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O racismo resulta de um sistema de opressão que perdura há 500 anos e, por isso, é estrutural no Brasil. Pessoas brancas não são mortas por serem brancas, nem seguidas por seguranças em lojas, como acontece com as negras. Esses são alguns dos exemplos e argumentos apresentados pela pesquisadora em relações raciais, Kelly Quirino, para demonstrar que o racismo é estrutural e que não faz sentido falar em ‘racismo reverso’ . Ela foi ouvida pelo Instituto Claro neste podcast.

“Até hoje as pessoas negras têm os piores indicadores socioeconômicos, não estão representadas nos espaços de poder, morrem por serem negras. O segurança de um mercado ou de uma loja persegue pessoas negras pela cor da pele”, lamenta.

No áudio, Quirino fala ainda sobre situações que comprovam o racismo. “A gente tem até hoje uma estrutura escravagista que é o quarto da empregada. A mulher negra é colocada no papel de doméstica. Ela cuida da criança branca, da família branca, da casa da família branca, enquanto dos filhos dela não têm quem cuide”.

A pesquisadora conclui que não ser racista é insuficiente para mudar esse estado de coisas. É fundamental que a luta antirracista vá além dos movimentos negros. “O dia que eu conseguir ver as pessoas brancas saindo na rua porque um menino negro foi assassinado como o menino João Pedro, na casa dele, na Baixada Fluminense,  logo depois do George Floyd, eu vou acreditar, realmente, num projeto de país”.

Acompanhe uma playlist criada por Kelly Quirino sobre o tema

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Transcrição do Áudio

Música OB1, de Ralph Real, de fundo

Kelly Quirino:

Uma pessoa branca de terno e gravata, quem é? Um executivo. Uma pessoa negra de terno e gravata é o quê? É o segurança. Ah, uma mulher branca limpando o quintal da casa dela? Ah, ela é a dona da casa. A mulher negra limpando? É a doméstica.

Eu sou a Kelly Quirino, sou doutora em comunicação e pesquisadora em relações raciais.

Vinheta Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

O racismo no Brasil é resultado de uma estrutura que perdura há séculos. Para entender onde pode ser notado esse sistema de opressão e porque não faz sentido falar em racismo reverso, o Instituto Claro conversa com a professora universitária e consultora em gênero e raça, Kelly Quirino.

Kelly Quirino:

A gente tem aí cinco séculos de opressão de povos indígenas, de povos negros, a partir da criação do racismo. E esse racismo escravizou as pessoas negras por mais de três séculos; não foi criado políticas públicas para as pessoas negras e até hoje as pessoas negras têm os piores indicadores socioeconômicos; as pessoas negras não estão representadas nos espaços de poder; morrem por serem negras; o segurança de um mercado ou de uma loja persegue pessoas negras pela cor da pele. Então a gente não pode falar de racismo reverso, porque falar de racismo reverso seria todo um sistema hoje ser negro e, ao contrário, todo o sistema é branco. Pra gente falar de racismo reverso, vamos imaginar que, hoje, todos os sistemas fossem ocupados por pessoas negras: o presidente é negro, o Supremo Tribunal Federal só pessoas negras, os meios de comunicação só pessoas negras, o dinheiro está nas mãos de pessoas negras. Então, se a gente tivesse essa realidade, hoje, a gente poderia falar de racismo reverso. Mas como a gente não está diante dessa realidade a gente não pode falar de racismo reverso.

Música: “Cota não é esmola” (Bia Ferreira)

Experimenta nascer preto, pobre na comunidade
Cê vai ver como são diferentes as oportunidades
E nem venha me dizer que isso é vitimismo
Não bota a culpa em mim pra encobrir o seu racismo!

Kelly Quirino:

Em 2020, as manifestações que nós tivemos, o Black Lives Matter, só comprova como o racismo é um sistema que, hoje, está em todo o mundo, em grupos historicamente excluídos que não seja o branco europeu, homem cristão, que é esse modelo hegemônico que o eurocentrismo criou no século XIX, que ‘esse é o padrão! E o resto é subalterno, é invisibilizado, pode ser morto, pode não ter acesso a direito’.

Marcelo Abud:

Quirino traz exemplos de como o racismo estrutural está presente no dia a dia da nossa sociedade.

Kelly Quirino:

Toda pessoa negra passa pela questão da injúria racial, de ser ofendida pela questão da cor da pele, do cabelo, do nariz, da boca e, principalmente, essa questão da pessoa negra ser associada a criminoso. Então a polícia já chega enquadrando, quando não chega atirando. E no comércio, por exemplo, quando as pessoas acham que a gente não tem poder aquisitivo para comprar alguma coisa ou que a gente está lá para roubar. Mas são vários, por exemplo, a gente tem até hoje uma estrutura escravagista que é o quarto da empregada. A mulher negra ela ainda é colocada no papel de doméstica, de fazer esse trabalho. Ela cuida da criança branca, ela cuida da família branca, ela cuida da casa da família branca, enquanto os filhos dela não têm quem cuide.

