Transmasculino é uma pessoa que nasceu com vagina e foi designada mulher. Porém, reconheceu-se com uma imagem pessoal que possui características lidas pelos outros como sendo ‘masculinas’.

Psicólogo transmasculino e ativista Dom Erick Amuruz, 33 anos, explica que definir a transmasculinidade é desafiador porque as vivências são diferentes para cada pessoa e refletem no modo como elas explicam a sua identidade.

“Existem pessoas que tiveram vivências distintas e tentaram nomear o que sentem e são. Assim, ser transmasculino não se resume ao meu relato e vivência: há diversidade dentro da diversidade”, resume.

Psicólogo transmasculino e ativista Dom Erick Amuruz (crédito: acervo pessoal)

Porém, alguns pontos ajudam a melhor compreender o termo.

“Primeiro, é que o transmasculino é uma pessoa transgênero, já que não se identificava, ou não se identificava totalmente, com o gênero feminino que lhe foi atribuído”, explica a pessoa transmasculina não binária que trabalha com produção audiovisual Lari Montevéqui, 25 anos.

Um segundo aspecto é que a transmasculinidade pode estar ligada à chamada expressão de gênero, que é a forma como alguém, independentemente do sexo biológico, manifesta seu gênero por meio de comportamento, roupas, linguagem e outras formas externas.

Uma terceira característica é que a transmasculinidade é um guarda-chuva que abriga diversas identidades de pessoas transgêneros que estão próximas do campo masculino.

“Assim, abriga homens trans; não-binários que possuem características masculinas, como gênero fluido;  boyceta, termo da periferia de São Paulo para homens que afirmam politicamente possuir vagina para, assim, reivindicar direitos como acesso ao ginecologista; entre outros”,  esclarece o psicólogo.

‘Ser homem’

Mas porque nem toda pessoa trans que está mais próxima da masculinidade é simplesmente “um homem trans”?

“Primeiramente, homem é um termo que traz na sua estrutura machismo, misoginia e LGBTfobia. Apresenta estereótipos e expectativas que são impostas e atingem quem é trans em seu processo de identificação, como: para ‘ser homem’ precisa falar mais grosso’, ter barba’, rejeitar traços femininos, não aceitar sua vagina, ser violento etc.”, assinala Amuruz.

“Parece que necessitamos seguir esse padrão para ter nossa identidade validada, quando é possível construir masculinidades, no plural, que não essa da norma”, completa.

Dentro desse contexto, dependendo da vivência de cada pessoa, alguns transmasculinos podem querer se dizer homens trans; outros, apenas transmasculinos. Em todo os casos, desejar parecer ou ser um homem cisgênero não é regra, como alerta Amuruz.

“Não quero ser vinculado à palavra homem, não a esse homem que é esperado”, diz Amuruz.

“Eu preciso carregar na minha identidade o ‘trans’ junto a ‘homem’”, acrescenta o jovem aprendiz Sam Nichollas, 18 anos.

Vivências múltiplas

Amuruz conta que transicionou aos 30 anos, quando se identificava como lésbica. “Até que um dia, em um banco, fui tratado no masculino, me senti reconhecido e iniciei terapia para entender. No início, me identifiquei como não binário porque é um processo em que você inevitavelmente questiona o que é ‘ser homem’ e ‘ser mulher’. Precisei me afastar da norma para entender quem era: alguém alinhado ao masculino, não a ser homem e à masculinidade”, diferencia.

A história de Nichollas é semelhante. “No início, não sabia se era gênero fluido porque não sentia desconforto com meu corpo ou com ter vagina, sempre me amei”, compartilha.

Confira a seguir oito dúvidas sobre o que é ser transmasculino respondidas por quem se identifica com uma imagem pessoal masculina.

1) O que é transmasculino?

“Transmasculino é uma pessoa trans (que foi designada mulher, mas não se reconhecia como tal) e que expressa seu gênero por características lidas socialmente como ‘masculinas’”, sintetiza Montevéqui. “É um guarda-chuva que abriga diferentes identidades trans, como homem trans, gênero fluido, boyceta etc.”, completa Amuruz.

