Acessar o ensino superior é um desafio para todos os jovens brasileiros. “As vagas nas universidades públicas são geralmente preenchidas pela elite e as particulares tê,a mensalidade como fator de seleção”, descreve a supervisora de Inclusão Social do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), Lilene Ruy. No caso da pessoa com deficiência (PCD), a situação é agravada pela falta de acessibilidade de materiais de estudos, dos locais onde ocorrem o vestibular, entre outros. Com isso, apenas 0,56% dos universitários possuem deficiências, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) entre 2009 e 2019. Para esses universitários, conseguir uma vaga de estágio é ainda mais um entrave.

Pouco acesso à universidade

Apesar do aumento de 144,8% de PCD na universidade na década analisada, a população ainda era, em 2019, 48 mil em um universo de 8,6 milhões de matrículas. Leis como a 12.711/2012 — que estipulou cotas raciais, socioeconômicas e para PCDs nos vestibulares — buscam mudar o quadro.

No entanto, há a burocracia de laudos médicos comprovatórios, que excluem candidatos. “E muitos cursaram o ensino médio em escolas particulares filantrópicas ou com bolsa, por não encontrarem apoio nas redes públicas. Assim, disputam vagas com estudantes sem deficiência de escolas particulares, o que é desleal”, contextualiza a doutora em educação e docente da Universidade Federal do ABC (Ufabc) Kate Kumada.

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Ao final, a falta de acesso da PCD no ensino superior gera dificuldades no momento do estágio. “Tanto para as empresas, que não encontram estudantes no perfil, quanto para os alunos, que se deparam com instituições despreparadas”, resume Ruy.

Contrato desrespeitado

O estágio é uma vivência pedagógica prevista na formação de qualquer profissional que ingressa no ensino superior.“É oportunidade de testar habilidades,conteúdos estudados, relações interpessoais e há a possibilidade de efetivação”, lista Ruy.

A Lei 11.788/2008 incentiva a contratação de estagiários com deficiência, estipulando cotas de 10% nas seleções. A legislação prevê contratos com mais de dois anos e que o aluno acumule o salário com rendas de programas sociais. Porém, as vagas nem sempre são preenchidas.
“Atuei como coordenadora de estágios em uma universidade particular com mais de 200 cursos. Agentes de integração, como o CIEE, relatavam dificuldades em buscar candidatos”, lembra Kumada. Atualmente, a instituição tem o programa de cadastros de talentos “Inclui CIEE”. Do outro lado, alunos com deficiência não encontravam trabalhos com condições de acessibilidade, cultura de diversidade e atividades condizentes com sua formação.

“O contrato do estagiário prevê um plano de atividades relacionado ao curso e à empresa, acompanhando por um profissional no trabalho e professor”, explica Kumada.
“Porém, barreira atitudinais levam empresas a contratarem apenas para cumprir cotas”, acredita. Ela conta que acompanhou uma estudante surda-cega que permanecia no expediente sem atividade e um aluno de pedagogia recusado sob alegação da escola não possuir intérprete de libras, mesmo sendo ele treinado em leitura labial (orofacial).
“Espaços que querem continuar sendo inacessíveis para não abrirem precedentes”, afirma.

Para completar, os estudantes relatam capacitismo dos próprios professores universitários orientadores dos estágios. Para Kumada, isso acontece por falta de formação em educação inclusiva na graduação ou pós-graduação. “Vi professores dizendo que os alunos não precisavam estagiar por já estarem aprovados, privando-os de uma vivência integral da vida acadêmica”, relata.

De acordo com Ruy, o estagiário PCD ainda tem a função de desmistificar preconceitos de empregadores e docentes. “É comum ele ser o primeiro nesses espaços. Porém, as adaptações e vivências construídas beneficiarão outros futuramente”, avalia. “Vale sempre lembrar que e o problema não está no estagiário com deficiência, mas em espaços desadaptados para atender corpos diversos e suas vivências”, enfatiza o advogado surdo Andrey Eduardo Silva, de 26 anos.

Estágios possíveis

Formado em 2019, ele viu nos órgãos públicos a oportunidade de estagiar. Nesse sentido, passou pelo Tribunal de Justiça e pelo Ministério Público, em Blumenau (SC). “Essas vagas são preenchidas por meio de processos seletivos públicos e, graças à legislação de cotas, tornam-se uma forma propícia de estágio”, acredita.

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Universitários com deficiência podem também encontrar na própria universidade uma alternativa de estágio. Formado em 2021, o jornalista Samuel Elias Klein, de 31 anos, estagiou na rádio da faculdade. “Meu orientador intermediou o contato com um jornal local da minha cidade, mas não deu certo”, conta. Para ele, a principal dificuldade foi a realização do trabalho online. “Precisei de auxílio na digitação, por dificuldades motoras”, compartilha.

Formada em estética, Taís Machado, de 26 anos, é cega e estagiou na clínica da sua faculdade devido à pandemia da covid-19. “O ponto positivo foi que a professora me conhecia e sabia das limitações. Os negativos foram não experienciar uma empresa e a possibilidade de efetivação”, pondera.

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