Patrono da educação brasileira, o educador e filósofo Paulo Freire (1921-1997) pode contribuir muito para a prática do professor que está no chão da escola.

“Primeiramente, porque foi o principal autor que pensou a educação no nosso país e dentro do contexto e realidade brasileira”, justifica o pesquisador e professor da Pós-Graduação em Educação da Unochapecó, Ivo Dickmann.

“Além disso, tornou-se um clássico e uma referência mundial em pedagogia e é um autor que fala de uma educação de forma amorosa. Em tempos de conservadorismo extremado e discurso de ódio, ele contribui para uma escola não-violenta”, acrescenta.

A seguir, em entrevista exclusiva, Dickmann indica como o professor pode começar a ler a obra freiriana pela primeira vez, visando melhor compreender o pensamento do autor. Para completar, destaca temas-chaves que merecem ser identificados e lidos com atenção.

Quais suas orientações para professores lerem Paulo Freire?

Ivo Dickmann: A leitura de Paulo Freire não pode ser descomprometida, mas sim uma inserção no seu universo pedagógico, no chamado “legado freiriano”. Ao ler sua obra, esteja aberto ao novo, às ideias, às práticas e ao desejo de construir conhecimento a partir da realidade para transformá-la. A pedagogia freiriana não é um remédio para todos os males da educação, mas um método dialógico e uma epistemologia do oprimido, que parte do contexto concreto, do saber da experiência e das situações-limites para construir novas possibilidades. É uma pedagogia da resistência e esperança, no sentido de resistir às formas de opressão e negação da vida e acreditar numa educação com amorosidade e geradora de vida.

Como deve ser essa leitura?

Dickmann: A ordem cronológica ajuda na compreensão da obra de Freire, visto que ele se permitiu reler, reinventar-se e até de mudar de opinião sobre alguns conceitos. Sugiro começar por “Conscientização”, que apresenta a biografia e o método; seguida de “Educação como prática da liberdade” e “Pedagogia do oprimido”. Esses dois últimos ajudam na compreensão de como o método de educação de jovens e adultos se transformou em uma epistemologia da educação [uma teoria do conhecimento]. Posteriormente, indico “Pedagogia da Esperança” e “Pedagogia da Autonomia”.

No meio deste itinerário, claro, haveria livros africanos da década de 1970 e os dialogados, produzidos nos anos 1980. Estes podem ser lidos mais pra frente.

Há algum “equívoco” comum de acontecer ao ler Paulo Freire pela primeira vez?

Dickmann: Muitos se aproximam das obras de Freire buscando a solução para o problema enfrentado na escola, mas o autor nunca se propôs resolver tudo. Ao contrário, pediu que não o seguissem, mas o reinventassem. Ou seja, se há um problema na educação onde atuamos, somos nós que, baseados nos conceitos freirianos, construímos alternativas viáveis para ele.

Esse erro é comum, pois em momentos de “desespero pedagógico” é mais fácil buscar uma solução pronta e que venha de fora do que construir uma a partir de dentro. Lendo Freire, percebemos que a solução somos nós, está diante de nós e, muitas vezes, não a vemos.

Ao começar a ler Paulo Freire, quais são os assuntos a se atentar?

Dickmann: Penso que há três temas centrais. O primeiro é educar a partir do contexto concreto dos educandos. Ou seja, que a educação é um ato contextualizado, que se remete à realidade para compreendê-la e que desvenda o que está escondido com o objetivo de focar na mudança. Quanto mais próximo do contexto dos educandos está o objeto do conhecimento, mais fácil é sua compreensão. Ainda para o autor, não adquirimos conhecimento para acumular saber, mas sim transformar o mundo.

O segundo tema é o diálogo educador-educando como método educativo. Somos seres dialógicos e sem essa troca não há educação.  O terceiro é o caráter político do ato educativo, que faz sua obra ser tão criticada. Porém, a educação não é política porque Freire quis, mas porque é um ato social, histórico e cultural, visando transformar a realidade na qual ela acontece.

Qual o melhor momento para ler os textos de memória do autor ou entrevistas?

Dickmann: No intermeio dos livros principais, pois permite compreender a humanidade do autor e que ele era um professor como nós. Que tinha seus momentos de se encontrar com os amigos, de receber seus orientandos em sua própria casa, de viagens para conferências e de receber seus títulos. São textos menos rigorosos que nos falam do Freire “do cotidiano”.

Há livros de terceiros que ajudam a elucidar conceitos freirianos?

Dickmann: Lembro que, quando iniciei a leitura das obras de Freire há 17 anos, alguns livros de comentadores do seu pensamento foram importantes para compreendê-lo melhor. Eles me permitiram elucidar a história e trajetória dele, a acessar a compreensão mais elaborada da sua produção. Sem eles, não teria conseguido avançar e tornar-me autônomo na leitura e produção dos meus textos freirianos.

Indico os seguintes: “Paulo Freire: uma história de vida”, de Ana Maria Araújo Freire; “Política e Educação Popular: a teoria e a prática de Paulo Freire no Brasil”, de Celso de Rui Beisiegel; “Educação e conhecimento em Paulo Freire”, de Volmir José Brutscher; “365 dias com Paulo Freire”, organizado por mim e Ivanio Dickmann; “Paulo Freire: uma biobibliografia”, de Moacir Gadotti; e “Fundamentos dialéticos da Pedagogia do Oprimido”, de João A. Wohlfart.

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