Na nova animação de “Divertida Mente”, Riley, que está com 13 anos, tem sua mente transformada em uma sala de controle em que são observadas ações importantes para a protagonista, como jogar hóquei e as relações com as amigas. A partir do que vive, a agora adolescente passa a lidar com a Vergonha, a Inveja, o Tédio e a Ansiedade. Para o psicanalista Christian Dunker, animações e filmes como esse podem ser uma boa forma de estimular a conversa sobre temas difíceis com crianças e adolescentes.
“O cinema, enquanto fusão de diferentes linguagens – você tem a dramaturgia, a música, a literatura, pintura ou cenografia –, é excelente, justamente porque permite essa hierarquização, mudança de patamar de linguagem e, ao mesmo tempo, uma espécie de convergência entre esses níveis de signos diferentes, o que favorece muito para a função que a gente diria assim, formativa, das narrativas para a nossa subjetividade”, afirma.
Para Dunker, a primeira animação de “Divertida Mente”, lançada em 2015, já permitia que se estabelecesse um diálogo sobre emoções com as crianças. “Você tem a zona de controle, você tem os afetos disputando entre si quem é que manda, você tem representações imagéticas para cada um dos afetos. Isso tudo vai produzindo efeitos de reacomodação e de visualização, necessários para a gente poder tematizar melhor conflitos, experimentar melhor certas emoções e, principalmente, perceber como as emoções se produzem a partir de afetos, e elas são negociadas na forma de sentimentos sociais”, analisa.
O psicólogo e terapeuta de casais e de família Alexandre Coimbra Amaral concorda que “Divertida Mente” gera uma conexão entre adultos e crianças ou adolescentes. “Então a parte mais divertida, mais da ação, as crianças adoram; e tem essas surpresinhas que têm a ver com as neuroses adultas. O “Divertida Mente” oferece isso como um prato cheio, dando uma amostra muito fidedigna da complexidade do nosso funcionamento mental e emocional. É um desenho que abre portas para o diálogo”, defende.
O especialista traz dicas de como o adulto pode iniciar a conversa com a criança ou o adolescente. “Pode ser a partir de uma história que você viveu, como memória que o filme te lembrou, pode ser a partir da cena da personagem principal, perguntando se o filho ou filha se coloca naquele lugar, se sente parecido com ela em alguma coisa. E, sendo bem coerente com o filme, deixar escorrer a emoção. Então, se você tiver que falar do medo, poder assumir os seus medos. Se você tiver que falar da tristeza, poder assumir uma tristeza ou contar uma cena em que você foi visitado pela ansiedade”, explica Amaral.
Crédito da imagem: Tara Moore – Getty Images
Música: “Tasty Waves’ (National Sweetheart) fica de fundo
Christian Dunker
A gente pode analisar comparativamente o volume 1 e o volume 2 de “Divertida Mente”, pensando na evolução histórica das narrativas de sofrimentos que estão aí envolvidos. Nós aprendemos a amar, nós aprendemos a sofrer, nós aprendemos a externalizar e dar destino aos nossos afetos a partir de narrativas que estão aí, disponíveis na cultura.
Eu sou Christian Dunker, sou psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP.
Alexandre Coimbra Amaral
Então a parte mais divertida, mais da ação, as crianças adoram e tem essas surpresinhas assim que têm a ver com as neuroses adultas. O “Divertida Mente”, ele oferece isso como um prato cheio, dando uma amostra muito fidedigna da complexidade do nosso funcionamento mental e emocional. É um desenho que abre portas para o diálogo.
Olá, eu sou Alexandre Coimbra Amaral, psicólogo, podcaster, escritor, professor e estou aqui para a gente conversar sobre muita coisa importante.
Vinheta: Instituto Claro – Cidadania
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
No lançamento do filme “Divertida Mente 2”, o diretor Kelsey Mann afirmou: “aprendi que a melhor maneira de lidar com qualquer problema é falando sobre ele”. Para Christian Dunker, filmes que atraem adultos e crianças têm grande êxito para estimular a conversa sobre temas mais difíceis.
Christian Dunker
Tem uma importância estratégica muito grande quando você consegue variar qualidade e a forma da linguagem pela qual você aborda assuntos sensíveis – morte e sexualidade, conflitos, angústias –, então, em regra, os tratamentos, eles apelam para esse tipo de redescrição ou de mudança de patamar de linguagem ou de discurso, passando, por exemplo, da apreensão verbal e discursiva de um evento para uma apreensão por imagens, uma apreensão pela voz. Então, o cinema, enquanto fusão de diferentes linguagens, você tem a dramaturgia, você tem a música, a literatura, você tem pintura, né, ou cenografia, ele é excelente, justamente porque permite essa hierarquização, mudança de patamar de linguagem e, ao mesmo tempo, uma espécie de convergência entre esses níveis de signos diferentes, o que favorece muito para a função que a gente diria assim, formativa, né, das narrativas para a nossa subjetividade.
