Foi na primavera de 1968 que Paulo Freire finalizou o manuscrito do livro “Pedagogia do oprimido”, escrito, curiosamente, à mão. Na época, ele se encontrava exilado no Chile e de lá seguiria rumo aos Estados Unidos, para trabalhar na Universidade de Harvard. No Brasil, o pensador vinha de experiências de alfabetização com o Movimento de Cultura Popular, tendo coordenado, em 1963, o Plano Nacional de Alfabetização. Um processo interrompido, porém, pelo golpe civil-militar de 1964.

“A obra foi discutida, parte por parte, antes de sua redação final. O autor tirava cópias de parágrafos que escrevia e distribuía aos amigos, para que lessem e dessem contribuições. É preciso destacar, porém, que só o fazia depois da leitura de sua esposa Elza, que, segundo o próprio, era sua leitora primordial”, revela o historiador e doutor em Educação, José Eustáquio Romão, amigo pessoal de Paulo Freire e especialista em sua produção.

“Pedagogia do oprimido” seria publicado pela primeira vez nos Estados Unidos, em 1970, devido a censura imposta no Brasil pelo regime da época. O manuscrito original sobreviveu à ditadura chilena pelas mãos do ex-ministro de Salvador Allende, Jacques Chonchol, que chegou a ter a casa invadida pelo exército.

Educando é protagonista

Segundo Romão, a obra é uma proposta de libertação humana por meio da educação emancipadora. Nela, Freire crítica o que chama de “educação bancária”. “O educando não tem protagonismo e se coloca como um caixa de banco para receber ‘depósitos’ das informações dos educadores”, compara.

“Ele aborda a aprendizagem da palavra pelo oprimido, que se assume como sujeito da sua própria história”, acrescenta a diretora pedagógica do Instituto Paulo Freire, Ângela Biz Antunes.

A temática de emancipação pode ser vista já no prefácio, escrito pelo professor Ernani Maria Fiori e que recebeu o sugestivo título de “Aprenda a dizer sua palavra”. Ele aponta alguns pontos principais da tese de Freire, iniciando pelo entendimento do oprimido como homem, não coisa.

“Ajuda-nos a ser professores libertadores que criam condições para que educandos encontrem sua própria voz e se assumam como sujeitos da sua história. Não é libertação de uns feita para outros”, acrescenta o presidente de honra do Instituto Paulo Freire, Moacir Gadotti.

Outro tema presente no livro é o trabalho cooperativo para chegar à emancipação. Em outras palavras, ninguém se conscientiza sozinho. “Os seres humanos se educam mediatizados pelo mundo. Educador, enquanto educa, é educado. Educando, ao ser educado, educa. Ambos ensinam e aprendem juntos”, ressalta Antunes.

Por fim, ela relaciona a pedagogia do oprimido à esperança. “Ela sustenta a crença nos seres humanos, na sua possibilidade de mudar a ordem das coisas”, descreve.

“A obra é perturbadora e admirável porque se recusa a aceitar o presente como cárcere da história. Que a educação pode confirmar ou contestar o status quo. Para os professores do mundo todo, ela define o presente como algo que pode ser mudado, que não é cristalizado”, acrescenta Gadotti.

Obra incompreendida

Apesar de Paulo Freire ser o patrono da educação brasileira, Gadotti o considera pouco lido ou compreendido. “Ele não está presente nas escolas públicas brasileiras como deveria estar. E, ultimamente, com essa onda conservadora que vem assolando o país, seu legado vem sendo desrespeitado”, lamenta.

Para Romão, o ensino brasileiro ainda não superou a tese da “escola bancária”. “Portanto, ainda não adotou o legado de Freire. Caso contrário, teríamos já resolvido muitas mazelas da nossa educação básica, que nos tem colocado em uma situação desconfortável nas avaliações internacionais”, opina.

Veja mais:
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Crédito da imagem: Elisabete Alves/Flickr Ministério da Cultura

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