Quando a pessoa com deficiência é vista como incapaz ou inapta para cuidar da própria vida, caracteriza-se o capacitismo. Trata-se, portanto, do preconceito que gera descrença na capacidade de uma pessoa em função de sua deficiência física ou mental. “Eu, por exemplo, passei por isso na minha adolescência, nos anos 1970. Tinha um tio que dizia: ‘Tira o Marquinhos da escola, é perda de tempo. Com essa visão que ele tem, não vai conseguir grandes coisas do ponto de vista profissional’. Essa é uma atitude capacitista!”, exemplifica o professor e radialista Marcus Aurélio de Carvalho, que atualmente é o responsável pela Comunicação da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB).
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O nadador e campeão paralímpico Clodoaldo Silva traz o tema para um público amplo. Para ele, o esporte é uma forma de falar de maneira mais leve e instruir as pessoas. Tubarão, como é conhecido, ressalta a importância de eventos como as Paralimpíadas Escolares: “Essa questão de começar mais novo na competição e na escola vai passando e mostrando pra outras pessoas que não têm deficiência, que nós somos capazes, que nós não precisamos ser tratados como coitadinhos”.
No áudio, Clodoaldo afirma que a melhor forma de combater o capacitismo é ampliando a acessibilidade para todas as pessoas. “A partir do momento que nossas autoridades em âmbito municipal, estadual e federal puderem olhar de uma maneira mais séria para a questão da acessibilidade, o capacitismo, o preconceito e a discriminação vão diminuir muito no nosso país”, defende.
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Música: Versão instrumental de “O Futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo
Clodoaldo Silva:
Pelos familiares quererem proteger demais as crianças com deficiência, eles acabam fazendo com que essas crianças não possam estar indo para a rua se integrar. Eu acredito que todo cidadão, com ou sem deficiência, tem direito, sim, de ir para a escola, sendo integrado. Tá na Constituição, isso é lei. Isso é obrigação.
Clodoaldo Silva, campeão paralímpico; e eu costumo dizer que eu fui o cara que ‘coloquei fogo no Maracanã’, acendendo a pira dos jogos Rio-2016.
Marcus Aurélio de Carvalho:
Eu, há 40 anos, faço exatamente aquilo que eu sonhava na adolescência e que meu tio, não por mal, mas porque viveu num ambiente em que as pessoas pensam assim –acreditava que isso não seria possível.
Eu sou Marcus Aurélio de Carvalho e sou responsável pela área de comunicação da Organização Nacional de Cegos do Brasil.
Vinheta: Instituto Claro – Cidadania
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
Você já ouviu falar em capacitismo?
O termo é recente e ganhou maior visibilidade a partir da cobertura das paralimpíadas de Tóquio. De acordo com cartilha desenvolvida pela Secretaria de Saúde e Educação da Organização Nacional de Cegos do Brasil, ONCB, capacitismo se traduz em toda e qualquer forma de preconceito e discriminação que põe em xeque a capacidade da pessoa, em razão de sua deficiência.
Marcus Aurélio de Carvalho
Basicamente, capacitismo é a atitude, a postura e a percepção, preconceituosas, daqueles e daquelas que, a priori, quer dizer, já de cara, acham que pessoas com deficiência não estão aptas, quer dizer, não estão preparadas pra exercer certas profissões, pra realizar algumas atividades em casa; pra realizar algumas atividades nas ruas, para autonomia na resolução de seus problemas. Enfim, é a pessoa que parte do princípio de que uma pessoa com deficiência não tem aptidão.
Clodoaldo Silva:
Antes de qualquer coisa, nós somos pessoas. E, por isso, essa questão do capacitismo, a gente sempre tem no nosso dia a dia que enfatizar a pessoa, as suas qualidades e não as deficiências, que não é isso que nos caracteriza.
Marcus Aurélio de Carvalho:
Eu, por exemplo, passei por isso na minha adolescência, nos anos 70. Morava no Rio de Janeiro e tinha um tio, irmão do meu pai, que dizia para o meu pai: “Tira o Marquinhos da escola, é perda de tempo”. Com essa visão que ele tem – e eu tenho baixa visão no olho esquerdo e sou cego no direito – “não vai conseguir grandes coisas do ponto de vista profissional”. Essa é uma atitude capacitista!
Marcelo Abud:
Ao contrário da previsão do tio, Marcus Aurélio de Carvalho se tornou professor de comunicação e radialista. Foi o primeiro repórter de campo com baixa visão do Brasil. Clodoaldo Silva destaca que situações, como a vivida por Marcus Aurélio na adolescência, ainda são comuns, mas já avançamos no combate ao capacitismo.
Clodoaldo Silva:
A nomenclatura era “portadora de deficiência física” e, hoje, foi colocado “pessoa com deficiência”. Então a cada dia a gente tem que mudar essas nomenclaturas e destacar as grandes vitórias de uma pessoa com deficiência, não porque ele é deficiente, mas porque ele é capaz. Clodoaldo Silva ganhava as provas porque, cara, era um dos primeiros a chegar, era um dos últimos a sair. Então, todos nós temos que fazer esse deverzinho de casa e ver a pessoa.
