O ciclo menstrual é um conteúdo previsto para os anos finais do ensino fundamental, mas pode ser abordado antes disso, respeitando o perfil de cada faixa etária. “Até porque a primeira menstruação geralmente ocorre entre nove e 15 anos de idade”, lembra a bióloga, mestra em ecologia e professora do ensino médio Alessandra Marques.

Trazer o tema para a sala de aula é importante para entender o funcionamento do corpo e de métodos contraceptivos e para prevenir a gravidez na adolescência.

“O tema tem relação direta com a reprodução humana, assim como implicações em saúde, direitos reprodutivos, planejamento familiar e igualdade de gênero”, contextualiza a bióloga, pedagoga e professora da Universidade de São Paulo (USP) Taitiâny Kárita Bonzanini.

“Discuti-lo ajuda a refletir porque esse assunto ainda é tabu na sociedade, restrito às mulheres e negligenciado pelo poder público, já que muitas pessoas que menstruam não acessam condições básicas de higiene nesse período”, adiciona Marques.

Pouco conhecimento sobre o tema também tem impacto educacional. “São recorrentes os constrangimentos e as ausências nas aulas durante os dias de menstruação, agravando a desigualdade de gênero. Ou de alunas constrangidas em ir ao banheiro trocar o absorvente, o que pode acarretar infecções; e bullying quando há incidentes como sujar roupas e cadeiras de sangue”, complementa Marques.

“Por sua vez, mais conhecimento sobre o assunto aumenta empatia e acolhimento, auxiliando inclusive no entendimento de que o rendimento nos estudos pode cair durante as fases do ciclo menstrual, seja por fadiga, enxaqueca ou cólicas”, enfatiza Marques.

Meninos devem ser envolvidos na conversa

Existem muitos desafios ao se trabalhar ciclo menstrual na escola. “Alguns livros didáticos e currículos costumam considerar apenas os aspectos biológicos e ignorar os sociais, culturais e econômicos que envolvem o assunto”, aponta Marques.

Alunos deixam de participar das aulas e compartilhar experiências sobre a menstruação por medo de bullying; e, não raro, famílias acham que a escola não é um ambiente para abordar temas relacionados ao corpo e à sexualidade.

“Outro erro comum é não envolver meninos na conversa sobre menstruação, o que é fundamental para normalizar o assunto e tratá-lo como um processo natural do corpo humano, não como algo estranho e nojento, reduzindo bullying e constrangimento no ambiente escolar”, diz Marques.

“Também promove a conscientização dos estudantes sobre a desigualdade de gênero e inclui todos na luta pela igualdade de direitos, evitando a perpetuação de atitudes que podem ser consideradas machistas, misóginas ou discriminatórias”, diz Marques.

Questões sociais relacionadas

Para Marques, o ideal é que o ciclo menstrual seja abordado de forma multidisciplinar, destacando aspectos biológicos, políticos, sociais e econômicos.

“Além de discutir o processo de funcionamento do ciclo menstrual mediado por hormônios e as transformações corporais, é importante debater sobre a pobreza e a dignidade menstrual, os tabus e preconceitos da sociedade, as questões de gênero envolvidas nesse assunto, os impactos ambientais decorrentes da produção e descarte de absorventes e também a negligência política”, complementa.

“Discutir a pobreza menstrual lembra que muitas pessoas que menstruam não têm acesso a produtos de higiene e banheiro adequado, fazendo com que se improvisem absorventes com retalhos de pano, jornais, folhas e sacolas plásticas”, afirma Bonzanini.

Marques recomenda discutir com os alunos o termo “pessoas que menstruam”, para combater o preconceito e a invisibilidade de homens trans e pessoas não binárias que podem possuir ciclo menstrual.

O tema também pode ser vinculado à educação ambiental, já que os absorventes plásticos não são biodegradáveis e terminam em aterros.

“Coletores menstruais, discos menstruais, absorventes de pano ou calcinhas absorventes são opções existentes para a substituição dos absorventes. Também deve-se abordar os cuidados com a higienização correta dos materiais”, diz Bonzanini.

Caixa de perguntas e outros recursos

Sobre formas de abordar o ciclo menstrual na escola, Bonzanini e Marques indicam deixar na sala uma caixa para que os estudantes depositem dúvidas sobre o assunto de forma anônima. Os temas levantados são discutidos em roda de conversa.

“Os estudantes ficam mais à vontade, chegando em um momento no qual eles até arriscam questionamentos orais e não anônimos”, compartilha Marques.

Recursos audiovisuais podem ser muito úteis para a sensibilização dos alunos em relação ao tema. “O documentário chamado ‘Absorvendo o tabu’, por exemplo, aborda a pobreza menstrual na Índia, podendo ser traçados paralelos com o Brasil”, recomenda Marques.

Em atividades do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) com estudantes do nono ano, a professora Thais Viana das Chagas Lima discutiu as fases do ciclo menstrual e as transformações corporais da puberdade por meio do episódio cinco da primeira temporada da série “Anne with an E” (“Um laço de amizade”, no Brasil).

As alterações de humor, a necessidade de usar “paninhos” para conter o fluxo e de esconder a menstruação aparecem no dia a dia das personagens, que vivem em uma comunidade canadense no século XIX. Por meio das cenas, Lima discutiu com a turma como, até hoje, essa forma de pensar e viver o período menstrual ainda se faz presente.

“Independentemente da estratégia pedagógica adotada pelo docente, é importante criar um ambiente acolhedor para que os alunos se sintam confortáveis para contar suas experiências e tirar dúvidas. Ter uma escuta ativa e tratar o assunto e as possíveis indagações dos estudantes com naturalidade e respeito também é necessário para quebrar tabus e promover a empatia em relação às pessoas que menstruam”, lembra Marques.

Debatendo mitos e estigmas

Bonzanini recomenda também identificar os mitos e os estigmas sobre menstruação que persistem entre os alunos, o que faz com que a menstruação seja tratada como algo desimportante, vergonhoso, nojento, restrito às mulheres e que deve ser escondido.

“Nossas antepassadas foram educadas a esconder esse processo fisiológico e a se envergonhar do sangue menstrual, que não deveria ser visto por outras pessoas. Crenças e os tabus relacionados ao tema se perpetuaram nas famílias, na sociedade e na mídia, cujas campanhas publicitárias apresentam mulheres felizes e dispostas quando menstruadas, não representando a realidade da maioria das pessoas que menstruam e que sentem dores intensas, por exemplo. Isso acentua o parâmetro de que mulheres não podem expressar seus reais sentimentos durante esse período, contribuindo para que esta seja uma experiência desagradável”, analisa.

Os mitos, crenças e tabus sobre a menstruação podem variar de um dado grupo para outro, como destaca Bonzanini.

“Em pesquisa que orientei com jovens de 13 e 16 anos de escola pública do interior paulista, eles afirmaram não ser recomendado tomar banho na menstruação porque ‘o sangue sobe para a cabeça’; que este sangue apresenta mau odor; que lavar o cabelo cessa a menstruação e que comer chocolate ameniza os sintomas da Tensão Pré-Menstrual (TPM)”, compartilha.

Veja mais:

Escola pública de São Paulo cria ações para combater pobreza menstrual

17 intervenções simples na escola para promover a igualdade de gênero

Crédito da imagem: CreativeDesignArt – Getty Images

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