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O espetáculo “Fernanda Montenegro lê Simone de Beauvoir” é baseado no livro “A Cerimônia do Adeus”, da escritora Simone de Beauvoir. Considerado um dos textos mais relevantes de sua obra, traz a relação da filósofa e ensaista com o também filósofo Jean-Paul Sartre. No relato dos últimos anos de vida do escritor, os capítulos abordam a liberdade e marcas do pensamento existencialista do século XX.

“Uma filósofa, uma pensadora existencialista, significa interferir na vida, significa se colocar no mundo e agir no mundo sobre a possibilidade de interferir no mundo. E quando a gente lê “A Cerimônia do Adeus”, a gente entende muito o sentido disso, de estar engajado no mundo – porque ela [Beauvoir] é assim, e o Sartre, também, e é disso que se trata. A produção de pensamento e de ação não é dissociada”, explica a doutora em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e professora de filosofia contemporânea na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Izilda Cristina Johanson.

Na entrevista, a pesquisadora analisa como as reflexões sobre velhice, morte e relacionamento estão presentes no livro. “A relação da Simone de Beauvoir e do Sartre, nessa sociedade que a gente vive, fundamentalmente patriarcal, machista, misógina, continua sendo uma exceção, porque não se trata simplesmente de ser um casamento aberto, como hoje em dia a gente diz, é muito mais que isso. É uma parceria de vida enorme, de produção”, analisa.

Sartre e Beauvoir conviveram por cinco décadas desde que se conheceram em Paris em 1929. Nos diálogos entre eles, mais do que liberdade, há o estímulo à libertação. “A liberdade sempre se realiza não como um ‘Vou fazer tudo o que eu quero’, mas sempre como um processo de libertação: menos um obstáculo no caminho, menos outro obstáculo no caminho, menos outro obstáculo no caminho. O grande legado da Simone Beauvoir, a vida e obra, ação, interferência no mundo é esse, exercício da liberdade como um processo de libertação”, conclui Johanson.

Crédito da imagem: Domínio público

Transcrição do Áudio

Música: Introdução de “O Futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Izilda Johanson:

A liberdade, ela sempre se realiza não como um “Ah, vou fazer tudo o que eu quero”, mas sempre como um processo de libertação: menos um obstáculo no caminho, menos outro obstáculo no caminho, menos outro obstáculo no caminho. O grande legado da Simone Beauvoir, a vida e obra, ação, interferência no mundo é esse, exercício da liberdade como um processo de libertação.

Meu nome é Izilda Johanson. Eu sou professora de filosofia contemporânea na Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. Eu trabalho com a Simone de Beauvoir dentro desse contexto da filosofia contemporânea, então eu estudo Beauvoir primordialmente como filósofa.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

A peça “Fernanda Montenegro lê Simone de Beauvoir” traz à tona um livro menos conhecido da autora de “O Segundo Sexo”. No palco, a atriz dá voz a pensamentos que estão em outras obras da filósofa francesa, principalmente extraídos de “A Cerimônia do Adeus”. Lançado em 1981, no livro, Beauvoir faz o relato dos últimos anos de vida do companheiro e também filósofo Jean-Paul Sartre e trata de temas como a relação de amor e parceria entre eles.

Izilda Johanson:

Ela é uma pensadora existencialista e, como toda existencialista, não se trata de ficar produzindo obras fechada, né, no seu escritório, no seu gabinete. Uma filósofa, uma pensadora existencialista, significa interferir na vida, né, significa se colocar no mundo e agir no mundo sobre a possibilidade de interferir no mundo. E quando a gente lê “A Cerimônia do Adeus”, a gente entende muito o sentido disso, de estar engajado no mundo, de ser intelectual – porque ela é assim, e o Sartre, também, e é disso que se trata, a produção de pensamento e de ação, elas não são dissociadas. É um pouco esse o contexto em que toda a obra do pessoal em torno do existencialismo. É isso que eles pensam, quando você escreve uma obra de filosofia, quando você escreve uma peça de teatro, quando você escreve, você escreve e dá a sua contribuição. “Olha, o que que eu posso fazer não só para dizer o que eu acho que é melhor para o mundo, mas como eu posso agir para o mundo melhorar.”

Marcelo Abud:

Beauvoir e Sartre tiveram um relacionamento aberto até a morte dele, em 1980. Em “A Cerimônia do Adeus”, a pensadora traz discussões entre eles sobre a escrita, a vida e a noção de liberdade, revolucionárias para a época.

Izilda Johanson:

A relação da Simone de Beauvoir e do Sartre, nessa sociedade que a gente vive, fundamentalmente patriarcal, machista, misógina, continua sendo uma exceção, porque não se trata simplesmente de ser um casamento aberto, como hoje em dia a gente diz, é muito mais que isso. É uma parceria de vida enorme, de produção.

