O que o despejo de navios de lixo da Europa no Brasil tem a ver com os casos de indígenas expulsos de suas terras por mineradoras? Ambos são exemplos de racismo ambiental, termo usado pela primeira vez em 1978 pelo reverendo estadunidense Benjamin Chavis para protestar contra empresas que escolhiam os territórios negros e pobres para direcionar seus resíduos tóxicos. “O termo denuncia que o critério racial e de classe era utilizado na alocação do território a ser poluído”, esclarece o mestre em planejamento urbano e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santos (UFES) Victor de Jesus.

Contudo, o termo racismo ambiental também pode ser utilizado em casos em que impactos e riscos ambientais na moradia ou trabalho de grupos racializados acontece mesmo sem intenção. “Significa que as desigualdades socioambientais não são vivenciadas por todos os grupos igualmente, sendo alguns mais vulneráveis às suas consequências, como populações negras, indígenas e pobres”, resume o pesquisador.

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Exemplos no Brasil e no mundo não faltam, como resorts construídos em áreas protegidas, monocultura de soja instalada no Cerrado, indústrias petroquímicas-farmacêuticas despejando resíduos em comunidades, entre outras. “Os custos ambientais têm sido historicamente arcados pelas populações afroindígenas, incluindo ribeirinhos, pescadores e demais atingidos para o benefício do empresariado agroindustrial, branco, urbano e sudestino”, enfatiza Jesus.

Para ele, trata-se de algo similar ao que a escritora Carolina de Jesus denominou “quarto de despejo”. “São populações submetidas a vivências insalubres, tratadas como lixo pelo poder público e empresarial, expostas a violências físicas e simbólicas, marcadas pelas desigualdades e pelo descaso”, explica.

Lógica extrativista

Doutora em Geografia e pesquisadora da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), Ana Lourdes da Silva Ribeiro lembra que o racismo ambiental não pode ser desvinculado do estrutural, que é responsável por sua perpetuação. Ela também cita o impacto do modelo econômico capitalista. “O foco principal do capital é expandir, avançando sobre locais preservados ou conservados nos quais habitam populações tradicionais. Isso gera deslocamentos compulsório”, ressalta.

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“Há uma lógica escravocrata e colonial de que negros e indígenas não são humanos e não possuem direitos; e políticas higienistas, sobretudo no planejamento urbano e espacial das cidades”, acrescenta Jesus. O pesquisador também cita como causas da perpetuação do racismo ambiental uma educação que não questiona, e por vezes legitima e naturaliza, desigualdades e injustiças sociais.“Junta-se a isso uma lógica ambiental extrativista de que vivemos em terra farta, de onde se pode extrair tudo, que recursos não acabam e que a natureza se regenera sozinha”, assinala.

Mesmo com esse pensamento dominante, ele pondera que a resistência também existe, com comunidades tradicionais denunciando injustiças, produzindo conhecimento no campo acadêmico e buscando a justiça. “É preciso reconhecer esses problemas sociais e estruturais para implementar políticas sociais voltadas aos grupos atingidos”, pontua o pesquisador.

Lobby empresarial

Minimizar o problema também passa por apoiar movimentos sociais negros e indígenas, valorizar candidaturas políticas dessas populações, denunciar irregularidades no Ministério Público e garantir a participação dessas populações na construção de políticas públicas; além de fiscalizar a atuação das secretarias municipais e estaduais de obras e meio ambiente. “Não raro, elas são coniventes e influenciadas pelo lobby empresarial que impacta tais populações”, diz Jesus.

“Historicamente, quem conduz as políticas ambientais no Brasil são as empresas que querem privatizar o saneamento, os latifundiários que defendem grilagem, os agropecuaristas que poluem e consomem os recursos hídricos e matam populações indígenas para ampliar suas áreas, muitas vezes com consentimento das secretarias municipais e estaduais de meio ambiente”, denuncia Jesus. “Nossas políticas ambientais não são construídas pelo e para o povo e por grupos impactados pelo racismo ambiental, mas justamente por aqueles que o exercem”, alerta.

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