Agênero é uma identidade em que a pessoa não se identifica com os gêneros feminino e masculino ou se sente sem gênero. Ela é uma forma de identidade não-binária.
Pessoa cantora, body piercing e criadora de conteúdo Igor Sudano, 31 anos, vivenciou um longo processo até se descobrir como agênero. “Eu não me reconhecia no gênero que me foi designado. Como sou da geração millenial – nascidos entre 1980 e 2000 – não havia muita informação disponível e, como eu tinha mais expressões masculinas, comecei a transição como homem trans aos 24 anos”, relembra.
Foi frequentando eventos com outras pessoas transgêneros, durante uma palestra com uma endocrinologista, que Sudano foi apresentado à identidade não binária. “Fez sentido para mim porque eu já me irritava com imposições relacionadas ao que é ser masculino ou feminino, como tipo de cabelo, roupas, profissão permitida e proibida etc.”, pontua.
Sudano cria conteúdos sobre o tema e compartilha a sua rotina como pessoa agênero. “A gente tende a acreditar que todo mundo vive na nossa bolha do algoritmo, mas diariamente chegam comentários transfóbicos de pessoas que não acreditam ou não respeitam essa identidade”, compartilha.
Profissional autônomo, João Miguel Valeriano, também chamado Narawã, 24 anos, não tinha conhecimentos sobre o sistema de binarismo de gênero quando se entendeu como pessoa trans. “Assumi a identidade de homem trans por me sentir mais confortável com a aparência física masculina. À medida que pratiquei o autoconhecimento e pesquisei sobre todos os gêneros e seus conceitos, entendi que não me identificava com nenhum estereótipo de gênero binário (homem/mulher), e que minha aparência, como barba e roupas masculinas, não pesam sobre a minha identidade”, revela.
Para ele, o primeiro desafio para que pudesse se compreender agênero foi a falta de visibilidade. “Adiciono a isso os preconceitos escancarados fora e dentro da comunidade LGBTQIAPN+”, lamenta.
Novos pertencimentos
Design gráfico e artista visual, Arino Graciano, 35 anos, viveu a vida como homem gay até se entender como pessoa agênero. “Eu não me enquadrava em estereótipos de gênero do que é ser masculino, como mais ativo e mais agressivo. Sempre tive características mais afeminadas, mas tão pouco me sentia mulher”, relata. “Há uma repressão que tolhe a individualidade das pessoas e que é muito danosa para a saúde mental”, lamenta.
Se entender como não binário agênero trouxe um sentimento de liberdade, mas também desafios de pertencimento, como explica Graciano. “Como quase tudo em sociedade perpassa o binarismo de gênero, há dificuldade para encontrar lugares para ocupar e se sentir entre iguais”, opina. “Penso que é uma experiência diferente, por exemplo, da pessoa não binário que é gênero fluído. Ela ainda terá referências do masculino ou feminino para se apoiar”, complementa.
Confira abaixo oito perguntas respondidas por quem se identifica com essa identidade não binária.
1) O que é agênero?
“É a pessoa que não se reconhece como homem ou mulher, mas como um gênero neutro”, explica Sudano.
“É uma identidade de gênero que não está na lógica binária de masculino e feminino”, completa Graciano. “Por isso tem o ‘a’ no começo da palavra ‘ele’, é um prefixo de negação”, destaca Narawã.
2) A pessoa agênero está dentro da sigla T (transgênero) dos LGBTQIAPN+?
Antes de tudo, é preciso entender que a atribuição do gênero masculino ou feminino se dá em virtude do sexo biológico de uma pessoa no momento de nascimento. A partir disso, criam-se expectativas de comportamentos e ações que essa pessoa deve seguir de acordo com o seu gênero. Por exemplo, homens são designados a usarem cabelos curtos e roupa azul, e mulheres, não. “Algumas pessoas vão se identificar com o gênero atribuído na infância (cisgêneros) e outras, não (transgêneros)”, explica Sudano.
Enquanto algumas pessoas transgêneros transacionam dentro do binarismo – foram designadas como homem, mas se identificaram como mulher, por exemplo –, outras podem não se identificar com gênero algum, caso dos agêneros.
