“Estrelas além do tempo” (classificação etária: 10 anos) é um filme baseado em fatos reais que narra a história de três brilhantes matemáticas afro-americanas na Nasa  (National Aeronautics and Space Administration) durante a década de 1960: Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson. O trio foi fundamental para o sucesso da missão Apollo e enfrentou discriminação racial e de gênero. 

“A produção tem potencial pedagógico devido à diversidade de temas que pode mobilizar com os alunos: representatividade de mulheres na ciência, corrida espacial, segregação racial nos Estados Unidos, racismo estrutural, entre outros”, resume o mestre profissional em matemática pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Felix Penna.

A representatividade é outro ganho do filme. “Ver pessoas negras lidando com conhecimentos avançados de física e matemática gera possibilidade nos jovens e o sentimento de que é possível eles serem o que quiserem. Isso é muito positivo”, destaca a doutoranda em educação pela Universidade de Brasília (UnB) e formadora de professores, Éllen Cintra.

Em termos de conteúdos curriculares, o filme pode ser explorado pelas disciplinas de matemática, física e também pautar projetos interdisciplinares.

Em sequência didática elaborada com alunos do 7º ano do ensino fundamental, Penna trabalhou o filme em quatro momentos: atividade prévia de motivação, exibição da obra, debate sobre temas sociais e realização de atividades relacionadas a conteúdos curriculares. 

“A atividade de motivação pode ser uma pesquisa biográfica sobre as protagonistas, a existência dos primeiros computadores ou sobre a segregação racial nos Estados Unidos”, sugere.

A seguir, os educadores listam 8 formas de explorar pedagogicamente “Estrelas além do tempo” em aula. 

Foto do trio de matemáticas que inspirou o filme, da esquerda para direita: Katherine Johnson, Mary Jackson e Dorothy Vaughan (Créditos: NASA on The Commons).

1) Discutir o apagamento feminino nas ciências

A imagem de cientista difundida em sociedade ainda reforça este profissional como homem, branco e de elite. “Isso faz com que muitas meninas nem tentem entrar na carreira de física”, explica a mestra profissional em ensino de física pela Universidade Federa de Santa Catarina (UFSC), Carolini Felisberto de Souza. 

Uma cena que pode fomentar esse debate é de Katherine Johnson recusando retirar o seu nome de um relatório elaborado por ela quando coagida por um colega. 

“O filme traz à luz essas cientistas que foram apagadas e isso pode ser vinculado ao nome em inglês da produção, Hidden Figures (figuras escondidas)”, diz Penna. 

“Para os estudantes, ajuda a entender que a ciência é feita por pessoas diversas”, completa.  

2) Discutir sexismo e estereótipos de gênero

Há cenas que mostram claramente a discriminação das cientistas por serem do gênero feminino. “Katherine ao entrar na sala em que vai começar a trabalhar tem que lidar com homens solicitando trabalhos domésticos”, ilustra Souza. 

Além disso, o filme pode pautar discussões sobre situações de desigualdade de gênero que ocorrem na própria escola. 

3) Explore as jornadas de cada personagem

Penna sugere esmiuçar a jornada das três personagens. “Katherine lidou com o racismo institucional. Há senso de coletividade presente na jornada de Dorothy e a importância de ser o primeiro a ocupar um espaço, representada na jornada de Mary”.

As cenas de segregação de banheiros é um dos exemplos de racismo institucionalizado vivido por Katherine. No caso de Dorothy Vaughn, há cenas em que ela sugere às colegas que estudem a linguagem de programação Fortran, com a chegada de um novo computador. 

“Futuramente, além de aprender programação Fortran, ela ensinou suas colegas de trabalho, demonstrando a importância de incentivar o avanço coletivo de uma classe”, assinala Penna.

No caso de Mary Jackson, explore a cena da sua argumentação na audiência para conseguir uma autorização para cursar a pós-graduação na Universidade de Virgínia — requisito necessário para futuramente se tornar a primeira mulher negra com um cargo de engenheira na Nasa. 

4) Use o filme para trabalhar conteúdos matemáticos

Em sua dissertação, “Filmes cinematográficos e aprendizagem significativa em matemática: implementação de uma intervenção pedagógica com alunos do sétimo ano” (2022), Penna narra como utilizou o filme para trabalhar três conteúdos da disciplina: interpretação numérica, função quadrática e plano cartesiano.

