“A Ilustre Casa de Ramires” está na lista de leituras obrigatórias para o vestibular da Fuvest 2025. De publicação póstuma, o romance lançado em 1900 é um dos livros de destaque da obra de Eça de Queiroz.
“No final da carreira, sem deixar de lado a sua convicção realista, ele combina um pouco desse realismo com uma dose de fantasia. E ‘A Ilustre Casa de Ramires’ é uma das obras que pertencem justamente a essa última fase dos romances do Eça de Queiroz”, explica o professor de literatura Eduardo Calbucci.
O livro traz um retrato da decadência da nobreza lusitana a partir de um contraponto entre os valores de um país monarquista e os acontecimentos a partir de meados do século XIX. “Portugal passava por um momento histórico que acaba levando o país a abandonar a monarquia. O Eça vai viver nesse momento de decadência da monarquia portuguesa. E houve um acontecimento chamado ‘Ultimatum’, que se deu aí em 1890, um conflito que não se torna uma guerra, com os ingleses. Houve esse conflito, e Portugal teve que ceder. Foi considerado por alguns uma espécie de vergonha diplomática e acabou enfraquecendo justamente essa força da monarquia, dando origem à Proclamação da República em Portugal, em 1910”, analisa o professor.
Metalinguagem
Calbucci chama a atenção para o recurso da metalinguagem. Em “A Ilustre Casa de Ramires”, o protagonista está escrevendo um romance histórico, o que permite que a obra tenha como destaque o próprio ato da escrita.
“Em muitos momentos, a gente vai vendo o Gonçalo [protagonista da história] escrever, e cada vez que ele escreve o Eça coloca o texto, e a gente vai tendo essas pontes entre o século XIX e o século XIII. Então, o romance faz essa problematização histórica, e a gente tem, do ponto de vista discursivo, essa complexidade de uma história dentro da outra”, explica.
Crédito da imagem: Fabien – Pixabay
Música instrumental de Reynaldo Bessa fica de fundo
Eduardo Calbucci:
A carreira do Eça de Queiroz é uma carreira que, enfim, dura mais de 30 anos. E ele começa muito preso ainda a um modelo da literatura romântica. Depois, num segundo momento, ele começa a fazer obras mais próximas do realismo naturalista tradicional e, no final da carreira, sem deixar de lado a sua convicção realista, ele combina um pouco desse realismo com uma dose de fantasia. E “A Ilustre Casa de Ramires” é um dos livros, é uma das obras que pertencem justamente a essa última fase dos romances do Eça de Queiroz.
Eu sou Eduardo Calbucci, mais conhecido como o professor Bucci, professor e coautor do material de literatura do sistema Anglo de ensino.
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Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
Publicado em 1900, pouco tempo depois da morte do autor, “A ilustre casa de Ramires” retrata um período decadente da nobreza de Portugal.
Eduardo Calbucci:
O Eça começa a escrever o livro ali por volta de 1894, 1895 e Portugal passava por um momento histórico que acaba levando o país a abandonar a monarquia. E houve um acontecimento chamado ‘ultimatum’, que se deu aí em 1890, um conflito com os ingleses, e Portugal teve que ceder. Foi considerado por alguns uma espécie de vergonha diplomática e acabou enfraquecendo justamente essa força da monarquia, dando origem à Proclamação da República em Portugal, em 1910.
Marcelo Abud:
Eça de Queiroz, além de romancista, atuou como diplomata em países como França e a própria Inglaterra. Isso fez com que o escritor, muitas vezes, assumisse uma visão crítica em relação a Portugal, como se nota, por exemplo, em “O crime do padre Amaro”. Já “A ilustre casa de Ramires” faz parte da fase final de vida do autor, em que prevalece o realismo fantasista, com uma visão mais acolhedora de seu país de origem.
Eduardo Calbucci:
E ele cria uma personagem, que é o Gonçalo Mendes Ramires, que é um fidalgo mais antigo do que o próprio reino, e com todas as contradições do Gonçalo, ele passa a ser uma espécie de representação de Portugal. Então o Eça vai tentar buscar essa fonte histórica dessa origem do país. E o final do romance mostra justamente o Gonçalo indo para a África e tendo uma experiência muito bem-sucedida, como que talvez sugerindo que de fato a saída para Portugal – e aqui a gente tem aquela mentalidade colonialista que, enfim, dominou o país durante muito tempo, depois de não ter mais as colônias, né, na América do Sul, enfim, basicamente o Brasil –, era essa saída para a África. O tema de “A ilustre casa de Ramires” é justamente isso. A casa de Ramires é essa família, tá certo, do Gonçalo Mendes Ramires, absolutamente tradicional. E é como se fosse o Eça, depois de ter um momento muito crítico em relação à história de Portugal, fazendo as pazes com as coisas do seu país.
