Filmes podem ajudar a ensinar sobre idade média, conteúdo curricular previsto para o sexto e sétimo ano do ensino fundamental II.
“Eles funcionam como uma referência visual do período para o aluno, além de despertar a curiosidade para a cultura medieval, como arquitetura, literatura e música, aspectos que eles talvez não tivessem contato se não fosse via educação escolar”, explica a coordenadora do Programa de Estudos Medievais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PEM/UFRJ) Andreia Frazão.
Segundo a docente, mesmo filmes que não são 100% fidedignos podem ser aproveitados em aula.
“Qualquer informação trazida em um filme pode ser discutida com os alunos. Isso inclui desde os filmes totalmente ficcionais – aqueles baseados em eventos e personagens reais, mas que misturam questões fictícias – até os que recriam o que teria sido a idade média”, descreve.
“Mais do que falar sobre erros históricos, o que temos são construções do passado. Algumas delas de caráter científico, pautadas em fontes, metodologias e quadros teóricos distintos, e outras que são apenas uma leitura midiática”, destaca a especialista.
Para Frazão, o mesmo cuidado em relação ao tratamento dado aos filmes deve ser realizado com os livros didáticos. “Se por um lado já incorporam temas como questões femininas, outros ainda retratam a idade média apenas como sinônimo de feudalismo”, alerta.
Cruzando conhecimentos
Segundo a docente, os filmes podem ajudar a combater estereótipos da Idade Média como um período de trevas, guerra, fome, pestes, intolerância religiosa e de poucas contribuições para as ciências.
“Por exemplo, há produções que ajudam a apresentar aspectos da ciência medieval e do pensamento medieval”, descreve Frazão.
A especialista lembra também que os filmes podem ser relacionados, em aula, a outras fontes e documentos. “Por exemplo, com marcos históricos, cartografia e literatura”, pontua.
O doutor em história medieval pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Márcio Felipe Almeida da Silva costuma relacionar filmes sobre o período medieval com literatura.
“Eu fiz um trabalho com o sétimo ano sobre o universo arturiano. Assistimos ao filme ‘Rei Arthur’ e depois eu apresentei a eles a adaptação do livro ‘A Morte de Arthur’, de Thomas Malory”, completa.
Para quem deseja conhecer indicações de filmes que podem ser usados no ensino da idade média, o PEM possui cinco volumes de catálogos fílmicos e a websérie ‘Idade Média no Cinema’ disponibiliza 15 episódios no canal do programa no Youtube.
Os professores apresentam abaixo sete filmes para ensinar idade média nas aulas de história.
Shrek (2001, classificação livre)
“A animação brinca com referências à idade média e contos de fadas mesclando com temas da atualidade”, diz Frazão.
Como atividade, a docente indica pedir aos alunos que identifiquem elementos da época presentes no filme e que estão no presente.
O Feitiço de Áquila (1985, classificação livre)
Apresenta a dicotomia da cidade e da floresta, esta última como um espaço não civilizado. “Há a figura do bispo como autoridade. Os alunos podem pesquisar quem eram as autoridades nas cidades da idade média, assim como o papel do bispo e da catedral”.
O cavaleiro do dragão (2021, classificação livre)
Segundo Frazão, a animação traz temas como a relação entre cristãos e mulçumanos, cruzadas e o papel da mulher na idade média, que podem ser problematizados com os alunos. “Além disso, traz questões da contemporaneidade, como a extinção de animais. O dragão, que costuma ser retratado como um animal a ser combatido, é posto como um animal a ser protegido devido ao risco da sua espécie desaparecer”, aponta a docente.
O incrível exército de Brancaleone (1966, 12 anos)
Paródia da idade média que se passa na península itálica e faz uma síntese do período medieval. Na narrativa, um mercador judeu, alguns camponeses e um nobre
sem herança tem de se juntar ao cavaleiro empobrecido Brancaleone. “É um filme curto e que pode ser recortado: há momentos em que a temática é a peste, em outros, os mulçumanos, judeus, peregrinação, cavaleiros, feudos e invasões. Em uma cena, é mostrada uma corte bizantina”, lista Frazão. Outras informações podem ser encontradas no volume 3 do catálogo fílmico do PEM.
O corcunda de Notre Dame (1996, classificação livre)
Segundo Frazão, a animação é ‘a releitura de uma releitura’, pois reinterpreta o livro de Victor Hugo, autor do século XIX, sobre a sociedade baixo medieval parisiense.
O filme conta a trajetória do sineiro Quasímodo e seu pai adotivo, o juiz eclesiástico Claude Frollo, ambos apaixonados pela mesma mulher, a cigana Esmeralda.
Religiosidade, arquitetura medieval, festas populares e a marginalização dos ciganos – retratados de forma colorida e risonha em contraponto às construções cinzentas e à austeridade clerical – são alguns dos temas que podem ser destacados.
“Há imagens da catedral enorme em contraponto com as casas pequenas da cidade baixa. Assim, pode-se discutir como eram as cidades medievais, quem vivia nelas, quem as governava, quais atividades eram desenvolvidas nesses espaços e os motivos de as catedrais serem tão grandes”, lista a docente. Outras informações podem ser encontradas no volume 1 do catálogo fílmico do PEM.
Aladim (1992, classificação livre ou live action de 2019, 10 anos)
O filme ajuda a debater o mundo árabe no período medieval. O primeiro aspecto, porém, é atentar para o orientalismo e o estereótipo ocidental sobre o oriente. A primeira música da animação, “Noites da Arábia”, por exemplo, trata a conjuntura árabe como sombria e barbárica.
Outro aspecto a ser explorado é o comércio, como a expansão dos árabes pelo norte do continente africano e península ibérica. “Podemos discutir o papel da mulher na cultura islâmica, como estavam organizadas as cidades mulçumanas, a ideia do casamento arranjado, entre outros”, diz Frazão.
“Há ainda a forma sexualizada como a personagem Jasmine é apresentada, como uma eterna bailarina de dança do ventre”, lista a docente.
Mais informações podem ser encontradas no volume 3 do catálogo fílmico do PEM.
Catarina, A menina chamada passarinha (2022, 12 anos)
Sucesso entre adolescentes, apresenta uma menina de 12 anos que desafia normas de gênero na idade média.
“É possível debater o papel das mulheres na idade média, o que era o casamento e também desmistificar a ideia de que todo nobre era rico. Há ainda a importância do dinheiro novo vindo por meio do comércio”, explica Frazão.
“Outro ponto interessante é que apresenta uma idade média multirracial. E em um contexto de guerras, invasões e migrações, é possível provocar reflexões de que a idade média não era branca”, conta.
Para completar, o filme ilustra aspectos da medicina medieval, como o momento do parto.
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Crédito da imagem: 20th Century Fox – distribuição.