Entrou em vigor em julho de 2022 a Lei 14.407, que inclui a alfabetização plena e a capacitação gradual para a leitura ao longo da educação básica como deveres do Estado. As obrigações passam a integrar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O texto aprovado teve origem em projeto de lei (PL 9575/18) do deputado Hugo Leal (PSD-RJ).

Mas o que a aprovação da nova lei muda para a realidade dos professores alfabetizadores nas escolas públicas de todo o Brasil? Para a docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Elaine Constant, pouco. Ela acredita que a lei faz uso de expressões que não vão ajudar a melhorar a alfabetização em sala de aula. “Não se tem um debate no chão da escola com os principais envolvidos no ensino e que farão as obrigações previstas acontecerem. Sem os educadores, a lei se distancia da realidade educacional”, destaca a pesquisadora.

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A opinião é compartilhada pelo professor da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e presidente da Associação Brasileira de Alfabetização, Lourival José Martins Filho.“Acredito que toda proposta que contribua com alfabetização é importante, porém, a lei representará pouco se ficar apenas na letra, se desacompanhada por práticas e políticas que valorizem a formação dos professores alfabetizadores, do espaço escolar, da carreira docente. Algo muda se a alfabetização for entendida como política de estado e projeto de nação, não somente pela alteração da LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional]”, critica.

Termos são ambíguos

A lei 14.407/22 acrescentou novas informações nos artigos 4 e 22 da LDB. “Ou seja, não é uma alteração de um inciso, são acréscimos”, diferencia Constant. No artigo 4, passa a vigorar o texto: “alfabetização plena e capacitação gradual para a leitura ao longo da educação básica como requisitos indispensáveis para a efetivação dos direitos e objetivos de aprendizagem e para o desenvolvimento dos indivíduos.”

Já no artigo 22, foi acrescido o parágrafo: “são objetivos precípuos da educação básica a alfabetização plena e a formação de leitores, como requisitos essenciais para o cumprimento das finalidades constantes do caput deste artigo”.

Segundo os dois pesquisadores, os novos termos inseridos – “alfabetização plena”, “aprendizagem gradual” e “dever do estado” – não são esclarecidos ou contextualizados ao longo do texto, dando margem para interpretações abertas.“Alfabetização plena é um conceito em construção, não fica claro na legislação”, avalia Martins Filho.
“Defendemos a alfabetização na perspectiva discursiva, integrada ao letramento, que a reconhece como apropriação do código escrito e o letramento no uso efetivo das práticas sociais da vida cotidiana. Que reconhece alfabetizar considerando a língua viva, dinâmica, que não privilegie um ou outro método. Alfabetizar não é apenas ensino de grafema e fonema de forma desconectada da vida”, contrapõe.

Confira: Alfabetização: “Não existe melhor método, existe uma criança que aprende”, avalia professora da USP

A mesma dúvida acomete o termo “aprendizagem gradual”. No país há três documentos orientadores sobre o tempo escolar para a alfabetização de crianças. “O Plano Nacional de Educação, na meta 5, prevê que todas as crianças estejam alfabetizadas até o terceiro ano do ensino fundamental. Isso é respaldado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais”, explica Constant. “Com a BNCC [Base Nacional Comum Curricular], o tempo restringiu-se para dois anos e, com a Política Nacional de Alfabetização, passou para um ano”, destaca.
“Não se sabe se o autor queria questionar isso. E a ideia de ‘alfabetização plena’ também não considera esse debate”, afirma.

“A alfabetização, na verdade, não termina nunca. Somos seres humanos e até nosso último dia podemos aprender algo novo”, acrescenta a professora. Por fim, ela avalia que inserir “dever do estado” pode trazer novas atribuições a estados e municípios. “O artigo 22 trata da finalidade da educação e falar sobre dever do estado impacta, na teoria, no regime de colaboração entre município e estados e nas avaliações em larga escala, que cobram o que é ensinado e definem o que se entende como ‘leitor’ no país”, contextualiza a pesquisadora

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Plano de aula – Alfabetização inspirada em Paulo Freire: como fazer?

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