Pessoa transmasculina não binária que trabalha com produção audiovisual Lari Montevéqui (crédito: acervo pessoal)

2) Transmasculinidade é, por si só, uma identidade de gênero?

Não é consenso. Enquanto Amuruz enxerga a transmasculinidade como uma identidade, Montevéqui acredita que, apesar de ela fazer parte de diferentes identidades masculinas, não é propriamente uma, relacionando-se também com a chamada expressão de gênero (ou seja, a forma como as pessoas manifestam seu gênero externamente por vestimentas, linguagem, comportamento). Todos, porém, veem o termo como um guarda-chuva que abriga identidades como homem trans, gênero fluido, boyceta etc.

3) Por que alguns transmasculinos não querem dizer que são homens?

Amuruz explica que o termo ‘homem’ pode vir carregado de estruturas e estereótipos machistas, misóginos e violentos. Além disso, nem todo transmasculino tem o homem cisgênero como referência. “É possível construir masculinidades, no plural, que não essa da norma, sem negar o corpo com vagina, sem querer retirar seios ou outros elementos tidos como ‘femininos’”, analisa.

4) Um transmasculino pode ser não binário?

Sim, caso de Montevéqui, que é gênero fluido (identidade dentro do guarda-chuva não binário em que a pessoa transita entre gêneros). “Pessoas gênero fluido podem apresentar características lidas como masculinas, femininas, andrógenas, a depender de cada um. Às vezes, os outros  me leem como homem, outros não identificam um gênero em mim, me enxergando apenas como uma pessoa. Gosto quando isso acontece’”, assinala Montevéqui.

5) Toda pessoa transmasculina deseja parecer com um homem cisgênero?

Depende de cada história e vivência. “Há transmasculinos que podem querer fazer tratamento com testosterona, retirar seios, e outros não”, resume Amuruz.

6) Qual a orientação sexual da pessoa transmasculina?

Orientação sexual se refere a por quem uma pessoa se atrai, enquanto identidade de gênero é como alguém se percebe internamente. Assim, um transmasculino pode ter qualquer orientação sexual. “Tenho amigos transmasculinos que são bissexuais, homossexuais, pansexuais, assexuais etc.”, ilustra Amuruz.

7) Como devo me dirigir a uma pessoa transmasculina em termos de pronomes?

Sempre perguntar e não tentar adivinhar, como orienta Montevéqui. “Você pode ler socialmente uma pessoa como mulher, mas ela se identificar com o gênero masculino ou dentro da não-binaridade. Somente ela pode falar sobre si”, explica. “Assim como se pergunta o nome de alguma pessoa quando a conhece, pergunte os pronomes”, adiciona.

8) Como fica a questão do uso do banheiro pela pessoa transmasculina?

A pessoa transmasculina usa o banheiro de acordo com o que a deixe confortável e segura. Amaruz, porém, lembra que o banheiro masculino pode apresentar desafios em termos de segurança, limpeza e estrutura para quem tem vagina, como não contar com vaso sanitário, por exemplo.

“Dentro da minha vivência, o banheiro masculino é o mais insalubre. Como estratégia, higienizo o vaso antes de usar e opto por banheiros de pessoas com deficiência em lugares perigosos”, descreve.

Amuruz ainda destaca o medo de humilhação e exposição. “Para evitar ir ao banheiro em espaços públicos, eu desenvolvi o hábito de segurar o xixi e, inconscientemente, reproduzo isso mesmo quando estou na minha casa”, lamenta.

Montevéqui também comenta a questão da escolha do banheiro. “Sou transmasculino, e quem bate o olho em mim vê um homem. Ainda assim, continuo usando o banheiro feminino porque é onde me sinto confortável e vejo como um ato político, por não ser uma ameaça para a sociedade”, diz.

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Crédito da imagem: Acervo pessoal – Dom Erick Amuruz e Lari Montevéqui

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