Intolerância religiosa é a falta de respeito e de aceitação das crenças e práticas de fé de outras pessoas, resultando em discriminação, perseguição ou mesmo violência. “Há uma incapacidade de se respeitar a diferença e o direito do outro a ela. Baseia-se em um sentimento de superioridade autocentrada e de que existe apenas uma verdade: a da minha própria fé”, resume uma das fundadoras do projeto Des.orientese Aycha Sleiman.

O cinema, entretanto, pode ajudar a discutir e conscientizar sobre intolerância religiosa, como aponta o doutorando em educação e pesquisador de relações étnico-raciais João Augusto dos Reis Neto. “Ele auxilia a entrar em contato com culturas e modos de pensar retratados nos filmes, que são diferentes do nosso, aproximando esse outro que muitas vezes é desconhecido. Isso humaniza, cria cidadãos responsáveis e constrói uma cultura de respeito mútuo”, defende o docente. “O cinema traz representações de diversos grupos e narrativas que humanizam comunidades desprezadas no imaginário social, aproximando realidades distantes”, adiciona Sleiman.

Racismo religioso

Dados do Disque 100 de direitos humanos apontam que o Brasil registrou 2.124 denúncias de intolerância religiosa em 2023, um aumento de 80% em relação ao ano anterior.

Segundo o documento, as religiões de matriz africana, como candomblé e umbanda, seguem como as mais afetadas. “Os ataques vão desde ofensas orais até depredação de locais de culto”, explica Neto.

Para o pesquisador, a formação social escravocrata e racista da sociedade brasileira contribui para o problema. “Há o que chamamos de racismo religioso, ou seja, a prática de intolerância é direcionada àquelas religiões que são consideradas ‘de negros’ e, portanto, inferiores pela lógica do racismo”, analisa o professor.

Neto também enfatiza que a comunidade islâmica também tem experimentado episódios de violência no país. “O Islã é uma religião minoritária dentro do Brasil, praticada tanto por descendentes de imigrantes oriundos de países majoritariamente islâmicos como por convertidos”, descreve Sleiman.

“Por conta das representações racistas e discriminatórias da religião e de seus adeptos nos principais meios de comunicação e cultura, é muito comum que muçulmanas e muçulmanos sejam alvo de insultos, de discriminação em processos seletivos ou que tenham seus estabelecimentos comerciais boicotados. As mulheres muçulmanas que fazem uso do véu (hijab) costumam ser os principais alvos por conta da fácil identificação de sua pertença religiosa”, completa Sleiman.

Espaço de exibição

Neto afirma que filmes sobre intolerância religiosa podem ser utilizados em qualquer espaço de convivo social. “Isso inclui museus, cinematecas, festivais, encontros de pesquisa, reuniões de amigos, terreiros, igrejas, cineclubes etc. Contudo, eu destacaria a escola como um lugar privilegiado para esse exercício”, completa Neto.

Sleiman indica a necessidade de expor crianças e jovens às realidades religiosas distintas da sua. “Isso ajuda a formar uma consciência crítica e plural”, pontua

Desde 2015, o Brasil conta também com o Festival Cine Terreiro, que usa a exibição de filmes para fortalecer a memória e identidade de religiões de matriz afro-brasileira e indígena. “Assistir e discutir filmes sobre essas formas de religiosidade pode fazer frente à discriminação aos adeptos dessas religiões e às práticas que sofrem”, aponta o fundador Rodrigo Sena.

Confira abaixo três filmes indicados para conscientizar sobre intolerância religiosa em diferentes espaços sociais.

1) Do meu lado (2014)

Curta-metragem de Tarcísio Lara Puiati, ganhador do Festival Cine Terreiro, trata a intolerância religiosa ao abordar, de forma poética, o cotidiano de duas vizinhas que dividem a mesma parede: uma evangélica e uma umbandista.

“A trama se desenrola a partir das práticas religiosas de cada uma que pouco se contatam. Em um dado momento, por meio de um buraco na parede que divide as duas casas, elas passam a se ver, e a partir daí conhecer o mundo uma da outra”, relata Neto. “A mensagem é que acender uma vela para si também ajuda a iluminar o outro. O que já é um belo convite à convivência harmoniosa e respeitosa com as diferenças”, completa.
“Apesar de uma certa tensão inicial, quando há uma situação de necessidade, uma ajuda a outra, mostrando que o sentimento de humanidade sempre vence”, opina Sena.

O filme pode ser assistido gratuitamente online.

2) Àkará, no fogo da intolerância (2020)

Longa-metragem documental dirigido por Claúdia Chávez, trata da questão da intolerância e do racismo religioso sofrido pelas religiões de matriz africana a partir do àkará, conhecido como o acarajé de Iansã. O documentário lembra da tentativa de rebatizar o acarajé como “bolinho de Jesus”, vendido com esse nome por comunidades evangélicas.

“Em torno desse alimento sagrado vai se desenrolando a discussão sobre a perseguição religiosa sofrida pelas tradições de matriz africana, inclusive com a subversão dos aspectos sagrados desse alimento e da apropriação indevida da culinária do povo de santo”, explica Neto.

3) O casamento de May (2013)

A protagonista precisa enfrentar a resistência de sua família cristã a seu casamento com um homem muçulmano.  “Além da questão de intolerância religiosa, é possível conhecer um pouco mais sobre os conflitos entre modernidade e tradição e as estruturas sectárias dentro do Oriente Médio”, recomenda Sleiman.

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Crédito da imagem: golero – Getty Images

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