Entre a vasta obra de Paulo Freire e suas propostas para a educação, destaca-se a metodologia para a alfabetização de adultos. Seu objetivo era estimular trabalhadores a desenvolverem uma interpretação crítica da realidade a partir da chamada “visão de mundo” deles. “O termo se refere à forma como enxergamos e entendemos o que acontece ao nosso redor. Como contextualizamos isso em nossa vida, a partir de uma perspectiva particular”, explica a professora alfabetizadora de Barbacena (MG) Eliane de Paula Rocha.

Para alfabetizar a partir do contexto e experiências de vida de cada sujeito, é necessário valorizar sua cultura, as memórias e saberes. “Ele propõe um olhar ao redor, ao que realmente agrega significado para o aluno. Freire alfabetizou centenas de operários usando apenas palavras que partiam da realidade deles, como tijolo. Por meio dela, sílabas e outros conjuntos de palavras eram formadas”, exemplifica Rocha.

Mas não são apenas adultos que se beneficiam dos princípios freirianos, como aponta a líder do Grupo de Pesquisa em Alfabetização, Linguagem e Colonialidade, da Universidade Federal de São João del-Rei, Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo. Adaptar esse processo pedagógico para a alfabetização de crianças não somente é possível como é desejável. “A criança também está imersa em uma cultura e em um determinado contexto sociocultural”, justifica.

Uma diferença entre os públicos, contudo, é a necessidade de envolver a família das crianças na alfabetização. “Seja seu brinquedo ou animal de estimação favorito, tudo isso é a realidade da criança. Serão essas vivências que darão significado ao aprendizado”, ressalta Rocha. Para Macedo, deve-se considerar o mundo da infância. “É uma etapa do desenvolvimento carregada de sentidos, significados e lúdica por natureza”, afirma.

Círculos de cultura

Para a alfabetização de crianças, Macedo sugere os círculos de cultura idealizados por Paulo Freire.“Eles pressupõem um espaço dialógico no qual a conversa, com a escuta atenta do docente, possa ser a principal estratégia na abordagem pedagógica em sala de aula”, enfatiza.

O diálogo pode ser com e entre as crianças, estimulado por textos lidos coletivamente, temas do interesse delas ou experiências da vida cotidiana. “Dessa forma, evita-se uma pedagogia da aula puramente expositiva, sem diálogo e um planejamento centrado nos conteúdos das avaliações externas e currículos oficiais, desconsiderando a realidade das crianças”, opina Macedo.

Após a leitura de textos, o professor pode levantar perguntas que estimulem os alunos a expressarem sua opinião sobre o assunto discutido. “Podemos afirmar que qualquer atividade conduzida na base do diálogo e escuta tem inspiração freireana”, resume a professora.

Aprendizagem por projetos

Já Rocha sugere o trabalho com aprendizagem por projetos. Desde 2007, ela utiliza o método na rede municipal de Barbacena. Nesse período, idealizou e aplicou iniciativas que, em comum, valorizam a criança, sua família e seu lugar de viver.

No projeto “Minha escola, minha vida”, a turma visitava a casa dos alunos. As palavras trabalhadas vinham dessas visitas. “Eles respondiam nome do pai, da mãe, animal de estimação e seu brinquedo favorito”, relembra Rocha. No projeto “A casinha da vovó”, a classe visitava a casa de uma avó de aluno para ela ensinar brincadeiras e contar casos.

Em outra iniciativa, os focos foram as atrações turísticas da cidade. “Em uma quarta, os estudantes fotografavam da janela de seu quarto e contavam o que viam e como aquele lugar era importante para eles”, descreve. Como amparo teórico, a alfabetizadora indica a leitura do livro “A pedagogia do oprimido”. Já Macedo recomenda “Por uma pedagogia da pergunta”, uma conversa entre o brasileiro e o filósofo chileno Antonio Faundez. “É uma obra pouco lida e discutida, mas que ajuda a compreender o conceito de diálogo e a pedagogia dialógica proposta por Freire”, conclui.

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