Marcelo Abud:
O professor Bucci lê um trecho do final do romance que resume esse momento em que Eça de Queiroz tem uma visão menos crítica de Portugal.
Eduardo Calbucci:
Ele vai para a África e, quando ele volta, os amigos estão conversando, e aí o João Gouveia diz assim…
Som de página de livro sendo virada
Eduardo Calbucci:
“Talvez se riam. Mas eu sustento a semelhança. Aquele todo de Gonçalo, a franqueza, a doçura, a bondade, a generosidade, o desleixo, a constante atrapalhada nos negócios… A desconfiança terrível de si mesmo, que o acovarda, o encolhe, até que um dia se decide, e aparece um herói, que tudo arrasa… aquela antiguidade de raça, aqui pegada à sua velha Torre, há mil anos… Até agora aquele arranque para a África… Assim como todo completo, com o bem, com o mal, vocês sabem com quem ele me lembra? E aí, os amigos perguntam: quem? E o João Gouveia diz: Portugal”.
Som de página de livro sendo virada
Eduardo Calbucci:
Então, explicitamente, existe essa relação entre o Gonçalo e Portugal. E o que o Eça faz talvez nesse parágrafo é resumir um pouco dessas contradições históricas de Portugal, reconhecendo os defeitos, apontando as qualidades e de alguma forma tentando encontrar esse equilíbrio, que no final da vida é expresso por meio dessa literatura realista fantasista.
Marcelo Abud:
O romance aparece entre as leituras obrigatórias para o vestibular da Fuvest 2025. O professor, no entanto, observa que “A ilustre casa de Ramires” já esteve nessa mesma lista em anos anteriores. Aqui ele destaca um dos aspectos que costumam aparecer em questões relativas ao livro.
Eduardo Calbucci:
Uma das coisas mais relevantes que ele precisa conhecer a respeito de “A ilustre casa de Ramires” é esse diálogo que é estabelecido entre esses dois momentos históricos. Até porque o Gonçalo, ele representa justamente essa aristocracia que está em declínio. Então é como se ele procurasse resgatar esse passado histórico, e aí a gente vai percebendo justamente esse contraponto e essas fraquezas do Gonçalo. Então, muitas vezes a banca pode querer explorar exatamente isso, essas diferenças e um certo processo de redenção do Gonçalo, que mesmo com essas dificuldades financeiras, vai tendo um caminho, primeiro na política, né, e depois colonizando a África para resgatar um pouco da grandiosidade da história da sua família e do seu país.
Marcelo Abud:
Eduardo Calbucci ressalta que outro ponto que chama a atenção no romance é a metalinguagem. Em “A ilustre casa de Ramires”, o protagonista está escrevendo um romance histórico, o que permite que a obra tenha como destaque o próprio ato da escrita.
Eduardo Calbucci:
Em muitos momentos, a gente vai vendo o Gonçalo escrever, e cada vez que ele escreve o Eça coloca o texto, e a gente vai tendo essas pontes entre o século XIX e o século XIII. Então, o romance faz essa problematização histórica, e a gente tem, do ponto de vista discursivo, essa complexidade de uma história dentro da outra.
A gente pode falar em metalinguagem, metaliteratura, podemos falar em intertextualidade interdiscursividade, e o tempo inteiro esse tipo de recurso, ele sugere uma problematização da própria criação literária. A gente vai acompanhando essa dificuldade do Gonçalo Mendes Ramires em produzir essa história dos seus antepassados.
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
“A ilustre casa de Ramires” aborda fatos que, a partir da metade do século XIX, estavam levando a monarquia portuguesa à decadência. Em contraponto, a partir do romance histórico que é escrito por Gonçalo Mendes Ramires dentro do livro, Eça de Queiroz relembra passagens de um período em que a nobreza do país vivia seu auge.
Marcelo Abud para o Livro Aberto do Instituto Claro.