Por outro lado, se a gente pensar do ponto de vista prático, que eles eram juntos, mas ao mesmo tempo cada um tinha a sua vida, seus parceiros, seus amores, cada um tinha a sua casa e tal. Se a gente pensar desse ponto de vista, ainda continuo pensando que a relação deles é exceção, ainda que a gente viva isso hoje em dia, né?

Então a relação deles nos serve muito mais pra gente pensar criticamente a nossa própria sociedade. A maneira, as instituições que unem homens e mulheres, como é que essas uniões se dão? A que custo, sobretudo para as mulheres? Casamento, filhos, né? Até hoje a gente vê estudos na sociologia, ciências políticas, abundam textos que mostram quantas horas uma mulher gasta do seu tempo para cuidar da casa, na mesma casa que mora um homem. Então eu penso que se tem alguma importância que essa relação deles nos dá é pra gente ver com olhos mais críticos as relações que a gente tem e que vive, né?

Marcelo Abud:

Para Johanson, o fato de ter sido escrito no final da vida faz com que “A Cerimônia do Adeus” nos dê uma ideia concreta do que é a existência comprometida com um processo de libertação.

Izilda Johanson:

Não é uma liberdade dada, uma liberdade que se ganha, né, mas é um comprometimento na ação de libertação em relação a tudo o que nos aprisiona, tudo o que nos oprime enquanto mulheres, classes desprivilegiadas. Ela não entra especificamente nem na questão de classe, nem de raça, mas também tá ali esse tema, porque justamente não se trata de liberdade, mas se trata sempre de pensar meios de libertação. E aí “A Cerimônia do Adeus”, como trata desse momento final da vida do Sartre – ela ainda viveu seis anos para além do Sartre, né? –, então, que que é uma vida dedicada à libertação? É a que a gente lute contra coisas que nos oprimem amarras, né, que a sociedade nos impõe. Do ponto de vista da nossa própria existência no mundo, o que que são pessoas que do princípio até o último momento da vida, não só foram coerentes, mas elas foram fiéis ao seu projeto ético, projeto de vida, né, pessoas fiéis e comprometidas com a vida.

Marcelo Abud:

“A Cerimônia do Adeus” também traz reflexões sobre envelhecimento.

Izilda Johanson:

Quando a gente vê o engajamento dos dois. E os dois, até o último momento da vida, ainda estão lá, o Sartre já estava internado, ainda estava assinando apoio à manifestação tal, dando o nome dele para determinadas coisas, e a Beauvoir a mesma coisa, né? Eu entendo que o recado que eles nos dão é: “Olha, vale a pena lutar”. Aliás, se tem uma coisa que vale a pena, é uma vida de luta. Uma vida em que a gente não se omite diante dela. Uma vida em que as coisas acontecem e que a gente não fica assim: “Ah, não tem nada a ver comigo mesmo, né?”. No limite, a gente está implicado em tudo o que acontece. E eu fico imaginando duas pessoas como Sartre, a Simone Beauvoir, por exemplo, hoje em dia, seriam incapazes de ver acontecimentos dos eventos climáticos que acontecem, né, claramente devido às mudanças climáticas em todo o planeta, eu não, eu não vejo pessoas como eles se omitirem e falarem assim: “Ah, aqui onde eu moro, está tudo bem, não inunda, tá bom, não tem nada, não tenho nada a ver com isso, né?”. Não, eles certamente estariam ali, junto com quem entende do assunto, escrevendo coisa, publicando na “Tempos Modernos”, né, que os dois eram dirigentes lá, diretores da “Tempos Modernos”, publicando coisa, noticiando, dando informação, escrevendo ensaios, se posicionando.

Marcelo Abud:

Johanson vê, ainda no livro, uma oportunidade para que se dê sentido à morte.

Izilda Johanson:

“A Cerimônia do Adeus” é muito emocionante nesse sentido. Acho que a gente vê o que que é uma vida inteira assim, dedicada a essa luta por um mundo melhor, né? Essa luta por libertação e no fim da vida, tanto um quanto o outro morrem em paz. O momento da morte não é um momento de desespero, não é um momento de medo, não é um momento de violência, ao contrário, assim é aquela morte em paz, porque tudo que era possível a eles realizarem, eles realizaram, né? Não se omitiram diante de nada, eles não deixaram de fazer nada do que eles achavam que deviam fazer. De alguma maneira o recado que eles nos dão olha para a vida, vale a pena, você tem que se engajar nela. E se você se engaja na vida, de fato ela vale a pena, você morre em paz.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Simone de Beauvoir escreveu sobre ética, filosofia e o lugar das mulheres no mundo. Segundo Fernanda Montenegro, “ao ler no palco Simone de Beauvoir, nós nos conscientizamos da liberdade que essa mulher se impôs e propôs a todas as gerações que a sucederam”.

Marcelo Abud para o podcast de Cidadania do Instituto Claro.

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