O que se vê nas redes sociais pode afetar a autoestima de qualquer pessoa, mas o impacto tende a ser maior em crianças e jovens. Isso porque a exposição a padrões irreais de corpos e modos de vida durante essa fase de desenvolvimento pode influenciar na formação da identidade e na relação com o mundo.

“A construção da identidade é um processo gradual, contínuo e para toda vida. Mas, enquanto adultos são mais rígidos sobre o que gostam e desgostam, adolescentes são propensos a experimentações, a brincar e a mudar de identidade. Paradoxalmente, também é uma fase em que eles mais tentam se enquadrar e se encaixar”, resume a mestre em psicologia clínica Lara Martinez, autora da dissertação “Corpos filtrados: ansiedade social por aparência, autoestima e insatisfação corporal em adolescentes nas redes sociais – uma leitura junguiana”.

Duas palavras-chave marcam a forma como as redes sociais pode impactar a autoestima dessas populações: validação e comparação. “Quando vejo o recorte idealizado de uma vida nas fotos, isso gera olhar para o outro e para mim e comparação”, afirma Martinez.

No caso da validação via redes sociais, um agravante é que ela acontece por meio de feedbacks concretos, como curtidas e comentários.

“Pesquisas com jovens mostram que essa validação impacta diretamente em comportamentos. O cuidado com o corpo, quando voltado à apresentação nas redes, é diferente do individual ou social. O foco passa a ser mostrar uma imagem que seja bem aceita. Isso alimenta um ciclo: a pessoa precisa se sentir validada para se sentir bem e se sente bem apenas quando recebe mais validação”, assinala a doutora em psicologia e técnica em educação no Instituto Federal Catarinense (IFC) Karen Angélica Seitenfus.

Martinez lembra, porém, que a busca por validação por meio da imagem sempre existiu, intensificando-se com as redes sociais.

“Apesar dos riscos, como pressão para seguir padrões de corpo e estilo de vida, esses espaços também oferecem aspectos positivos: funcionam como fonte de inspiração e permitem que pessoas de grupos com pouca representatividade, como negros, LGBTQIAPN+, indígenas, pessoas gordas e com deficiência (PCD), encontrem referências, pertencimento e apoio na construção da identidade”, contrapõe Martinez.

Meninas são mais impactadas

O impacto na autoestima de crianças, adolescentes e jovens que usam redes sociais pode ser maior por gênero.

“Na minha pesquisa, meninas adolescentes usavam mais filtro de imagem e apresentavam mais ansiedade social sobre a aparência do que meninos. Ambos os gêneros utilizavam filtros visando validação social, mas apenas entre os meninos apareceram situações de uso dos filtros de maneira lúdica”, apresenta Martinez.

“No caso de mulheres jovens, que são as que mais consomem conteúdos estéticos, há maior desejo de realizar dietas e procedimentos estéticos e propensão a se adequar e a se encaixar em um padrão”, afirma Seitenfus, que é autora da pesquisa “Redes sociais virtuais, satisfação corporal e práticas corporais: um estudo com jovens adultos”.

Mas nem todo mundo reagirá da mesma forma às pressões estéticas difundidas pelos algoritmos das redes sociais. “Algumas terão mais bagagens do que outras. Dependerá da rede de apoio, da estrutura e do diálogo familiar, por exemplo”, opina Martinez.

“Basicamente, usar as redes sem critério e reflexão deixa os jovens à mercê de tudo o que chega a eles”, acrescenta Seitenfus.

A seguir, confira 8 orientações para evitar que as redes sociais impactem a autoestima de crianças, adolescentes e jovens.

Reduzir o tempo de tela

“Na minha pesquisa, os adolescentes que apresentavam mais tempo de tela também afirmaram ser os que mais sofriam com a ansiedade”, compara Martinez. “No caso de estudos com jovens, quanto mais tempo nas redes, menos havia espaço para atividade física”, compartilha Seitenfus.

Consciência sobre o que se vê

“Nunca é demais lembrar que influencers gastam muito tempo para editar uma foto e que aquilo que se vê é um recorte idealizado”, aponta Martinez.  Como atividade, podem-se listar e identificar junto com crianças e adolescentes as modificações comuns em fotos, como: clarear pele, remover espinhas, aplicar efeitos de luz, alongar o pescoço etc.

“No caso de crianças, pode-se brincar com filtros de maneira lúdica para ela aprender que as imagens que aparecem na televisão e na internet são editadas”, adiciona Seitenfus.

Discutir padrão de beleza

Vale debater com crianças e jovens os setores que se beneficiam quando um padrão de beleza é difundido como ideal, caso a indústria da moda, fabricantes de produtos de beleza, a publicidade e a própria rede social, que gera engajamento nos conteúdos compartilhados e nas vendas de produtos estéticos.

Lembrar que comparação leva à frustração

O Guia Topity+ – Promovendo a autoestima e a confiança corporal de adolescentes e jovens, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), enfatiza para essas populações que comparações são injustas quando ignoram qualidades e focam somente naquilo que não gostamos em nós. “Reforçar que o que vemos nas redes é editado nos faz pensar que, às vezes, nossa grama pode ser mais verde que a do vizinho”, pontua Martinez.

Parar de seguir contas que promovem corpos e estilos de vida irreais

Vale sugerir a crianças e jovens que parem de seguir perfis que exibam sistematicamente uma realidade impossível de alcançar; e passem a acompanhar, em contrapartida, aqueles que apresentam a vida de forma mais verdadeira e positiva.

Ensinar a identificar os sentimentos que uma postagem traz

Muitos sentimentos podem surgir ao ver postagens de outras pessoas nas redes sociais, como inveja, tristeza e solidão. Entendê-los pode ajudar a minimizar o impacto na autoestima. “É importante que pais e responsáveis estejam acessíveis a crianças e jovens sem julgamento, conversando sobre o porquê de eles se sentirem assim”, afirma Seitenfus.

Ofereça outras opções de lazer

Segundo Martinez, oferecer outras opções de lazer além das redes sociais ajuda a apresentar, indiretamente, outras referências de modo de vida e de pessoas, ajudando a combater estereótipos mostrados nas redes.

“Acreditar que sucesso é ter milhões de seguidores, jatinho, corpo moldado por plástica pode gerar adultos bastante frustrados no futuro”, diz.

Invista em representatividade

Representatividade ajuda a construir a autoestima de crianças e jovens de grupos minorizados, caso de negros, indígenas, gordos, pcds, população LGBTQIAPN+ entre outros. Por isso, vale também incentivar crianças e jovens dessas populações a seguir exemplos de pessoas reais das suas comunidades para ajudar na construção de uma identidade positiva.

“Caso a criança e o jovem desses grupos sofra preconceito ou cyberbullying nessas plataformas, a dica é agir da mesma forma que quando fora das redes: lembrar que a situação foi uma violência, que ela não tem culpa e acolher a ferida que surgir. Além disso, destacar que qualquer padrão imposto é ruim, já que a realidade é feita de diversidade”, conclui Martinez.

Veja mais:

Quais os impactos sociais dos filtros que mudam aparência nas redes sociais?

O que é controle parental e como fazê-lo?

Como orientar adolescentes e crianças sobre compras online?

O que é ‘brain rot’?

Crédito da imagem: skynesher – Getty Images

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