“Hägar, o Horrível” é uma história em quadrinhos (HQ) criada em 1973 pelo cartunista norte-americano Dik Browne. As narrativas se passam na Noruega na Idade Média e focam a família e o trabalho de um guerreiro viking. “Elas envolvem desde a tripulação de um navio durante saques em terras distantes, até a sua esposa mandona de Hagar, Helga, na vila onde eles residem”, contextualiza o professor de História Medieval na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Johnni Langer, que usa as tirinhas em suas aulas.
Segundo Browne, o nome Hägar veio por acaso. “Ao acordar, seu filho mais novo, Chris Browne, exclamou: ‘Olhe, mamãe! É o Hägar, o horrível’”, revela o doutor em história pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor da rede estadual paulista André Luiz de Siqueira. Após a morte do cartunista, em 1989, as tiras passaram a ser desenhadas por Chris, sendo publicadas em quase dois mil jornais, 58 países e 13 idiomas.
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Autor de uma monografia sobre o assunto, Siqueira indica seu uso pedagógico para introduzir conceitos históricos nos anos finais do ensino fundamental. “Concepção de história, sujeito histórico, memória, anacronismo, temporalidade, civilização e barbárie são alguns deles”, lista.
Metáfora contemporânea
Hägar surge em contexto de Guerra Fria e da popularização de um estilo de vida tipicamente americano. “Assim, inspira-se em valores sociais e cotidianos de uma família média norte-americana: os comportamentos do marido, mulher, filhos e suas metas e dificuldades de vida. É uma metáfora e satiriza isso”, aponta Langer. “Os vikings e a Idade Média são contraponto aos valores modernos, onde o cômico é ferramenta para criticar, refletir e repensar passado e presente”, completa.
Mestre em Letras pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Adriana Alves Cruz lembra que os vikings eram povos escandinavos camponeses que, nos séculos XVIII e XIX, empreenderam incursões marinhas ao redor da costa europeia. “É contestada a teoria de que essa civilização era selvagem e fria, estereótipos usados na construção dos personagens”, afirma ela, cuja dissertação de mestrado estudou o humor presente na construção do personagem.
Segundo Cruz, a saga de Hägar também é uma alegoria de uma não-civilização e metáfora para o papel imperialista dos Estados Unidos na época da Guerra do Vietnã. “Em nome do ‘progresso’ mundial, invadiam nações, depredavam patrimônios e saqueavam vidas. Nas entrelinhas, há a mensagem de que o passado de invasões, de guerras e o bárbaro sobreviviam”, explica.
Estereótipos para analisar
Autor de um artigo sobre o uso de quadrinhos no ensino de história medieval, Langer lista quatro estereótipos relacionados ao período e ainda presentes em Hägar que podem ser trabalhados em aula. O primeiro é sobre a mulher medieval escandinava, que detinha certo poder na esfera doméstica. Porém, a relação entre Helga e Hägar não corresponde ao período: “Reflete a sociedade norte-americana pós-1950, com os novos papéis sociais da mulher”.
O segundo é o já citado viking como bárbaro, presente em personagens usando elmos com protuberância de animais. “A imagem fantasiosa dos guerreiros chifrudos é produto do século XIX e traz uma relação de civilização versus barbárie. Os bárbaros representados como invasores cruéis, selvagens, bestiais e com vestimentas animalescas”, destaca.
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O terceiro estereótipo é sobre a Idade média como período de trevas, elaborado no renascimento. Ele está presente especialmente no cenário: paisagens escuras, árvores tortas, névoa, monstros e caveiras. Por fim, há o estereótipo da Idade Média também como tempo heroico. “Período de aventuras e glórias, com dragões, castelos, donzelas e cavaleiros de armadura”, descreve Langer .
Interdisciplinaridade
Diversas facetas do período medieval são excluídas dos quadrinhos em geral e também de Hägar. “O cotidiano do camponês no mundo rural; dos monges; das bibliotecas, universidades e grandes cidades são alguns”, destaca Langer. A Idade Média perpassou os séculos V a XV, porém, enfatiza-se o período feudal e regiões como França e a Inglaterra. “Mesmo transcorrendo na Escandinávia, Hägar remete a elas”, aponta o professor.
Já Cruz indica o trabalho interdisciplinar com as tirinhas integrando língua portuguesa, língua inglesa, geografia, sociologia e filosofia. “O enredo traz temas atemporais, como família, casamento, papel do homem e da mulher, guerras, civilização e espaço geográfico”, justifica.
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