Turma do Snoopy é o nome em português para Peanuts, tirinhas criadas pelo cartunista norte-americano Charlie Schulz, nos anos 1950, que apresentam as peripécias de um grupo de crianças. Por meio do humor, elas abordam questões da vida adulta e diferentes modos de vida. No ensino médio, é possível utilizar seu conteúdo para abordar temas como resiliência, relações abusivas, autoestima e empatia, como aponta o doutor em Educação e docente da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Vitor Gomes.
“A escola pode ser uma instância promotora da resiliência ao estimular relações saudáveis entre alunos, professores e demais membros da comunidade escolar, ensinando para a criticidade, para a consciência social e enfrentamento dos revezes da vida”, destaca ele, que escreveu artigo sobre o uso das tirinhas.
Instituto Claro: Do que tratam as histórias da Turma do Snoopy?
Vitor Gomes: O grupo de crianças reproduz anseios e questões da vida adulta. O autor usa o humor para apresentar dramas comuns e diferentes modos de ser das pessoas, fazendo com que o leitor se identifique. Afinal, quem não conhece alguém depressivo, invejoso, otimista, dedicado ou imaturo?
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Como é o personagem Charlie Brown e sua relação com os demais personagens?
Gomes: Charlie é um pessimista incorrigível e que vive situações adversas, mas nessa dimensão cômica. É interessante a sua relação com três personagens: Lucy, a menina cruel que o escarnia constantemente; Linus, o amigo conselheiro e Sally, a irmã mais nova, de quem Charlie Brown cuida.
Sobre habilidades socioemocionais, o que sua pesquisa sobre a Turma do Snoopy identificou?
Gomes: Pesquisei como se estabelecem processos de resiliência dentro dos aspectos intrapessoais e interpessoais mostrados nas tiras. Aspectos intrapessoais são as características particulares de cada sujeito, como bom humor e otimismo. Já os interpessoais são comportamentos nas relações com os outros.
O que entende por resiliência? E por que precisamos dela?
Gomes: É um conceito originalmente da física sobre flexibilidade de materiais que foi transposto, na década de 1960, para as ciências humanas como capacidade de superação, enfrentamento e empoderamento diante das adversidades. É como uma nova pele que se forma depois da tempestade. Está entre a vivência de um problema e seu modo de enfretamento, como comportamentos ou apoio externo de amigos, família e da escola.
Resiliência não é resignação e ser resiliente não é ser passivo. Ao contrário, envolve criticidade e lutar diante de ideais coletivos e individuais. É o contrário da passividade, uma vez que advém de um fortalecimento emocional diante da adversidade, uma vontade de querer superar.
A escola pode ser uma instancia promotora da resiliência ao estimular relações saudáveis entre alunos, professores e demais membros da comunidade escolar, ensinando para a criticidade, para a consciência social e enfrentamento dos revezes da vida. Assim como empatia, resiliência é uma aprendizagem que transpassa a realidade escolar, mas também pode habitá-la.
E como os processos de resiliência aparecem nas tiras?
Gomes: Os processos de resiliência acontecem no encontro entre as adversidades e os fatores de proteção, que são os apoios que um indivíduo recebe, o que o blinda de trauma. No caso, eles aparecem na relação de cuidado que Charlie Brown tem com a irmã, Sally, por exemplo.
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Que outras questões de relacionamento presentes na tirinha podem ser abordadas pelo professor?
Gomes: Relações de abuso e autoestima. Por exemplo, a personagem Lucy exerce uma relação de bullying com Charlie Brown e ele continua a procurá-la para conselhos. Mas também de empatia. O personagem Linus é sempre acolhedor e aconselhador de Brown. Nas duas relações, o professor poderá trabalhar a necessidade na busca de relações saudáveis, seja com o colega de sala de aula ou fora dela. Também a necessidade de alimentarmos uma boa autoestima por meio da escolha dos amigos que acrescentem em nossas vidas.
O conteúdo da Turma do Snoopy dialoga com outras disciplinas na educação básica?
Gomes: Penso que pode ser trabalhada de forma transdisciplinar, já que seus contextos não permeiam uma disciplina em si. Pode ser usada em língua portuguesa para interpretação de texto; em geografia, para contextualizar as realidades econômica e cultural do período pós-Segunda Guerra, momento em que a tirinha foi escrita.
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