A homossexualidade é crime em 64 países e punida com morte em sete deles, o que leva pessoas LGBTQIAP+ a buscarem refúgio.

“Há desde perseguições por parte do estado, por meio da polícia e de legislações específicas, quanto da sociedade e da própria família. A pessoa pode perder o emprego, ser discriminada, sofrer todos os tipos de abusos, agressão física, tortura e também morte”, contextualiza o doutorando em antropologia social e pesquisador do tema Vitor Lopes Andrade.

O Brasil é um dos 33 membros da Organização das Nações Unidas (ONU) que aceitam receber pessoas perseguidas em virtude da sua orientação sexual ou identidade de gênero.

“Basicamente,  o processo acontece quando a pessoa já está no Brasil e solicita o refúgio à Polícia Federal (PF). Ela preenche um protocolo e recebe um documento que diz que essa pessoa está legal no país”, descreve Andrade.

 O processo caminha para o Comitê Nacional para Refugiados (Conare), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, que analisa a situação, entrevista o solicitante e pode aprovar ou negar a solicitação de refúgio. Caso seja indeferido, há direito à apelação.

O processo, porém, tem dificuldades. “Muitos refugiados LGBTQIAP+ que chegam não sabem que o Brasil reconhece o refúgio nessa situação e tem medo de falar com a polícia, já que essa instituição os persegue em seus países. Expor a intimidade pode ser difícil, além dos problemas com o idioma e a demora do processo, que pode durar três anos”.

Procedimento simplificado

Segundo Andrade, o primeiro caso de refúgio de pessoa LGBTQIAP+ para o Brasil foram de dois colombianos, em 2002. Porém, os únicos dados oficiais nessas condições foram divulgados pelo Ministério da Justiça e pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) em 2018. Eles apontaram  369 solicitações entre 2010 e 2016, sendo a maioria de nações do continente africano, como Nigéria, Camarões, Gana, Costa do Marfim e Senegal.

Até então, havia críticas quanto à morosidade do processo e dificuldade em se comprovar a orientação sexual do solicitante. Em 2019, a tese de doutorado em psicologia de Mário Luis Villarruel da Silva (USP) identificou que os entrevistadores no Conare tinham uma visão estereotipada sobre a homossexualidade.

Andrade, porém, aponta mudanças positivas nos últimos anos. “Houve treinamento de agentes e o Brasil passou a aceitar a autodeclaração, algo pioneiro quando comparado a outros países do mundo”, analisa.

Em maio de 2023, o Ministério da Justiça e Segurança Pública aprovou a adoção de procedimento simplificado para análise de pedidos de refúgio de pessoas LGBTQIA+, o que foi parabenizado pela ONU.

“O mais lógico é pensar que se a pessoa vem de um país que criminaliza relações sexuais consentidas entre pessoas do mesmo sexo, ou seja, quando já há uma perseguição do estado, não há necessidade de se comprovar o fundado temor de perseguição“, revela Andrade.

“Bem-vindo ao Brasil”

O turismólogo iraniano Navid Manafi, 33 anos, está em refúgio no Brasil por ser homossexual. Apesar de ter nascido em uma família ligeiramente liberal, ele sofreu inúmeras violências em seu país de origem.

“No Irã, somos vistos como doentes e não há sequer uma palavra para dizer que uma pessoa é gay, apenas palavrões”, explica. “As pessoas percebiam que eu era diferente de outros rapazes, seja pelo meu jeito ou por minhas roupas. Sempre gostei de usar roxo, estampas florais, que são tidas como femininas”, conta.

Por causa disso, Manafi sofreu violência da polícia e também um abuso sexual na universidade em que estudava mestrado em hotelaria.

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                           O turismólogo iraniano Navid Manafi (crédito: acervo pessoal)

“Você não pode denunciar, porque quem é gay é você, não o abusador, que é tido como heterossexual”, lamenta.

Se assumir homossexual fez Manafi ser liberado de prestar o serviço militar obrigatório em seu país. Em contrapartida, a dispensa o impediu de exercer cargos no governo ou trabalhar com o público, como em hotéis.

Ele fugiu do Irã via Equador, país que não solicita visto a iranianos. De lá, atravessou o Peru, onde sofreu um acidente de carro, antes de chegar na polícia federal do Acre.

“Eu estava chorando e a polícia foi acolhedora. Disseram que não precisava ter medo, que aqui era o Brasil, que estava tudo bem. Disseram ‘bem-vindo ao Brasil”, lembra.

Hoje Manafi mora em São Paulo com uma irmã, que também buscou refúgio. “Eu me considero brasileiro e sempre digo aos meus amigos gays daqui: apesar dos problemas, no Brasil temos liberdade”, analisa.

“Fui acolhido”

O desenvolvedor web Matheus Jade Esseyah, 25 anos, é um homem trans que nasceu na Tunísia, país que criminaliza a transgeneridade com até três anos de prisão. Ele buscou refúgio em 2021 no Brasil e hoje tem o visto de residência permanente.

“Eu poderia ir para a França, país que colonizou a Tunísia, mas havia muitos relatos de xenofobia e racismo por parte do povo francês, além de ser um país com muitos árabes também”, relembra.

“O Brasil me pareceu um país tranquilo e que garantia direitos à população trans, como o nome social e a disponibilização de hormônios pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”, afirma.

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                      O desenvolvedor web Matheus Jade Esseyah (crédito: acervo pessoal)

“Como não é necessário visto, eu peguei um avião para o Brasil primeiro para olhar como seria viver aqui. Eu gostei das pessoas e da comunidade LGBTQIAP+”, completa.

Esseyah diz que se sentiu acolhido durante o processo de refúgio. Hoje, ele trabalha como voluntário traduzindo textos em árabes para refugiados LGBTQIAP+ que chegam de países árabes. “É uma forma de contribuir com a minha experiência”, finaliza.

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Atualizada em 24/10/2023, às 15h15.

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