Psicanalista precursora no atendimento de crianças, Melanie Klein (1882-1960) elaborou conceitos que colaboram com o trabalho de professores da educação básica. Sem formação acadêmica, ela iniciou seus estudos observando o próprio filho. Em sua trajetória, dedicou-se, principalmente, a entender crianças com desinteresse, agressividade e dificuldades de aprendizagem, manifestações igualmente presentes no ambiente escolar.

Autor do livro “Psicanálise e educação escolar: contribuições de Melanie Klein” (2018), o pedagogo e psicanalista Alexandre Patrício explica que, para a pensadora, o mundo interno da criança influencia como ela enxerga a realidade externa. “Primeiro, ela projeta sua agressividade para fora, ‘manchando’ metaforicamente o mundo externo com suas projeções. Depois, introjeta novamente esse mundo externo modificado e ruim”, conta.

“Com isso, pode se sentir perseguida, acreditar que o mundo não é para ela, ter medo dos ambientes, não prestar atenção na aula. Por estar em situação de sofrimento, não terá espaço interno para conseguir aprender”, complementa. Ele explica que, apesar do papel do mundo interno ter um peso maior, o mundo externo também é importante no desenvolvimento emocional infantil: “Ou seja, quando o professor acolhe, dá afeto, permite que a criança introjete aos poucos esse ‘bom’, a agressividade diminui”.

Antes de falar de educação, quais as principais diferenças entre Melanie Klein e Sigmund Freud sobre o desenvolvimento emocional infantil?

Alexandre Patrício: Freud não atendeu crianças, somente observou seus filhos, netos e supervisionou o caso célebre do ‘pequeno Hans’. Já Klein era mãe, teve depressão e dificuldade de criar seus filhos. Assim, observou de perto a relação entre mãe e bebê. Tanto que antecipou conceitos que o Freud dizia começar apenas aos cinco anos de idade, como o famoso Complexo de Édipo. Para ela, o bebê já percebe uma relação triangular entre ele, a mãe (seu objeto de amor) e um terceiro. Do tipo: ‘quando minha mãe não está comigo, ela está com quem?’ Além disso, a principal diferença é referente ao desenvolvimento humano, que foi dividido por Freud em cinco fases: oral, anal, fálico, latência e genital. Klein dizia que transitamos entre duas posições: a esquizoparanoide e a depressiva (essa última não entendida aqui como ‘doença’, mas como uma etapa do desenvolvimento). Entender essas duas posições é importante para quem atua com crianças.

O que são essas duas posições?

Patrício: Ao nascer, o bebê é retirado de um estado de conforto do útero para um mundo desafiador. Começa a posição esquizoparanoide: ele nasce tomado por uma ‘revolta’ – ou seja, atravessado pelo que se chama de pulsão de morte. Com isso vê seu mundo interno dividido e projeta tal divisão para o mundo externo. Na prática, ele não percebe a mãe como um ser inteiro, mas parcial. Há a ‘mãe boa’, que é aquela que cuida e pega no colo na hora que chora e a “mãe má”, que não o atende com prontidão. Com o passar do tempo, se os cuidados são maiores do que essas negligências e as ações boas predominam sobre as ruins, isso faz com o que bebê internalize esse objeto “bom” (na linguagem de Klein, o seio bom). Seu “eu” deixa de ser dividido e é integrado, refletindo na forma como ele enxerga o externo. A mãe é percebida agora como um ser único, que pode ser boa e ruim ao mesmo tempo. Começa a posição depressiva: ele sente culpa por ter odiado quem cuidou dele e começa, então, a fazer reparações. É quando aos seis meses começa a sorrir pra mãe, por exemplo, e a interagir de fato.

Leia também: Conceitos da psicanálise ajudam professor a entender desenvolvimento emocional infantil

Dentro do pensamento de Klein, o que uma criança que demonstra desinteresse nas atividades quer comunicar?

