A biomédica Daniela Bastos, 37 anos, percebeu desde a adolescência que precisava de afinidade afetiva para a atração sexual se desenvolver.“Quando era mais jovem, sentia que havia um respeito maior ao processo de conhecer alguém e se apaixonar até o casal decidir estar junto. Fiquei dez anos casada e, quando novamente solteira, notei uma inversão: relaciona-se sexualmente primeiro para depois estabelecer uma conexão. Foi quando percebi que realmente não me encaixava nisso e comecei a buscar informações sobre”, conta.

História similar à de Saulo*, um funcionário público de 40 anos que se identifica como gay.“Eu sentia que me forçava a ter sexo casual para corresponder a padrões que a sociedade esperava de mim. Eu sempre soube que gostava de sexo, mas precisava de intimidade e confiança para ser prazeroso. Isso me levou a crises depressivas e, pesquisando, descobri que o que eu sentia desde sempre tinha um nome: demissexualidade”, compartilha.

A demissexualidade é uma orientação sexual na qual a pessoa se sente atraída por outra somente quando há o desenvolvimento de um vínculo afetivo entre elas. Ela está dentro do espectro da assexualidade  e apresenta um caráter condicional: o tesão só aparecerá caso intimidade, confiança ou admiração se fizerem presentes.“Pode ser um homem lindo, se não houver uma conexão, eu não me sentirei atraída”, diferencia Bastos.

Assim como Bastos e Saulo, Lucas* – homem trans de 40 anos – só foi descobrir que aquilo que sentia se encaixava na demissexualidade ao pesquisar em fóruns da internet sobre assexualidade.
“As pessoas ainda olham com desconfiança quando me declaro demissexual, acham que você está inventando algo para se sentir especial. Eu sou adulto, não tenho tempo nem interesse nisso e sei como eu funciono. Dessa forma, quando alguém me questiona hoje, eu opto por deixar para lá”, pontua.

Para Saulo, a maior dificuldade relacionada à demissexualidade é a solidão. “Quando quero um relacionamento com alguém, tento estreitar as relações para depois me sentir preparado para o sexo. Caso contrário, farei sem vontade e não haverá prazer. A questão é que nem todos os homens gays entendem isso”, lamenta.

Bastos conta que deixa sua demissexualidade descrita em seu perfil de aplicativos de namoro e procura abordar isso antes do primeiro encontro. “O que eu ouço muito, na tentativa de desmerecer, é algo como ‘mas todo mundo já não é assim?’. Nesse caso, busco ensinar as diferenças. A verdade é que maioria das pessoas fazem sexo sem precisar de condições afetivas”, relata.

Para eles, o fato de pessoas públicas como a apresentadora Giovanna Ewbank se declararem demissexuais ajuda a trazer mais informações sobre o assunto. “Na minha experiência, vejo que a maioria dos rapazes respeitam e se mostram curiosos sobre o assunto”, aponta a biomédica.

A seguir, confira as 9 principais dúvidas que rondam a demissexualidade respondidas por quem se identifica com essa orientação sexual.

O que é ser demissexual?

“O demissexual não sente atração sexual até que exista um vínculo formado, que não necessariamente está no apaixonar-se, podendo ser uma admiração forte pela pessoa”, explica Lucas.

“Para mim, é importante ter confiança e intimidade para que a atração sexual aconteça. É como se pudesse me mostrar como uma pessoa que é imperfeita, sem a necessidade de criar um personagem para agradar o outro”, compartilha Saulo.

Qual a relação entre demissexualidade e assexualidade?

A demissexualidade é um espectro dentro da assexualidade. Nessa última, a pessoa pode ou não sentir atração sexual ou afetiva com condicionalidade. “No caso da demissexualidade, a condição é ter um vínculo emocional para a atração se manifestar”, lembra Lucas.

A demissexualidade é uma orientação sexual?

Sim. A orientação sexual diz respeito à inclinação do desejo afetivo que uma pessoa direciona a outra. Assim, a demissexualidade é entendida pela comunidade como orientação sexual, com uma diferença: a mesma pessoa também pode se identificar com outras orientações sexuais simultaneamente. “Ou seja, você pode ser heterossexual e demissexual, homossexual e demissexual ou bissexual e demissexual”, ensina Lucas.

A demissexualidade é uma identidade de gênero?

Não. A identidade de gênero diz respeito a qual gênero a pessoa se identifica internamente: se homem, mulher ou gênero fluido, por exemplo. Lembrando ainda que a identidade de gênero não está necessariamente relacionada ao sexo biológico. No caso da pessoa transgênera, uma pessoa que nasceu com o sexo biológico masculino pode ter uma identidade de gênero feminina, por exemplo, e vice-versa.

“Enquanto a identidade de gênero diz respeito ao interno da pessoa, a orientação sexual fala sobre o externo, sobre o outro a quem ela direcionará o seu desejo”, assinala Lucas.

A pessoa demissexual tem desejo sexual?

Nem todas. Dependendo do vínculo que a pessoa demissexual formar com seu parceiro, pode se desenvolver atração sexual e atração romântica ou apenas uma delas. Não há uma regra.

Toda pessoa demissexual é monogâmica?

Não necessariamente. “Uma pessoa demissexual pode conseguir criar vínculos com pessoas diferentes e, com isso, sentir atração sexual por mais de um parceiro. Por isso é fundamental não romantizar a demissexualidade. Um demissexual pode trair ou querer viver relações afetivas com múltiplos parceiros também”, explica Lucas.

A pessoa é demissexual por trauma ou complexo?

Não. Assim como outras orientações sexuais, a demissexualidade é apenas um espectro da sexualidade humana e não deve ser entendida como uma doença.

Posso dizer que uma pessoa é demissexual?

Não. Assim como qualquer outra orientação sexual, cabe apenas à pessoa entender os seus desejos e afetos, assim como a forma como ela gostaria de expressá-los.

Como devo tratar uma pessoa que se apresenta como demissexual?

“Primeiro, é importante respeitar, não criticar ou questionar a sua orientação. Quando alguém se aceita como algo, significa que aquela pessoa já passou por dificuldades que levaram a uma reflexão interna”, enfatiza Lucas.

“Não force ou finja uma conexão, porque a pessoa demissexual perceberá. Também não é legal hipersexualizar o contato inicial, pois isso afasta a possibilidade de conexão. Apenas deixe a conversa acontecer naturalmente e veja se a afinidade se desenvolve”, conta Daniela Bastos.“Outra dica é evitar joguinhos, optando por manter uma conversa clara”, completa a biomédica.

* Nomes fictícios, a pedido dos entrevistados

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Atualizado em 16/02/2023, às 17h06

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