escolhas etc. Vai se mostrando falacioso.
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo
Marcelo Abud:
Inicialmente as mudanças no ensino médio estão previstas para o início de 2022. No entanto, dezenas de parlamentares de diferentes partidos protocolaram na segunda, dia 6 de setembro, o Projeto de Lei 3079/2021. O objetivo é prorrogar os prazos para esta implementação, sob alegação de que as escolas ficaram muito tempo fechadas, por causa da pandemia do Covid-19, e não tiveram possibilidade de se preparar para as mudanças.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.
Olá, realmente a consulta pública que ocorreu foi aberta à população e não focada nos profissionais da educação, as escolas não têm estrutura e os professores estão assustados. Contudo, não há mais a possibilidade de continuarmos como está. Formando massas de analfabetos funcionais, alunos desmotivados, altos índices de evasão escolar e de problemas psicológicos relacionados com a baixa autoestima dos jovens que se sentem incapacitados diante do mundo em constante transformação. O que falta além de estrutura, debate, planejamento e recursos é principalmente criatividade para vislumbrar um ensino que saia das salas com grades e promova protagonismo e empreendedorismo. Estou… Leia Mais »