 “Para resolver o problema da órbita do foguete, Katharine interpreta números e faz conclusões. Esse pensamento numérico, que é traduzir informações trazidas por um número e usá-las nas escolhas de vida, está presente em diversas situações cotidianas. Como interpretar os dados climáticos e saber que roupa escolher, por exemplo”. 

“Apesar do lançamento do foguete dialogar mais com a disciplina de física, ele pode ser associado às funções de segundo grau e quadrática”, completa.

5) Em física, filme pode ajudar a ensinar mecânica

Autora da dissertação “Questão étnico-racial e de gênero no ensino de física: o cinema como organizador sequencial” (2021), Souza associou “Estrelas além do tempo” ao conteúdo de mecânica. 

“É possível trazer as cenas dos personagens discutindo formas de fazer o lançamento de foguetes e introduzir o conteúdo de mecânica clássica, abordando as três leis de Newton”.  

Com a classe, ela também trabalhou experimentos simples e construção de foguetes. As atividades desenvolvidas foram disponibilizadas em um site

6) Contextualize a segregação racial

A segregação racial nos Estados Unidos foi um sistema legal, apoiado por leis locais e regionais conhecidas por “Jim Crow”. Elas impunham a segregação em escolas, transporte público, banheiros, restaurantes, hotéis, parques e outros espaços.

“Em diversas cenas é visível a segregação: o ônibus com lugar reservado para negros, garrafas de café e banheiros”, apresenta Souza.

“É importante destacar que não é um contexto brasileiro, situando o que era ser negro nesse momento histórico nos Estados Unidos. Além disso, pode-se comparar como a discriminação operou e opera no nosso país e pensar o que aproxima essas populações negras dos dois países — frutos da diáspora africana forçada provocada pela escravização”, completa. 

 7) Problematize o “salvador branco” 

O filme traz Al Harrison, chefe branco das protagonistas, derrubando as placas que dividiam os banheiros de mulheres negras e brancas na Nasa. Há muitas problemáticas nesse momento: ele nunca ocorreu, o personagem é fictício, condensa diversos diretores que as protagonistas tiveram, além disso, Katherine afirmou que desafiava o sistema e usava o banheiro das mulheres brancas. 

Por conta disso, a cena é considerada um exemplo de “white savior” (salvador branco), conceito que se refere a artifícios narrativos em filmes hollywoodianos nos quais o personagem branco é retratado como herói de pessoas não brancas ou marginalizadas. 

“Isso fortalece a lógica de pessoas de outras etnias como coitadas, selvagens e incapazes, quando no contraponto você cria um herói que tem uma cor bem específica: branca, explica Cintra.

“Pensar que essas mulheres não procuravam alternativas tira o foco do racismo estrutural e individualiza o problema. Além disso, muitas pessoas negras resistiram ao sistema de segregação, sendo demitidas, expulsas, entre outros”.

Como atividade, Cintra sugere uma dinâmica do teatro do oprimido com  alunas negras, representando as protagonistas do filme pensando o que fariam para mudar aquilo. “Podem elaborar respostas como pleitear um banheiro próximo, reclamar do racismo institucionalizado, demandar melhores condições de trabalho, etc”.

8) Discuta o antirracismo

O filme pode ser uma oportunidade para professor e alunos se atualizarem sobre antirracismo. Cintra explica que a escravização moderna desumanizou a pessoa negra — e isso é a base do racismo estrutural. 

“Ela se tornou uma ser socialmente morto, não tem outro valor para compartilhar com o mundo a não ser consumido, trocado e vendido. Isso foi alimentado ao longo dos séculos: tudo que é da população negra e vinculado a ela, é negativo — vestimenta, beleza, forma de ver o mundo, tecnologias, conhecimentos produzidos, etc.”

Segundo  ela, não basta apenas não ter atitudes racistas, mas também combater essa lógica de desvalorização.

“Parece que ser antirracista não é fazer piada, não colocar apelidos racistas, silenciar quando a pessoa negra fala, mas não é tão simples”, completa.

9) Explore a interdisciplinaridade 

No âmbito de história e geografia, o filme pode ser associado aos direitos civis negros e a importância da corrida espacial na guerra fria. 

“Pode-se destacar também como o capitalismo organiza essas relações de trabalho e remuneração entre homens e mulheres. Como o racismo estrutural afeta financeiramente populações, empobrecendo e inviabilizando melhores condições de vida”, exemplifica Cintra. 

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