Quando o assunto são crimes raciais, o Brasil possui duas tipificações: a injúria racial e o racismo. O primeiro é mais comum no país: segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, foram registrados 13.830 casos de injúria racial em 2021, contra 6.003 de racismo.

O crime de injúria racial está presente no capítulo dos crimes contra a honra, no parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal. Ele prevê uma forma qualificada para o crime de injúria, ou seja, quando a ofensa à dignidade de alguém é realizada tendo como base raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência da vítima. A pena varia de um a três anos de prisão.

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Já a Lei 7.716/1989 – batizada de Lei do Racismo – aborda os preconceitos provocados por preconceito de raça ou de cor. Em 2013, a Lei nº 9.459/13 acrescentou os termos etnia, religião e procedência nacional ao texto e, em 2019, o Supremo Tribunal Superior enquadrou LGBTfobia e transfobia no mesmo segmento. As penas são mais severas e podem alcançar cinco anos de reclusão.

Para completar, o inciso 42 do artigo quinto da Constituição Federal trata o racismo como crime inafiançável (não admite livramento por pagamento) e imprescritível (o criminoso pode ser processado a qualquer tempo).

Diferença está no alcance do dano

“Pela legislação, o que diferencia o racismo e a injúria racial é o alcance do dano e da violência. Sempre que a ofensa é direcionada a toda a coletividade negra ou não se pode mensurar a quantidade de pessoas atingidas, é crime de racismo”, ensina o presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF) Beethoven Andrade.

Já se eu defino a pessoa ou coletividade atingida, seria injuria racial ou qualificada. “Ou seja, quando individualizo o preconceito. Como quando digo ‘preto ladrão’”, complementa o presidente da Associação Nacional de Advocacia Negra (Anan) e da ONG Clã Negritude Estevão Silva. “A injúria racial foi implementada para individualizar o racismo. Como se para dizer que a sociedade brasileira não é racista, que são indivíduos que agem de forma isolada praticando injúrias”, explica Andrade.

Necessidade de atualização

Com poucos crimes de racismo identificados e punidos, Silva lembra da necessidade de mudar a legislação para se alinhar à realidade atual da sociedade brasileira. “A lei do racismo fala muito da segregação, de inibir entradas e acessos da pessoa negra a serviços e estabelecimentos. É algo que ocorre, mas pouco. No Brasil, o racismo se manifesta mais pela ofensa e fala que, no caso, acaba sendo tipificado como injúria”, explica.

“Por exemplo, se você chama um negro de macaco, você não está necessariamente ofendendo somente aquele, mas toda a coletividade negra. Há uma sensação fantasiosa de ofender a honra, quando tal comportamento reflete preconceito maior contra a coletividade negra”, justifica.

Em novembro de 2020, o STF votou pela equiparação da injúria racial ao crime de racismo, estabelecendo igualmente a injuria como crime inafiançável e imprescritível. A votação se referia ao caso de uma senhora branca de 80 anos que ofendeu uma frentista.

“Referir-se a alguém como expressões preconceituosas, como ‘negrinha nojenta, ignorante e atrevida’, foi uma manifestação ilícita e preconceituosa em razão da condição de negra da vítima. Então houve um ato de racismo”, declarou, na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes .

Além da decisão do STF, há o projeto de lei 4373/2020, que tipifica a injúria racial como crime de racismo, alterando a Lei do Racismo e o Código Penal. O projeto foi aprovado pelo Senado em dezembro de 2021 e retornou à Câmara, onde aguarda conclusão.

Ao equiparar a injúria ao racismo, a primeira se torna também inafiançável. Silva, porém, lembra que o entendimento do STF não chegou às delegacias. “As pessoas prestam depoimento e são soltas. Precisamos de delegados, Ministério Público e Juízes sensibilizados e dispostos a enfrenta essa questão”, enfatiza.

Outro problema é que a injúria racial é um crime cuja ação penal é condicionada à representação da vítima. Ou seja, para o inquérito ser aberto, ela precisa denunciar. “Se o ofendido não o fizer em seis meses, ele perde o direito. Em alguns estados e regiões, como no Distrito Federal, a representação já faz parte do trâmite no registro do boletim de ocorrência. Em outros, é necessário que a vítima se manifeste”, lembra Andrade.

Porém, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 aponta menor subnotificação de casos de racismo. Entre 2020 e 2021, houve diminuição de 4,4% em relação às denúncias de injúria racial (de 14.402 para 13.830) e aumento de 31% no registro de casos de racismo (de 4.568 para 6.003).

Sensação de impunidade

Para Silva, todos esses complicadores, somados às penas brandas da injúria trazem uma sensação de impunidade e normalizam o comportamento discriminatório. “Na prática, no Brasil, é necessária pena maior de quatro anos para que uma pessoa seja efetivamente presa, o que não é o caso da injúria racial”, pontua.

“Quando não se pune, aquilo deixa de inibir outros a cometerem crime. Por exemplo, se você não pune motoristas que ultrapassam o limite de 50km/hora em uma via pública, as pessoas passam a andar a 80km/hora. Isso tira o caráter pedagógico da lei”, reforça.

Contra o problema, Andrade também cita a necessidade de políticas afirmativas que garantam mais pessoas negras em espaços de poder, como no legislativo e judiciário. O último Censo do Poder Judiciário, de 2013, mostrou que 15,6% dos magistrados brasileiros eram negros, sendo que destes 14,2% se declaram pardos e apenas 1,4%, pretos. “Isso é crucial para uma mudança de paradigma”, finaliza.

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