Ações de solidariedade e de visibilidade melhoraram a inclusão de pessoas LGBTI+ moradoras de favelas e periferias em seus territórios. A transformação é sentida no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro (RJ), segundo uma das idealizadoras do coletivo Conexão G Gilmara Cunha. A organização está em atividade desde 2006. “Na década de 1980, viam-se apenas travestis nas ruas à noite. Em 2021, elas estão debaixo do sol, prestando serviços à comunidade da Maré e entregando cestas básicas na casa de pessoas heterossexuais desempregadas pela pandemia. Isso é um divisor de águas e faz com que os LGBTI+ sejam vistos de outros ângulos”, relata.
Fundador do Família Stronger, em São Paulo, Elvis Justino também vê melhorias nas vivências de LGBTI+ periféricos em suas comunidades. Ele, que é coordenador da Parada do Orgulho do bairro de Cidade Tiradentes, atribui isso a ações de visibilidade. “O acesso à parada oficial de São Paulo, na Avenida Paulista, é difícil para o jovem da periferia. Tanto pelo valor do transporte público quanto pela falta de ônibus que atendam essas regiões”, explica.“Eu precisava ver a juventude da periferia sentindo a magia da parada de orgulho, que é a possibilidade de viver sua orientação sexual e identidade de gênero, pelo menos uma vez ao ano, em segurança”, afirma.
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A primeira edição da parada da Cidade Tiradentes foi realizada de forma colaborativa em 2016 e foi interrompida durante a pandemia. “A iniciativa reúne cinco mil pessoas. Isso mexe com o território, liberta as pessoas e empodera jovens LGBTI+ na periferia. Os moradores entendem que há diversidade naquele espaço, algo que não é uma coisa de rico da área nobre da cidade”, pontua. “Ainda vemos mais travestis andando de dia, frequentando o comércio do bairro, e menos jovens expulsos de suas casas”, ressalta Justino.
Silenciamentos
Apesar das melhorias, o silenciamento ainda marca a vivência dessa população em territórios da periferia. Segundo os coletivos, isso acontece porque a pauta da segurança pública se sobressai às outras. “A polícia, quando entra na favela, vê todo mundo igual, como marginal. Chega atirando porque é uma política contra pobres e negros justificada pela segurança, independente dessas pessoas serem LGBTI+ ou não. Não reconhecem favelados como pessoas com direitos”, afirma Cunha. “Políticas públicas também não chegam aqui. Uma lei contra homofobia e transfobia que já funciona precariamente fora da favela, não garante segurança aqui dentro”, ressalta.
André Ferreira, coordenador pedagógico do Coletivo Favela Vertical — que promove ações educativas, sociais e culturais no Gardênia Azul, no Rio de Janeiro — relata os entraves em sua comunidade: “O Gardênia é controlado por milicianos e existe certo silêncio. Você pode ir com seus amigos na pracinha, mas não tem liberdade para demonstrar afeto. Há permissão com limites. Lembrando que ambientes hostis não são exclusivos da favela”. O coletivo promover festivais — hoje virtuais — para debater as experiências LGBTI+ dentro do Gardênia. “Queremos acolhimento e mudança”, enfatiza.
Fundamentalismo religioso
Além da milícia e da ação do estado, o avanço do fundamentalismo religioso também é visto com preocupação pelos coletivos LGBTI+. “Na primeira parada de Cidade Tiradentes, igrejas neopentecostais pediram proibição na subprefeitura. Cinco anos depois, acostumaram-se. Porém, ainda estimulam famílias a rejeitarem seus filhos”, lamenta Justino.
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“A questão do fundamentalismo é que além de reforçar a lógica da discriminação, há uma legitimação em nome de Deus. Na favela do Gardênia Azul, temos mais igrejas do que escolas, espaços de lazer e culturais”, pontua o fundador do Favela Vertical, Rafael Oliveira. Justino ainda vê preconceito por parte de LGBTI+ “do asfalto” contra aqueles que moram em áreas periféricas. “Eles nos olham de forma arrogante porque falamos errado e temos outra estética. Discriminações de classe e de raça falam mais alto”, lamenta.
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