Carl Gustav Jung (1875-1961) foi um dos discípulos do psicanalista Sigmund Freud (1856-1939), que contou com o mestre para expandir seus estudos sobre a natureza simbólica do inconsciente. Ao fundar a psicologia analítica, ajudou a popularizar seus conceitos de inconsciente coletivo (memórias comuns a toda a humanidade), da sombra (o lado desconhecido de cada ser humano), entre outros.
A pedagogia profunda é o campo da educação que faz uso do pensamento desse psicoterapeuta para o desenvolvimento das crianças. “Para Jung, a formação e desenvolvimento da personalidade dependem da comunicação entre inconsciente e consciência. A pedagogia profunda oferece ferramentas para isso, como: técnicas expressivas, contato com a natureza, trabalhos corporais e sobre materiais”, conta a criadora do conceito, a pedagoga e mestre em psicologia da educação, Céline Lorthiois.
Como Jung entendia a educação?
Céline Lorthiois: Para ele, a educação é diferente da instrução ou formação escolar. Ela se dá pelo exemplo, que não é comandado voluntariamente ou por um protocolo de comportamento. Trata-se do exemplo daquilo que o docente é. Ele atua sobre os alunos como contágio ou influência. Quanto mais autoconhecimento o educador tem, mais essa influência será positiva, e vice-versa. Se tenho paixão pelo que ensino, meus alunos serão contaminados por isso. Quando entediado, posso passar o tédio e pouco conteúdo. Assim, aquilo que o professor faz, diz, seus métodos, planejamentos e objetivos, eventualmente, são ineficazes devido ao poder de contágio psíquico.
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Quais outros conceitos de Jung dialogam com o processo educativo?
Lorthiois: Todos. Como explicam o funcionamento humano, promovem autoconhecimento e ajudam a lidar com os educandos. E o processo educativo dura a vida toda. Entre os conceitos, cito o inconsciente coletivo, memórias comuns a toda a humanidade; a sombra, lado desconhecido de cada ser humano; e tipos psicológicos, que ajudam a entender especificidades de cada educando no aprendizado e a promover uma convivência harmoniosa. Os conceitos de anima e animus — respectivamente, feminilidade e masculinidade interna — auxiliam na compreensão do sentido simbólico nas atividades da criança. Por fim, há os arquétipos, padrões herdados de comportamentos humanos.
O que é a pedagogia profunda?
Lorthiois: A proposta de casar a pedagogia com a psicologia junguiana. Ambas consideram o inconsciente, no qual se encontram memórias individual e coletiva.
Como a pedagogia profunda é trabalhada?
Lorthiois: Para Jung, a formação e desenvolvimento da personalidade dependem da comunicação entre inconsciente e consciência. A pedagogia profunda oferece ferramentas para isso, como técnicas expressivas, contato com a natureza, trabalhos corporais e sobre materiais. Por essa perspectiva, a criança escolher livremente a atividade é imprescindível. O aluno conduzirá seu processo em vez de aprender a ser conduzido, exercendo um protagonismo verdadeiro e autoconhecimento.
Qual o papel do inconsciente no processo de aprendizagem?
Lorthiois: O inconsciente contém todas as experiências da humanidade e sustenta o processo de ensino-aprendizagem. A criança pequena, espontaneamente, refaz o caminho da humanidade da descoberta do mundo e da construção do conhecimento. De início, suas experiências são primitivas, sensoriais e físicas, para alcançar abstração. O caminho está nela, que possui portas para essas memórias profundas, que lhe indicam a direção a seguir. Para alunos adiantados no processo de ensino formal, espaços de livre expressão, ou seja, para a comunicação entre consciente e inconsciente, hão de ser preservados e cultivados.
Para a Psicologia Profunda, qual a importância da escola na formação do sujeito?
Lorthiois: Primeiramente, permite que a criança se afaste do ambiente familiar, distância que aumenta o espaço para crescer. Oferece um mundo maior, constituído por pessoas, coisas, rotinas, materiais, possibilidades e experiências diversas, favorecendo a estruturação do eu da criança. Depois, a tarefa da escola seria respeitar o tempo da criança, não apressá-lo. Esperar até que ela manifeste seu apetite intelectual para conteúdos abstratos.
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Como os professores da rede pública podem se beneficiar desse conhecimento na sua prática?
Lorthiois: Ao ganharem confiança na sua intuição. A Pedagogia Profunda revela ao educador algo que intuitivamente ele sabia, mas que duvidava das próprias intuições sobre o ser humano e os caminhos possíveis em educação. Basicamente, imagens e sugestões nascem na alma do educador, que confia na pertinência delas e propõe atividades, fazendo a turma se envolver e se desenvolver. Às vezes, há um apelo discreto da criança pela natureza. Crianças não costumam verbalizar essas necessidades, ainda mais quando desconhecem a possibilidade desses encontros.
Seria possível dar exemplos concretos, do dia a dia da escola?
Lorthiois: O educador muda primeiro a sua postura. Cito uma professora de adolescentes em medidas socioeducativas, que eram agressivos e desinteressados. Ao ver que uma aluna brincava com um raio de sol que incidia na sua mão, na carteira, a docente percebeu que a rotina deles era desvinculada da natureza e focada em lugares fechados e escuros. Essa consciência trouxe compaixão, que refletiu em receptividade e formação de vínculo por parte dos alunos.
Outra possibilidade é a abertura de espaços de liberdade no dia a dia de escolas públicas. Houve um caso na educação que as crianças se mordiam, mas após um dia de atividades na natureza, o comportamento cessou.
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Atualizado em 27/07/2021, às 16h55
Ótima entrevista! Chama a atenção para nossa postura com grupos de alunos ou aprendizes e nos faz refletir, tanto na maneira como ensinamos, como na forma que fomos ensinados. Isso explica muita coisa! Os conhecimentos de Jung são indispensáveis para qualquer pessoa e qualquer profissional. Parabéns Céline!