Marcelo Abud:
Ao analisar as animações “Divertida Mente”, de 2015, e “Divertida Mente 2”, Dunker acredita que o primeiro episódio consegue alcançar com eficiência adultos e crianças e estimular que conversem sobre afetos.
Christian Dunker:
Então você tem a zona de controle, você tem os afetos disputando entre si quem é que manda, você tem representações imagéticas para cada um dos afetos. Isso tudo vai produzindo efeitos de reacomodação e de visualização, necessários para a gente poder tematizar melhor conflitos, experimentar melhor certas emoções e, principalmente, perceber como as emoções, elas se produzem a partir de afetos e elas são negociadas na forma de sentimentos sociais. Ninguém é escravo, dependente, passivamente reativo àquilo que está sentindo. Existe uma tramitação psíquica, pode levar outros afetos, pode levar à alteração dos afetos em si, no outro, pode levar a comportamentos, atos. Esse espaço criado pelo primeiro filme foi essencial para toda uma geração.
Marcelo Abud:
Em relação a “Divertida Mente 2”, o psicanalista vê uma dificuldade um pouco maior em estabelecer pontes entre a linguagem da criança e a do adulto.
Christian Dunker:
O que acontece antes, na infância, fica muito tomado por uma representação idílica, né, de que a infância, então, seria um momento em que as amigas não brigam, em que elas jogam hóquei, em que elas são generosas, solidárias, e daí você se torna mesquinha e egoísta de um dia para o outro, sem razão, causa ou motivo, né? Isso, vamos dizer assim, choca um pouco e não ajuda a gente entender como lidar com conflitos. Ou seja, a lição número 1 é um conflito para ser enfrentado, requer que a gente faça a história, arqueologia ou entender de onde ele veio, quais são os elementos que o compõe. Tudo isso fica então, assim, meio suprimido.
Marcelo Abud:
Mesmo tendo ressalvas à construção do roteiro do novo filme da série “Divertida Mente”, Dunker aponta alguns momentos que podem gerar boas reflexões.
Christian Dunker:
No fundo, boa parte do que a gente sente está envolvido, determinado, pela interpretação que a gente faz do que o outro está vendo na nossa reação, no espelho de afetos que é o outro. Isso só aparece em dois momentos no filme, no momento em que a Riley está indo para o acampamento de hóquei e ela descobre que as amigas ocultaram o fato que vão mudar de escola. Nesse momento, a gente vê as emoções da Riley dialogando com as emoções das amigas. E o segundo momento é quando ela volta do acampamento, os pais perguntam como foi, e ela responde com aquele típico, “Ah, foi ok”, e os pais ficam fulos da vida e aparece, então, as emoções dos pais e como eles reagem ao tédio que apareceu na Riley. Esse momento crucial que a gente chama de intersubjetivação, ou seja, a relação intra que a gente tem com os próprios afetos, numa relação de espelho e reciprocidade com a intersubjetivação dos afetos, ou seja, a interpretação que a gente tem dos outros e a interpretação que os outros fazem de nós. Então, para entender os circuitos dos afetos, você precisa entender essa dupla circulação.
Marcelo Abud:
O terapeuta de família Alexandre Coimbra Amaral vê, nos filmes da série “Divertida Mente” uma oportunidade de estabelecer uma boa conversa entre adultos e crianças ou adolescentes.
Alexandre Coimbra Amaral
Vale começar um diálogo a partir de onde a gente está sentindo, então, um adulto tomar uma cena que o tocou, que o deixou sensibilizado, que fez com que ele se conectasse com quem ele era quando era criança ou adolescente, ou que está falando de um funcionamento atual dele, porque nós continuamos ali tendo as emoções, trocando de protagonismo na nossa sala de controle interna ao longo da vida inteira. Então, vai que o adulto, por exemplo, convoque uma cena pra ser o mote do início de uma conversa e uma boa conversa, a gente só define a primeira fala, né, porque todas as outras vão decorrer do impacto que essa fala ou que aquele tema tiver em quem está escutando e depois for convidado a falar.
Marcelo Abud:
Amaral traz uma dica de como o adulto pode iniciar a conversa com a criança ou o adolescente.
Alexandre Coimbra Amaral:
Pode ser a partir de uma história que você viveu, como memória que o filme te lembrou, pode ser a partir da cena da personagem principal, perguntando se o filho ou filha se coloca naquele lugar, se sente parecido com ela em alguma coisa. E, sendo bem coerente com o filme, deixar escorrer a emoção. Então, se você tiver que falar do medo, poder assumir os seus medos. Se você tiver que falar da tristeza, poder assumir uma tristeza ou contar uma cena em que você foi visitado pela ansiedade. Usar essa oportunidade como uma janela para construir uma ponte muito transparente, muito genuína e muito verdadeira com essa criança e com esse adolescente.
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
Para os especialistas, mais do que trazer respostas, as animações “Divertida Mente” 1 e 2 podem gerar diálogos e estimular a conversa a respeito das emoções vividas por crianças e adolescentes. Os filmes representam uma boa oportunidade para tratar de temas complexos com leveza.
Marcelo Abud para o podcast de cidadania do Instituto Claro.