Jornalista, escritora, desenhista e ativista política. É difícil classificar em uma única alcunha Patrícia Rehder Galvão (1910-1962), a Pagu, cujo falecimento completa 60 anos em 12 de dezembro. Tanto na política quanto nas artes, ela abriu espaço para outras mulheres em um período onde a participação feminina era limitada. Também é considerada a primeira mulher presa política do país, ao ser detida em 1930 em um comício em Santos, onde discursou em palanque.

“Pagu resistiu politicamente e tinha um olhar para a igualdade social, para a defesa da liberdade de expressão e política”, resume a pesquisadora com pós-doutorado em História pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Letícia Nunes de Moraes. Já no campo dos costumes, Pagu era considerada à frente do seu tempo por fumar e beber em público, usar cabelos curtos e por assumir um relacionamento com o escritor Oswald de Andrade, que se divorciou da pintora Tarsila do Amaral para se casar com ela. “Ela foi uma mulher livre e sofreu por isso”, lembra Moraes.

Instituto Claro: Como Pagu iniciou sua trajetória artística?

Letícia Nunes de Moraes: Ao se aproximar do grupo da antropofagia do escritor Oswald de Andrade e da pintora Tarsila do Amaral, que eram casados e reconhecidos pela Semana de Arte Moderna de 1922. Pagu tinha apenas 12 anos, então, não participou desse momento histórico. Ela os conheceu por intermédio do poeta Guilherme de Almeida, aos 18 anos, em 1928. Neste período, publicou três desenhos na Revista de Antropofagia. Em 1929, foi aplaudida no teatro municipal ao recitar poemas autorais e “Coco”, feito por Raul Bopp em sua homenagem e que lhe deu o apelido de Pagu.

E sua trajetória na militância política?

Nunes: Foi posterior à iniciação artística. A crise econômica de 1929 e o fim da “República do café com leite” abriram caminho para a ascensão do governo de viés autoritário de Getúlio Vargas. Houve uma pulverização política entre os modernistas, com o grupo verde-amarelo, ligado a Plínio Salgado, assumindo posturas autoritárias, de direita e ligadas ao fascismo. Outros se voltaram à esquerda e ao Partido Comunista que era novíssimo: foi fundado em 1922, sendo a Revolução Russa de 1917. Pagu mergulhou de cabeça nessa militância a partir de 1930. Em 1931, criou o jornal “O homem do povo” com Oswald Andrade, agora seu marido, e filiou-se ao Partido Comunista em oposição a Getúlio. Em 1950, candidatou-se a deputada estadual, mas não ganhou.

Qual foi a importância de Patrícia Galvão para a política do país?

Nunes: Ela ousou atuar de forma intensa em um campo da sociedade fechado às mulheres, quando praticamente não havia participação política feminina e as mulheres lutavam pelo direito ao voto. Ela resistiu politicamente e tinha um olhar para a igualdade social, pela defesa da liberdade de expressão e política.

Por que Pagu é considerada a primeira mulher presa política do país?

Nunes: Porque ela foi presa durante uma atuação política. No caso, um comício na praça da Concórdia, em Santos, em 1930, onde discursou. Era a sua primeira participação política e o evento foi reprimido com violência pela polícia. Seu companheiro de partido, o Herculano, foi alvejado pela polícia e ela o socorreu. Ao longo da vida, teve prisões curtas e uma de cinco anos entre 1935 e 1940, quando a perseguição aos comunistas era intensa. Nesta, sofreu diferentes tipos de tortura. Por resistir politicamente, ela foi e é uma inspiração para muitas mulheres.

Qual foi a sua importância para o feminismo no Brasil?

Nunes: Pagu tinha uma visão crítica do seu tempo. Criticou o feminismo que, na época, era excludente. É o período da luta sufragista (nome dados às primeiras feministas do século XIX) e ela o denunciava como elitista. Além disso, no romance “Parque Industrial” (1932), ela se preocupa não somente com questões de gênero e classe, mas de raça e sexualidade, com personagens negras e lésbicas. Há pluralidade e diversidade. Pagu foi uma mulher livre e sofreu por isso, incluindo prisão, tortura e taxação de prostituta.

Qual a sua importância para as artes?

Nunes: Ela acentuou a dimensão política do modernismo brasileiro e do movimento antropofágico. Na literatura, deixou os romances “Parque Industrial” (1933) e “A Famosa Revista”, que escreveu com Geraldo Ferraz, seu segundo marido (1945). Foi cartunista no jornal “O Homem do povo” (1931) e deixou desenhos e poemas ilustrados no “Álbum de Pagu” (1929), dedicados a Tarsila do Amaral. Foi poeta e cronistas de jornais diversos entre 1942 e 1962, quando faleceu, aos 52 anos. Escrevia sobre o cotidiano, literatura e teatro, sua paixão final. Nele, foi tradutora e diretora. Buscou no teatro um espaço para realizar o seu desejo de transformação social, anteriormente procurado na política.

Quais temas sociais abordava na literatura e artes plásticas?

Nunes: Falava sobre lugares e as possibilidades para as mulheres e demais excluídos sociais. Preocupava-se com a construção de uma sociedade igualitária em termos de classe, gênero, raça e sexualidade, questionando debates morais. Em “Parque Industrial”, aborda as trabalhadoras e operárias. Em “A famosa revista”, trata as contradições internas dos partidos políticos, como misoginia e exploração sexual. Nas peças de teatro que escolheu traduzir, dirigir e nas crônicas, questões similares se fazem presentes.

Quais os legados que Patrícia Galvão deixou para as gerações futuras?

Nunes: Além do feminismo, atuação política, críticas também à esquerda e ao feminismo, destaco a ideia da “escrita da aventura”. O “escritor de aventura” aparece em um texto dela de 1957. É aquele que não está preocupado com os críticos, mas em abrir caminhos e descobrir novas linguagens, mesmo que um eventual reconhecimento chegue séculos depois. Deixou um espírito vanguardista e de estímulo à criatividade e ao novo.

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