“Racismo reverso” é um termo usado para sugerir que pessoas brancas podem sofrer racismo. Em fevereiro de 2025, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou essa tese ao analisar a denúncia do Ministério Público de Alagoas sobre o caso de um homem negro que teria cometido injúria racial contra um italiano branco.

A corte julgou que “a injúria racial não se configura em ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por esta condição”, uma vez que “o racismo é um fenômeno estrutural que historicamente afeta grupos minoritários, não se aplicando a grupos majoritários em posições de poder”.​​​​​​​​​

Presidente da Associação Nacional de Advocacia Negra (Anan), o advogado Estevão Silva explica que o racismo é tido como estrutural porque não se limita a atitudes individuais, estando enraizado em instituições, políticas e práticas sociais que perpetuam desigualdades contra pessoas negras.

“Raça é um conceito social, não biológico. E, no caso da raça negra, 388 anos de escravidão no Brasil criaram estigmas e inferiorização. Tudo o que é negro é ruim, e o inverso, com o branco, não existe. A discriminação é reflexo desse processo histórico de séculos, enquanto as pessoas que defendem o racismo reverso partem apenas do momento e do hoje”, analisa.

Marcadores sociais

Advogada fundadora do Instituto Caminho – Raça e Acesso à Justiça, Eduarda Garcia lembra que alguns marcadores sociais de violência e de oportunidades ajudam a entender o racismo estrutural. Entre eles, a presença de menos pessoas negras no ensino superior e em cursos de prestígio, bem como de mais pessoas negras em empregos informais, entre os encarcerados e as vítimas de violência policial.

“A proteção de grupos minoritários se dá pelo histórico de opressão que esses grupos sofreram ao longo do tempo. Como a população branca não é uma minoria racial, entende-se a impossibilidade do racismo reverso”.

Além disso, Garcia explica que há questões legais que impedem a tese de racismo reverso. A Lei 14.532/2023 equiparou a injúria racial ao crime de racismo, tornando- a igualmente inafiançável e imprescritível.

Antes disso, eram consideradas racismo práticas que atingiam a coletividade negra, enquanto entendia-se que injúria racial ofendia uma única pessoa, recebendo punição branda e com possibilidade de prescrição.

“A equiparação fez com que a injuria racial migrasse do Código Penal para a lei específica de proteção de grupos minoritários, a lei Caó ou Lei do Racismo (nº 7.716/1989). A decisão do STJ reforça a impossibilidade de uma pessoa negra cometer  injúria racial contra uma pessoa branca, já que o branco não é grupo vulnerável e, portanto, não precisa estar protegido por essa lei”, reforça.

Impactos da decisão

Mas uma pessoa branca pode ser discriminada? “Sim, mas não por crime de raça. Assim como qualquer ser humano, a pessoa branca pode sofrer com injuria simples e calúnia”, elucida Silva.

Garcia recorda que a decisão do STJ, ao desconsiderar a tese de racismo reverso, não é isolada, mas caminha ao lado de outras interpretações vistas anteriormente. “O STJ reforça o que já era abordado pelo movimento negro, por cientistas sociais, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em relatório de juristas negros para o Legislativo e em ações afirmativas do Executivo”.

Silva aponta que a decisão do STJ tem impactos positivos por fixar a chamada tese interpretativa. “Ou seja. estabelece um entendimento sobre essa questão jurídica que pode servir como referência para casos semelhantes”, indica.

Porém, a interpretação não é obrigatória. Para isso, necessitaria estabelecer uma súmula vinculante, que só pode ser criada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), corte maior do país.

“Instâncias inferiores não estão obrigadas a aderir a essa tese, mas ela tem impacto relevante no Judiciário”, analisa Garcia.

Para a advogada, outras medidas que ajudariam a combater a tese do racismo reverso são ações educativas de letramento racial e políticas públicas de reparação histórica.

“Os 137 anos de abolição ainda não conseguiram sobrepor os 388 de escravidão, sendo que o processo de abolição foi inconclusivo, sem políticas públicas de acesso à terra, à educação ou capazes de mudar uma mentalidade cultural”, analisa Garcia.

“Já o entendimento de que o racismo é estrutural é importante para não cairmos no erro de deslocarmos esse problema para uma mera questão entre pessoas ou indivíduos”, finaliza Garcia.

Veja mais:

Confira 7 filmes nacionais para entender e discutir racismo

O que é racismo algorítmico?

Especial étnico-racial reúne expressões que debatem racismo e preconceito

Racismo linguístico: 30 expressões e palavras para substituir ou eliminar

Substituir expressões cotidianas que usam a cor preta de forma pejorativa ajuda a combater racismo

Crédito da imagem: supersizer – Getty Images

Talvez Você Também Goste

Descubra 11 filmes para conhecer melhor os povos ciganos

Produções apresentam tradições e costumes desse povo tradicional sem estereótipos

O que é cooperativismo?

Especialistas esclarecem as principais dúvidas sobre esse modelo de organização econômica

Parentes de torturadores da ditadura contam suas histórias

Movimento Histórias Desobedientes reúne familiares de agentes da repressão que se posicionam contra o regime militar

Receba NossasNovidades

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.