“Médica da educação” era como se definia a pediatra e psicanalista francesa Françoise Dolto (1908 – 1988). Ela foi pioneira no atendimento de crianças e em ressaltar a capacidade delas em comunicar questões emocionais de forma singular, além de serem ativas na aprendizagem. “Dolto propôs escutar as crianças em uma época que elas não eram enxergadas como sujeitos ou interlocutoras”, revela a psicanalista e doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) Luciana Pires.

A pensadora também usou um programa de rádio e revistas femininas para responder cartas de pais e professores, popularizando seu conhecimento sobre o mundo emocional e o desenvolvimento infantil. Além disso, valorizava a importância da escola como espaço de socialização. “A escola é o mundo expandido e crescer exige que a criança se afastasse dos pais”, explica Pires. “Ela tinha apreço pela alteridade e a escola ajudaria a criar pontes com uma sociedade que é diversa. Pensamento oposto ao do homeschooling”.

Qual a contribuição de Françoise Dolto para a educação?

Luciana Pires: Como em seu tempo não havia ainda a figura da psicanalista de crianças, Dolto se intitulava uma médica da educação. Como fica claro no livro “A causa das crianças”, Dolto propôs escutá-las em uma época que não eram enxergadas como sujeitos ou interlocutoras. É como se um adulto pisasse no pé dela e ela reclamasse de dor. Ele só tiraria se parasse para ouvi-la. Caso contrário, continuaria pisando e demoraria mais tempo para parar de machuca-la. Essa sensibilidade foi desenvolvida, provavelmente, pela sua própria experiência na infância.

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Como ela desenvolveu essa sensibilidade para as crianças?

Pires: Em “Autorretrato de uma psicanalista”, ela, que vinha de família rica, descreve que crianças e funcionários eram renegados a áreas menos nobres da casa, nas quais somente eles circulavam. Assim, ela pôde ter uma visão privilegiada desses espaços, testemunhando, inclusive, violência física sofrida pelo irmão. Os adultos só saberiam se escutassem as crianças. Por isso, a preocupação em dialogar com elas.

Como ela entendia a aprendizagem?

Pires: Entedia que as crianças são ativas no processo de aprendizagem, com uma capacidade de compreensão desvalorizada pelos adultos. Dolto relata uma viagem de trem na companhia de um casal com filhos, que conversavam. Em suas faces, comportamento e brincadeiras, eles demonstravam que comprendiam o diálogo e, o que não sabiam, completavam com suas fantasias. Isso gerava ansiedade, por exemplo, sobre para onde a família ia, quem encontraria. Também defendia que todos tinham condições de aprender. Com escuta e acolhimento na escola, a aprendizagem aconteceria.

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Qual a importância da escola em sua obra?

Pires: Havia uma defesa e aposta na autonomia da criança. Tanto que ela levava seu filho de seis anos pela cidade, ensinando-lhe como andar e se localizar nela, algo que para a parentalidade brasileira, é chocante nos dias de hoje. A escola é vista como um passo para a aprendizagem à medida que possibilita um distanciamento da família e socialização. Nela, a criança precisará se expressar, fazer-se entender para pessoas que não a conhecem e não conseguem antever suas necessidades. A escola é o mundo expandido. Dolto também mostrava apreço pelo diferente, pela alteridade, e a escola ajudaria a criar pontes com a sociedade. Nesse sentido, seu pensamento opõe-se ao discurso do homeschooling. Em casa, o aluno não tem contato com o diferente e crescer é se afastar dos pais.

E qual a relação entre família e escola?

Pires: Não deve ser de rivalidade. Um exemplo disso foi que a psicanalista criou a Maison Verte, instituições para fazer essa ponte entre casa e escola e que contavam com a presença dos responsáveis. Era um espaço além do lar para que a criança conseguisse se adaptar a sociedade e cultura de forma ampla. Ela se socializava vendo a mãe que mostrava, pelo exemplo, que aquele era um local confiável. Além disso, a socialização da criança precisa ser livre, sem a “regra moral” dos adultos, que podem recriminar ações que fazem parte do desenvolvimento dela e devem ser vividas.

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Atualizada em 27/07/2021, às 16h39

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