Então, assim, eu posso te dar vários exemplos. Um dos que eu acho extremamente perverso é a segurança pública. Porque a segurança pública continua fazendo controle nos corpos negros, que faz com que as pessoas negras, às vezes, por conta dessa política de drogas que a gente tem, continua tendo encarceramento em massa da população negra. Será que é só pessoa negra que comete crime nesse país ou é a forma com que o sistema de segurança pública foi estruturado, que faz com que os corpos negros sejam mais criminalizados?

Música: “A Cena” (Rashid), com Rashid e Izzy Gordon

O que fizemos aos senhores,
Além de nascer com essa cor?
E de sorrir lindamente diante
De nossa amiga dor?

Kelly Quirino:

Se o sistema judiciário agora resolvesse mudar o tipo de crime que a gente fosse prender de forma massificada, ao invés de ser tráfego de drogas, por exemplo, seria corrupção, pode ter certeza que mudaria o perfil dessa pessoa que seria presa. Essa corrupção mais sofisticada quem faz é quem tem no mínimo ensino médio e ensino superior. E aí, no Brasil, muda a cor da pele porque quem tem isso são as pessoas brancas. São coisas que no dia a dia a gente não problematiza, mas que o racismo estrutural está aí no sistema de segurança pública, no sistema judiciário. O racismo se manifesta todos os dias na vida de toda pessoa negra, ainda que ela seja pobre, ainda que ela seja de classe média.

Marcelo Abud:

A pesquisadora demonstra que o racismo é prejudicial também aos opressores.

Kelly Quirino:

Tem um teórico muito importante, médico, psiquiatra, Frantz Fanon – na sua obra “Pele negra, máscaras brancas” – que fala que foi o europeu que criou o racismo, foi o europeu que criou a categoria negro e o racismo gera neurose nas pessoas negras e nas pessoas brancas. Nas pessoas negras, o complexo de inferioridade; e nas pessoas brancas, o complexo de superioridade. E esse complexo de superioridade gera nas pessoas brancas neuroses, quando elas se defrontam com as frustrações que a vida coloca: elas acham que elas são super-homens, supermulheres, e quando não conseguem serem bem sucedidas, isso gera neurose.

Marcelo Abud:

A luta antirracista é de todos e, por isso, deve ir além dos movimentos negros.

Kelly Quirino:

Enquanto eu estiver com vergonha, tanto de assumir quanto de falar, a gente não vai avançar. O dia que eu conseguir ver as pessoas brancas saindo na rua porque um menino negro foi assassinado como o menino João Pedro, na casa dele, na baixada fluminense, né, agora logo depois do George Floyd que morreu, eu vou acreditar, realmente, num projeto de país. Porque, no Brasil, ainda se sensibiliza com a morte de uma pessoa branca, mas não se sensibiliza com a morte de um menino negro, do menino Miguel, que caiu de um prédio de elite, em Recife; com os oitenta tiros que aquele pai de família recebeu, ano passado, no Rio de Janeiro; os 111 tiros que os cinco meninos receberam em Costa Barros, em 2015.

Música: “Vidas negras” (Edi Rock)

Vidas negras importam / Vidas negras suportam
Vidas negras é ópio / vigiadas por telescópio
Vidas negras de fúria / vidas negras de injúria
Vidas negras da pura / exclusão é óbito, é lógico

Kelly Quirino:

Enquanto a gente ainda tiver vergonha ou enquanto a gente não se sensibilizar com a morte de uma pessoa negra, a gente não vai conseguir avançar como país. Então, assim, o racismo tira humanidade dos corpos negros e a gente está falando de seres humanos, que foram escravizados, que foram brutalizados, que foram assassinados e têm sido assassinados há cinco séculos.

Marcelo Abud:
Consultora em gênero e raça, Kelly Quirino refuta a ideia de meritocracia.

Kelly Quirino:
Não sei se vocês já viram a metáfora que elucida muito bem essa questão da meritocracia: tenho três pessoas que estão tentando ver uma partida de futebol, do muro. Essas três pessoas têm tamanhos diferentes. Eu tenho o alto, eu tenho o médio e eu tenho o baixinho. Se eu der o mesmo tamanho de banco para aquelas pessoas subirem, a única que vai conseguir assistir o jogo é a pessoa alta. Mas se eu der o banco menor para a pessoa alta, o banco médio para a pessoa média, e o banco maior para a pessoa baixa, eu vou garantir que os três assistam o jogo. E quando a gente fala em política de equidade é nesse sentido. É dar bancos diferentes para que os diferentes tenham acesso às mesmas oportunidades.

Música OB1, de Ralph Real, de fundo

Marcelo Abud:

Para mudar a estrutura racista que está presente na sociedade brasileira, é preciso mais do que não ser racista. É necessário ter consciência do quanto é importante ser antirracista.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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