Leonardo Valle
Xingamentos, agressões e destruição de templos. De 2015 a junho de 2017, o Disque Direitos Humanos (Disque 100) computou 1.500 denúncias de intolerância religiosa no Brasil, sendo as crenças de matrizes africanas as mais atingidas. A quantidade de casos, contudo, pode ser maior do que a registrada.
“Primeiramente, porque o conceito de intolerância religiosa possui apenas duas décadas, apesar de casos ocorrerem desde o Brasil Colônia. Além disso, foi a partir de 2007, que a Lei nº 7.716/89, de combate ao racismo, passou a ser aplicada para essas situações. Isso garantiu a tipificação do crime, a criação de delegacias especiais e o registro crescente de dados”, justifica o doutorando em sociologia e pesquisador do tema no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Milton Bortoleto.
Outra hipótese é que as ocorrências sejam subnotificadas. “Geralmente, os casos acontecem nas periferias, com vítimas humildes e que não sabem como denunciar. Para completar, o agressor está próximo: é um vizinho ou grupo religioso que se instalou no bairro”, descreve.
Racismo no centro
Segundo Bortoleto, as causas sociais da intolerância religiosa são complexas. Em uma primeira camada, há o preconceito daqueles que seguem o cristianismo – que representa 96% da população brasileira – contra os não cristãos. “Tende-se a ver essas pessoas, que são minoria, como pouco confiáveis. A presença e a voz destes outros cultos no espaço público passam a incomodar uma parcela pequena e ultraconservadora de cristãos, que acham que eles não possuem tal direito”, explica.
Contudo, outras religiões não cristãs, como o budismo e o islamismo, não são atacadas na mesma proporção que as religiões de matrizes africanas no Brasil. “Assim, vemos que o racismo também está no centro do problema. Para a classe média brasileira que mira a Europa como modelo de nação e deseja ser branca, tudo o que lembra a África é rejeitado”, aponta.
Por fim, a intolerância religiosa se traduziria, ainda, como uma tentativa de apagar a importância do continente africano e da negritude na identidade nacional. “As religiões afro-brasileiras deixaram um legado cultural e ajudaram a construir o que somos. Isso está na música, na dança, na gastronomia, entre outras manifestações”, aponta.
União e conscientização
Para ajudar a combater o problema, desde 2017, o Brasil instituiu o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data é 21 de janeiro e relembra o falecimento da Iyalorixá Mãe Gilda, do terreiro Axé Abassá de Ogum (BA), vítima de intolerância por ser praticante de religião de matriz africana.
“A saída é instrumentalizar as pessoas a denunciarem, a militância a agir, conscientizar a sociedade civil e permitir que os praticantes de cultos de matriz africana se expressem publicamente”, lista Bortoleto.
Aproximar as pessoas daqueles cultos diferentes dos seus e desconstruir os estereótipos relacionados às religiões também são alternativas. Para isso, a Universidade Católica de Petrópolis (UCP) criou a pós-graduação “Estudos sobre Pluralismo e Intolerância Religiosa”. O curso entra em atividade em março de 2018 e conta com um corpo docente de religiões diversas.
“O combate à discriminação e a superação de preconceitos passa pela conscientização do direito de liberdade de culto e pelo conhecimento das religiões. Estes são os objetivos do curso”, defende o coordenador do programa, Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira. A grade curricular conta com disciplinas como história das religiões, filosofia da religião e sociologia.
Já o Centro de Cultura e Estudos Étnicos Anajô, de Maceió (AL) passou a discutir o assunto no projeto “Tambor Falante – Ciclo de Debates”, que reúne segmentos afros e educadores em encontros na periferia da cidade. Segundo o secretário de formação e pesquisa da entidade, Hélcias Roberto Paulino Pereira, novos debates sobre o assunto serão programados em 2018.
“Para falar sobre intolerância religiosa, trazemos um pastor e um babalorixá. O objetivo é conscientizar as juventudes sobre o tema e também as casas de matriz africana sobre como fazer valer seus direitos”, lembra Pereira.