As músicas de Rita Lee podem ser abordadas por professores de língua portuguesa e história na educação básica. Na primeira disciplina, as canções ajudam a trabalhar interpretação textual, figuras de linguagem e a discutir temas da contemporaneidade. Na segunda, permitem analisar a história do Brasil da segunda metade do século XX, como explica o músico, mestre no ensino de história e professor da rede estadual de Pernambuco Geison Barbosa.

“Suas canções são objetos de estudo para quem pesquisa a história mais recente do país por serem documentos que descrevem com poesia, humor, sarcasmo, metáforas e rock and roll um país que transita na sua história entre experiências democráticas, ditadura, redemocratização e polarização política e ideológica”, analisa o professor.

Confira abaixo duas indicações para serem trabalhadas, respectivamente, nas disciplinas de história e língua portuguesa com o 9º ano do ensino fundamental.

 “Jardins da Babilônia” (1978) – história

Barbosa utiliza a canção para discutir modernização, ditadura civil-militar e redemocratização no Brasil após 1946, além da revolução cultural da década de 1960.

“Essa canção foi divulgada no álbum Babilônia, de 1978. Ainda sobre as rédeas da ditadura militar e da severa censura, ela sinalizava a força da juventude em contestar o difícil momento social e político que o país passava”, contextualiza o professor.

“Em termos de conteúdo, ajuda a identificar e compreender o processo que resultou na ditadura civil-militar no Brasil e a reorganização da sociedade brasileira durante esse período”, completa.

Antes de apresentar as canções, o professor indica contextualizar a participação de Rita Lee no movimento da Tropicália e no grupo Mutantes. Sobre os trechos a serem destacados com a turma, ele recomenda:

1) “O primeiro trecho da canção é uma evocação à liberdade: ‘Suspenderam os jardins da Babilônia. E eu pra não ficar por baixo, resolvi botar as asas pra fora’”, descreve. “Em abril de 1978 ainda vigorava o AI-5, o ato que derrubou o Estado de Direito e suspendeu o sistema de Justiça no Brasil”, lembra.

2) “No trecho que se segue, quando a ditadura queria calar, Rita Lee dava o recado: ‘pra pedir silêncio, eu berro. Pra fazer barulho, eu mesma faço’”.

3) “Destaque para o recorte que aborda de forma metafórica a violência e tortura aos opositores do sistema: ‘Mas pegar fogo nunca foi atração de circo. Mas de qualquer maneira, pode ser um caloroso espetáculo, então. O palhaço ri dali, o povo chora daqui, e o show não para. E apesar dos pesares do mundo, vou segurar essa barra”.

4) “Na dimensão sensível percebemos uma trilha sonora dançante que dá uma sensação de coragem e liberdade. Contém uma ironia na letra e na melodia com uma analogia circense”, pontua o professor.

Barbosa sugere ainda relacionar a canção com o artigo “Rock em tempos de repressão e censura: a ditadura militar e os álbuns da banda Tutti Frutti”, de Alexandre Saggiorato e Edemilson Antônio Brambilla.

“O texto aborda a atitude contestatória e libertária (da artista), contrária ao que impunham os ideais da Ditadura Militar”, justifica ele, que é autor da dissertação “Eu nasci há dez mil anos atrás: o uso do rock como recurso didático nas aulas de História”, (2022).

“Pagu” (2000) – língua portuguesa e história

Doutoranda em linguística e professora da rede estadual de Sergipe, Roberta Brito Lima utiliza a escuta e interpretação da canção “Pagu” para debater empoderamento feminino e equidade de gênero. A canção é uma composição de Rita Lee e Zélia Duncan.

“Já no ensino médio, é uma ótima pedida para trabalhar em literatura brasileira o período do Pré-Modernismo, pois a Patrícia Galvão, Pagu, de fato existiu e foi importante para as questões de gênero no início do século XX”, explica a docente.

Para o 9º ano, Lima sugere trabalhar aspectos semânticos e análise do discurso com a letra da canção. “Destaque para as figuras de linguagem, como as metáforas, e para a análise das intertextualidades que existem na canção”, cita. Entre os principais trechos a serem discutidos com a classe, Lima sugere:

1) “Em ‘remexo na inquisição, só quem já morreu na fogueira sabe o que é ser carvão’, temos uma alusão ao fato histórico da Inquisição do Tribunal do Santo Ofício, que queimou mulheres durante a Idade Média sob a chancela da igreja católica romana”.

2) “Pode-se ainda refletir sobre os versos ‘sou rainha do meu tanque, sou Pagu indignada no palanque’, em que há a figura de linguagem ‘ironia’, com a ideia de que as mulheres são rainhas do lar e também a alusão à Pagu como mulher que se manifestava politicamente nos palanques e em público”, pontua.

3) “Caso seja possível uma aula interdisciplinar, seria interessante o docente de história abordar os fatos históricos da Santa Inquisição e os direitos políticos das mulheres, como o direito ao voto, tão tardio em relação aos homens”, completa.

Lima explica que as alunas costumam discutir o trecho “sou mais macho que muito homem”. “Elas relatam fazer atividades rejeitadas pelos homens, como faxinar a casa, ou quando eles fazem, logo se cansam. Essas reflexões são polêmicas e uma oportunidade de conscientizar sobre equidade de gênero nas tarefas do lar”, aponta.

Como atividade pedagógica a partir da análise da canção, a docente promove um debate tendo como tema os avanços e os percalços da figura feminina. “Organize com a turma grupos que possam se posicionar diante do que já avançou, mas também acerca do que ainda precisa melhorar para as mulheres”, finaliza.

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Crédito da imagem do destaque: Paulo Toledo Piza — G1.

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