“Assim, é dito que a sigla T é um guarda-chuva que abrange outras identidades, como não binários. Identificar-se com uma identidade que está fora do binarismo de gênero também é se identificar de forma diferente daquela que lhe foi imposta ao nascer”, acrescenta Narawã.
3) A identidade agênero está dentro dos não binários (N)?
Sim. “Não binário é um termo guarda-chuva que também abarca várias possibilidades de gênero”, explica Narawã. É o caso dos agêneros, mas também do chamado gênero fluído: pessoas que podem se sentir como homem ou mulher em diferentes momentos da vida.
4) A identidade agênero está dentro da sigla Q, de queer?
Sim. “Basicamente, se você é uma pessoa que se identifica fora dos padrões da heteronormatividade e da cisgeneridade, você pode se dizer queer”, sintetiza Graciano.
5) Qual a orientação sexual de uma pessoa agênero?
Em linhas gerais, a pessoa agênero pode ter qualquer orientação sexual. Porém, sua condição abre margem para repensar terminologias. Afinal, se homossexual é a pessoa que sente atração por pessoas do mesmo sexo, e heterossexual, pelo sexo oposto, como fica quando quem sente atração não tem gênero algum?
“A atual definição de orientação sexual implica não só no objeto alvo da atração, mas também na identidade daquele que sente. Não posso me dizer homossexual porque não me sinto homem, porém sinto atração pelo masculino”, explica.
Para isso, foi criado o termo androssexual, que se refere a uma pessoa que se sente atraída por homens ou por qualidades masculinas, independentemente do gênero de quem sente a atração. O termo correspondente para quem se sente atraída por mulheres ou por qualidades femininas é ginéfilo ou ginessexual. “Ou seja, esses novos termos definem o objeto do desejo e não implicam a identidade da pessoa que sente”, ensina Graciano.
6) Como a pessoa agênero expressa sua identidade por meio de vestimentas?
Aqui é importante explicar que a forma como a pessoa se expressa pode não ter relação a como ela se sente, ou seja, com a sua identidade de gênero. “Tenho uma expressão de gênero mais masculina, mas me sinto agênero”, descreve Graciano.
“Acreditamos que toda a roupa não tem gênero, porém eu me reconhecer agênero não muda meu gosto pela moda. Não quer dizer que é vestir uma saia com um blusão, ou que preciso ter necessariamente características andróginas”, desmistifica Sudano. “Tem pessoas não-binárias que podem misturar elementos andróginos, de dois gêneros ou outras expressões. Eu não sinto essa necessidade no momento. Porém, a ageneridade lhe dá liberdade para se expressar como você se sentir mais à vontade”, completa Graciano. “Eu, por exemplo, uso roupas da sessão masculina e levanto a bandeira de que roupas ou características não têm gênero”, adiciona Narawã.
7) Como fica o uso do banheiro pela pessoa agênero?
“A pessoa agênero usa o banheiro que mais se sente confortável. Eu, por exemplo, prefiro utilizar o banheiro masculino por conta da minha aparência”, diz Narawa.
“Isso é complicado. Eu vou no banheiro que tem privada porque, às vezes, o masculino só tem mictório. Isso era algo que não sabia até transicionar”, lembra Sudano. “Porém, sofro constrangimentos e costumo responder: se só tem mictório e tenho vagina, como posso fazer? Mas entendo que é algo desagradável você ter que se impor ou precisar perguntar para alguém qual banheiro pode usar”, complementa. “Acho que é uma questão que vai além de criar um banheiro não binário, mas de educação”, opina.
8) Como devo tratar uma pessoa agênero em termos de pronome?
“A regra é sempre perguntar e evitar achismos”, diz Sudano. “Lembrando que a pessoa não binária não tem a obrigação de lhe dizer de cara, da mesma forma que ninguém diz ser cisgênero quando se apresenta”, ensina Sudano.
Cada pessoa agênero pode optar por um pronome diferente: ela/dela, ele/dele ou pronomes neutros, como ile/dile ou elu/delu.
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Crédito da imagem: Acervo pessoal – João Miguel Valeriano, Igor Sudano e Arino Graciano