Música: “O que é, o que é?” (Gonzaguinha)
Somos nós que fazemos a vida
Como der, ou puder, ou quiser
Sempre desejada
Marcelo Abud:
Para Clodoaldo, a melhor forma de combater o capacitismo é com políticas públicas e ações que visem a inclusão de todas as pessoas. Em 2016, ele foi escolhido para acender a pira das Paralimpíadas do Rio de Janeiro e aproveitou o momento para reforçar essa mensagem.
Clodoaldo Silva:
Momento único na minha vida, um momento inesquecível: 07 de setembro de 2016, quando ‘eu coloquei fogo no Maracanã’. Até um tempo atrás era o maior estádio do mundo. Eu estava ali com a minha cadeira de rodas e a tocha paralímpica e cheguei num determinado local, entre mim e a pira, tinha degraus. E o Maracanã lotado, o mundo todo vendo aquela cena. Por alguns instantes, por alguns segundos, todos se perguntando: “como Clodoaldo vai chegar até lá em cima para o acendimento da pira? Vai vir um guindaste? Será que ele vai sair voando?”. E, de repente, abrem-se rampas e eu acabo subindo as rampas e acendendo a pira …
Áudio de transmissão do Sportv:
Narrador: (com música, som de coração batendo e plateia ao fundo)
“Grande, Clodoaldo Silva! Com dificuldades pra subir a escada com a sua cadeira de rodas…”.
Comentarista:
“Esse tipo de situação é comuníssima, acontece quase que diariamente para com as pessoas com deficiência.”.
Narrador:
“E veja o que acontece aí … o degrau vira uma rampa. Bem interessante o Clodoaldo vai subindo a rampa.”.
Clodoaldo Silva:
A grande mensagem é que pode haver degraus? Pode haver escadas? Pode! Mas se houver uma rampa, todo mundo chega no mesmo lugar. Quando a gente fala ‘todo mundo’, é a sua mãe, que usa um andador; é uma mulher grávida ou uma mulher com um carrinho de bebê. Não é só pessoa com deficiência, né? Uma Gisele Bündchen, super chique, eu tenho certeza que ela de salto alto, se ela ‘ver’ uma rampa ou um degrau, ela vai escolher a rampa. Ou seja, todo mundo pode usufruir da acessibilidade. E a questão de rampa, a questão de acessibilidade, nós temos leis desde a Constituição, lá em 1988, obriga que os estabelecimentos públicos e privados tenham acessibilidade. Só que infelizmente não é fiscalizado. Tudo isso contribui muito ainda para um preconceito, uma discriminação e um capacitismo.
Marcelo Abud:
O esporte é uma forma de quebrar barreiras. Outra oportunidade para incluir e combater o preconceito em relação às pessoas com deficiência são as Paralimpíadas Escolares. A primeira edição dos jogos foi em 2009 e, neste ano, acontecem entre 22 e 27 de novembro, em São Paulo.
Clodoaldo Silva:
E aí a família vê essa criança estudando, se integrando no esporte, viajando, competindo. Essa garotada, ganhando ou não medalhas, já é uma grande experiência! Vai aprender desde cedo que o esporte você ganha e você perde. O importante é você continuar! Essa questão de começar mais novo na competição e na escola, – que tem que começar – vai passando e mostrando pra outras pessoas que não têm deficiência, que nós somos capazes, que nós não precisamos ser tratados como coitadinhos. Temos que ter oportunidades pra que a gente possa mostrar nossas potencialidades e capacidades.
Música: “Rua de Passagem” (Lenine e Arnaldo Antunes)
Sem ter medo de andar na rua,
Porque a rua é o seu quintal
Todo mundo tem direito à vida
E todo mundo tem direito igual
Clodoaldo Silva:
A partir do momento que a gente tiver acessibilidade pra pessoa, qualquer que seja ela, ir e vir, as outras pessoas não vão olhar pra aquela pessoa com o olhar de ‘caramba, aquele cara ou aquela mulher a qualquer momento ela vai cair e se machucar’, né? Então, intuitivamente, a gente quer estar ali perto pra ajudar e muitas vezes está incomodando. Mas você não tem acessibilidade, então você fica ali pra meio que proteger aquela pessoa. Então, tenham certeza, de que a partir do momento que nossas autoridades em âmbito municipal, estadual e federal puderem olhar de uma maneira mais séria para a questão da acessibilidade, o capacitismo, o preconceito e a discriminação ‘vai’ diminuir muito no nosso país.
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
O desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a inclusão de todas as pessoas em atividades de educação, esportes, cultura e lazer é a melhor forma de se combater o capacitismo.
Este episódio contou com áudio da transmissão do Sportv, na abertura das Paralimpíadas Rio-2016.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.