O pensamento de Paulo Freirepode dar suporte a uma educação ambiental crítica. Segundo o professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), Ivo Dickmann, conceitos freirianos podem ser resgatados no ensino da temática. Como exemplo, ele cita o diálogo na construção do conhecimento e o papel do aluno como agente transformador da sociedade.
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“Em ‘Pedagogia da indignação’, Freire diz que não tem como a educação acontecer sem levar em conta o entorno da escola. Da perspectiva freiriana, o estudante aprende que está inserido em um local e que faz parte do planeta”, explica. “Ele se percebe nesse local e percebe que suas atitudes impactam o global. Que é preciso cadenciar as ações para a vida continuar existindo”, complementa.
Quais os principais objetivos da educação ambiental?
Ivo Dickmann: Quando a gente fala do tema, a tendência é pensar em árvores, plantas, florestas, ou seja, algo lúdico relacionado à natureza. Mas há uma dimensão da educação ambiental crítica, que deve trabalhar a reflexão do ser humano sobre o seu contexto. Que eu sou parte dessa natureza, que ela não está separada de mim. Há uma ideia no senso comum de que a educação ambiental é necessária para cuidar das florestas e animais em extinção. Esse também é o objetivo, mas não só. É preciso cuidar da natureza porque ela é a garantia da vida como um todo e porque a gente está ligado a ela.
Ela pode encontrar suporte no pensamento freiriano?
Dickmann: Sim. Paulo Freire é utilizado como uma grande referência e dá base à compreensão de uma educação ambiental crítica. Ele não escreveu textos sobre o tema propriamente, mas o que elaborou na década de 90 até o seu falecimento, em 1997, foi de grande contribuição. A educação crítica problematiza, faz o aluno se perguntar: mas isso sempre foi assim? Pode ser diferente? Foi bom para sociedade anteriormente? Mas e agora? O pensador também se tornou uma referência para a temática após ser convidado para participar da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco 92, no Rio de Janeiro.
Quais conceitos de Paulo Freire dialogam com a educação ambiental?
Dickmann: A primeira contribuição está na dimensão do diálogo, que é uma categoria freiriana importante. A maneira de se ensinar pode ser autoritária e verticalizada ou dialógica. Perguntar ao estudante sobre o problema estudado e trazer as respostas por meio dessa conversa em sala de aula. O diálogo como construção do conhecimento. A segunda contribuição é a visão do ser humano como ser inacabado, logo, o mundo é inacabado também e pode ser transformado. O ser humano é um agente histórico que pode intervir na sociedade e na natureza para transformá-la. E posso transformá-la de acordo com a minha perspectiva de mundo. Por exemplo, posso ter uma visão desenvolvimentista e achar que derrubar as arvores da Amazônia e transformar a floresta em pasto para gado leva ao desenvolvimento. Do ponto de vista da educação crítica, pergunta-se: mas por que a Amazônia é importante? Em suma, não é proteger por proteger, mas saber o por quê.
Qual é o papel da escola dentro dessa perspectiva?
Dickmann: Em “Pedagogia da indignação”, Freire diz que não tem como a educação acontecer sem levar em conta o entorno da unidade escolar. Da perspectiva freiriana, o aluno aprende que está inserido em um local e que faz parte do planeta. Que o planeta não é algo abstrato, viajando no universo, mas que é seu bairro, seu entorno. Assim, a escola é, para ele, um momento que vai contribuir com a cidadania planetária. Ele se percebe nesse local e percebe que suas atitudes impactam o global. Que é preciso cadenciar as ações para a vida continuar existindo.
De que forma o professor, ao abordar a educação ambiental, pode trazer esses conceitos para a sua prática em sala de aula?
Dickmann: Teatro, desenhos e paródias para refletir os problemas do entorno podem ser utilizados, mas sempre de uma perspectiva participativa. O estudante cria, o professor não traz nada pronto. Todas as formas de metodologias ativas são bem-vindas, como aprendizagem por projeto, por problema, entre pares, sala de aula invertida, entre outros. O aluno se vê como protagonista e isso traz encantamento para a aprendizagem. Há também as trilhas interpretativas: passeios pelo bairro para perceber o entorno da escola e depois refletir sobre o que chamou mais a atenção.

Como você costuma trabalhar com os alunos do fundamental?
Dickmann: Eu costumo trabalhar o desenho com os alunos mais novos. Muitos retratam o lixo, a violência, a falta de calçamento no entorno da escola e percebem o contexto em que estão inseridos. O segundo momento é perceber que o mundo não está desse jeito “porque Deus quis” ou “porque as coisas sempre foram assim”, mas porque houve ação humana. Ou não tem investimento público e atenção do Estado ou o próprio sujeito jogou aquele lixo na rua. No terceiro momento, ele vê que o mundo não está bom e que sua ação pode transformá-lo. Imagina-se o mundo que desejamos e ele se percebe como sujeito de transformação.
Em quais livros de Paulo Freire o professor de educação ambiental pode encontrar suporte teórico?
Dickmann: Indico “Pedagogia da autonomia” (1996), “Pedagogia da indignação” (2000) e “À sombra desta mangueira” (1995). Também recomendo as teses, dissertações e artigos científicos que traduzem o pensamento freiriano e o relacionam com a educação ambiental. E os livros “Educação ambiental – dialogando com Paulo Freire”, organizado por Carlos Frederico B. Loureiro e Juliana Rezende Torres; e “Educação Popular Ambiental”, de Jussara Botelho Franco.
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