Patrício: Ela pode estar sofrendo por estar “aprisionada” na posição esquizoparanoide. Ou seja, seu “eu” está enfraquecido de tanto projetar agressividade (pulsão de morte) no mundo externo. Ela pode se sentir perseguida, acreditar que o mundo não é para ela, ter medo dos ambientes e não prestar atenção na aula. Em contrapartida, na posição depressiva, ela sofre pela ansiedade de culpa. Quando os pais se separam ou um parente morre, por exemplo, no seu mundo interno, o aluno acredita que isso é responsabilidade dele. Com essa intensa culpa, não conseguirá absorver conhecimento e aprender, demonstrando desinteresse nas atividades propostas pelo professor.

Para Melanie Klein, a criança enxerga o externo a partir do seu mundo interno. Por que essa informação é importante para o trabalho do professor?

Patrício: Para Klein o mundo interno da criança é o principal. Primeiro, ela projeta sua agressividade para fora, ‘manchando’ metaforicamente o mundo externo com suas projeções. Depois, introjeta novamente esse mundo externo modificado e ruim. Ou seja, tudo aquilo que projeta, automaticamente, também introjeta. Na prática escolar, uma criança com essa pulsão destrutiva latente pode não responder a um mundo colorido, perfeito, apresentado pelo professor. Pode demonstrar desinteresse por brincadeiras coletivas e, por estar em situação de sofrimento, não ter espaço interno para conseguir aprender. Apenas vale ressaltar que, apesar do papel do mundo interno ter um peso maior, não significa que mundo externo não é importante. Quando o professor acolhe, dá afeto, permite que a criança introjete aos poucos esse “bom”, a agressividade diminui. A título de curiosidade, salientar a importância do mundo interno foi o diferencial de Klein para outro psicanalista de crianças, Donald Winnicott. Para ele, o mundo externo era o único importante.

Como uma criança com histórico de desamparo deve ser acolhida na escola e por quê?

Patrício: Além de se aproximar, conversar e dar afeto, o professor pode rever suas práticas com a criança que se mostra introvertida e presa no seu mundo interno. Talvez uma proposta de atividade de interação um a um. Aos poucos, a criança introjetará esse cuidado e afeto, deixará de projetar a sua destrutividade para se defender, e o desinteresse pode diminuir.

O que uma criança violenta quer comunicar?

Patrício: Para Melanie Klein, o que a criança não consegue processar ou elaborar por meio de símbolos, ela coloca para fora como uma ação. A violência contra pais, colegas ou objetos é um ato que expressa um sentimento mal elaborado. Ela quer comunicar que algo interno não está bem. Vale lembrar que a agressividade é importante para nossa saúde psíquica e produção criativa. Um exemplo é a metáfora que diz que é impossível pintar um quadro sem amassar tubos de tinta. A criança que constrói uma torre de brinquedos para destruí-la, ou bate um carrinho no outro, está trabalhando sua agressividade pela brincadeira. Quando o sofrimento e a angustia são tão fortes, ela fica impossibilitada de expressar a agressividade por outros meios, como pela brincadeira.

Como o professor pode lidar com essa situação?

Patrício: Na educação infantil e primeiros anos do fundamental, oferecer espaço para trabalhar o lúdico, para a criança brincar, pintar e se expressar por meio das artes. No ensino fundamental 2 e no médio, além do lúdico e das artes, é necessário um espaço de escuta. Infelizmente, com a escola voltada apenas a conteúdos e metas, o amparo emocional e humano ficou em segundo plano. Pagamos um preço alto por isso.

Qual o papel do professor e o que difere do psicanalista?

Patrício: O psicanalista interpreta a angustia e ansiedade da criança. O professor não tem essa bagagem para interpretar um conteúdo latente, mas pode oferecer espaços – como brincadeiras e rodas de conversa – que ajude o aluno a trazer essa angustia para os símbolos. Também pode se aproximar, apoiar e acolher, ajudando a criança a internalizar conteúdos emocionais positivos. Isso tudo contribuirá para a aprendizagem.

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Atualizado em 27/07/2021, às 16h43

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