A professora aposentada, Dora Cudignola, 67 anos, gosta de frequentar centros de convivências para a terceira idade. Lá, contudo, esconde um aspecto importante da sua história: é lésbica, foi casada e sofreu o luto da morte da companheira.

“Não sei se posso me abrir e se sofrerei preconceito. Mas deveria ser mais corajosa e falar. Se me aceitassem, seríamos bons amigos. Se rejeitassem, simplesmente não era para ser”, pondera ela, que possui uma filha de 46 anos.

Newton Giglio tem 70 anos e mora sozinho em São Paulo (SP). Como muitos homens gays da sua geração, perdeu amigos vítimas da AIDS e vivenciou a repressão da ditadura militar. Hoje, socializa-se por meio da religião.

Giglio e Cudignola são exemplos do que é ser LGBTI+ na terceira idade, população que tende a sofrer com isolamento social e solidão. Situação motivada por nem sempre terem descendentes, apoio da família ou possibilidade de criar vínculos de confiança.

Militante pelo direito das mulheres na década de 80, Dora Cudignola ainda se sente insegura em revelar sua orientação sexual em determinados espaços (crédito: arquivo pessoal)

“Gays da minha geração precisaram cortar laços com a família. Hoje, sua rede de proteção são os amigos, também idosos”, diz o fundador do canal no YouTube “To Passado”, Luís Baron (60 anos).

“Na velhice, muitos são obrigados a ‘voltarem ao armário’ nos asilos e clínicas. Não podem receber visitas, mostrar a foto do companheiro, compartilhar sua história ou, no caso das travestis, a se vestirem de acordo com a sua identidade de gênero”, denuncia o fundador da ONG “EternamenteSOU”, Rogério Pedro.

A instituição é o primeiro centro de referência para o idoso LGBTI+ do país, funcionando em São Paulo (SP) há 3 anos por meio da parceria com espaços diversos. “Nossa sede própria seria inaugurada em março de 2020, mas foi necessário postergar devido ao coronavírus”, explica.

Solidão que mata

Segundo Pedro, ser idoso heterossexual e cisgênero já não garantia um envelhecimento sadio e com direitos respeitados. “O problema é que a pessoa mais velha LGBTI+ junta duas vulnerabilidades”, descreve.

Um exemplo disso são as taxas de depressão e suicídio na terceira idade que, geralmente, costumam ser mais altas do que outras faixas etárias, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).

“Adicionalmente, o LGBTI+ enfrenta o chamado estresse de minoria, que é o medo e a angústia antecipada de sofrer preconceito. Isso aumenta a depressão e as tendências suicidas”, justifica o geriatra e coordenador de projetos da “EternamenteSOU”, Milton Crenitte.

O mesmo acontece com a violência. O serviço brasileiro de denúncias de violações dos direitos humanos, Disk 100, registrou um aumento de 13% nas violências contra idosos entre 2017 e 2018. Por sua vez, o Brasil conta com uma morte por homofobia a cada 23 horas (relatório GGB, 2019).

Dentro da sigla LGBTI+, a pessoa transgênera está em pior situação. “Sua média de vida é de 35 anos, por serem assassinadas. Diferente da média do brasileiro, de 75,5 anos (IBGE)”, compara o médico.

Excluídas do mercado formal de trabalho e obrigadas a se prostituírem, as poucas que chegam à velhice se encontram sem aposentadoria ou apoio familiar. “Não têm condições de manterem necessidades básicas”, lamenta Crenitte.

Por fim, há o próprio apagamento da sexualidade do idoso, pior no caso LGBTI+.

“Já é desafiador para a gerontologia entender que existe sexualidade na terceira idade. Imagina uma sexualidade não-heterossexual e cisgênera?”, afirma Crenitte.

O resultado é o despreparo dos médicos em atenderem tal população.

“Por medo do preconceito, o idoso LGBTI+ vai menos ao médico e, com isso, tem menor chance de prevenir doenças”, adverte o geriatra.

Integração entre gerações

Ageísmo é o nome dado ao preconceito de idade, que é comum no interior da comunidade LGBTI+. “Há o culto à beleza, à juventude e o menosprezo por quem perde essas características. Isso, inclusive, dificulta ao idoso se aceitar como tal”, afirma Pedro.

Giglio já sofreu preconceito. “Estava na fila para o banheiro de um bar gay quando um jovem fez chacota, dizendo ‘aqui não é a fila do INSS’”, relembra.

Para conscientização, a ONG desenvolveu um projeto que conecta as gerações. “O objetivo é que o jovem seja uma companhia para esse idoso, acompanhando-o ao médico, em programas culturais ou ligando para saber como ele está”, explica Pedro.

Rogério Pedro (à esquerda e com um microfone na mão) e voluntários apresentando a EternamenteSOU em evento no Rio (crédito: divulgação)

“O jovem ganha ao ter um exemplo de envelhecimento e poderá valorizar a experiência desses senhores, que abriram portas para ele viver sua sexualidade mais abertamente nos dias de hoje”, reforça.

“Outro projeto é atender o público ainda na faixa dos 50 anos – dez antes de chegarem à terceira idade. Assim, estarão mais confiantes e se aceitando ao se verem idosos”, defende ele.

A “EternamenteSOU” atende, aproximadamente, 60 idosos, e desenvolve oficinas, atividade culturais, físicas e atendimento psicológico e de assistência social. “Aqui, somos respeitados e há troca de experiências”, opina Giglio, que frequenta as iniciativas do projeto. “Não me sinto idosa, mas gente”, garante Cudignola.

Para apoiar um idoso LGBTI+, Pedro lista algumas dicas. “Primeiramente, não o obrigue a se assumir. Muitos encontraram na invisibilidade uma forma de sobreviverem às décadas passadas. Depois, acolha-o. Ao sentir confiança, ele se abrirá”, orienta. Outro ponto é valorizar a experiência dos idosos. “Eles não são crianças. Tiveram uma história que precisa ser respeitada.”

Já sobre a necessidade de internação desse público em uma clínica, por exemplo, Baron perguntou a diversas instituições que estavam presentes em uma feira para a terceira idade sobre a atuação delas com idosos LGBTI+. “Todas responderam: ‘não trabalhamos com isso’”, afirma ele. Em casos assim, a recomendação da ONG é conversar com tais estabelecimentos antes de uma possível contratação. “Veja se estão abertos a se educarem sobre o tema”, sugere Pedro.

Atualizada em 13/5/2020 às 10h22.

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