Ler o letreiro do ônibus, um edital de concurso ou escrever o próprio currículo e uma mensagem no WhatsApp exigem habilidades tanto de alfabetização quanto de letramento. Porém, quais são as diferenças entre esses termos? Basicamente, a alfabetização é entendida como a aquisição do sistema convencional da escrita – a relação entre os fonemas e grafemas. Já o letramento diz respeito ao uso dessa habilidade nas diferentes interações sociais.

No texto “Letramento e alfabetização: as múltiplas facetas”, a professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Magda Soares afirma que ambos são processos interdependentes e indissociáveis.

“A alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio das práticas sociais de leitura e escrita, isto é, atividades de letramento. O letramento, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, ou seja, em dependência da alfabetização”, compara.

A vice-presidenta da Associação Brasileira de Alfabetização (Abalf) Adelma das Neves Nunes Barros explica que, para que haja o letramento, não basta que o indivíduo saiba ler e escrever, mas que exerça as práticas sociais de leitura e escrita que estejam sintonizadas com o que circula na sociedade em que vivemos.

“A escrita se impõe de tal maneira que, mesmo não sendo alfabetizados, os sujeitos fazem usos dela, por meio de algum tipo de letramento. Compram o sabão em pó da marca de sua preferência, usam redes sociais, aplicativos, entre outros. Mas evidentemente esses usos são restritos”, observa.

Gêneros textuais

Para Barros, o letramento está ainda intimamente vinculado aos gêneros textuais. “É a partir deles que o processo de aquisição do sistema de escrita alfabética deve ocorrer e não por meio de pseudotextos como ‘O Ivo viu a uva’, muito usado na alfabetização no passado”, diferencia.

Na sua opinião, o ensino tradicional deixava de favorecer habilidades e conhecimentos de leitura fundamentais para construção de sentidos dos textos.

“Em outras palavras, os sujeitos ‘aprendiam a ler e a escrever’ para responder à lição ou à professora. A leitura e a escrita não tinham sentido nem objetivos reais fora da escola. Faltava aos sujeitos que não apenas se alfabetizassem, mas também que se envolvessem nos processos de letramentos”, analisa.

Tecnologia e os multiletramentos

A especialista conta que o termo letramento surgiu nos anos 1980 no Brasil. Porém, com as mudanças sociais e o advento das tecnologias digitais de informação e comunicação, foi necessário expandi-lo para letramentos (no plural) ou multiletramentos.

“Os gêneros textuais que permeiam nossas relações nos mais variados campos se compõem por semioses diversas, como imagens, cores e sons. Das mensagens escritas com os emoticons nos aplicativos de mensagem a uma tese de doutorado com seus gráficos, fotos e mapas interativos, essas semioses se somam ao escrito na construção dos sentidos. Isso exige, portanto, sujeitos multiletrados”, conclui.

Essa nova realidade faz com que parte dos pesquisadores do tema não mais separem letramento e alfabetização em coisas distintas: o segundo já englobaria o primeiro.

“A tecnologia mudou a forma de aprender e interpretar. Vejo que as crianças não respeitam mais essa prática pedagógica dividida”, opina a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora no campo da alfabetização Elaine Constant. “Alguns educadores ainda acham que se deve primeiro alfabetizar e depois letrar, quando se deve trabalhar de forma mais sistêmica e ampla. Pedagogicamente, tal divisão não ajuda.”

De todo modo, segundo Barros, o professor precisa conhecer os processos tanto de alfabetização quanto letramento. “Assim, poderá oferecer situações de ensino que desenvolvam não apenas a apropriação da escrita, mas também práticas reais de leitura e de escrita”, justifica.

Dentro do letramento, atividades que vinculam escrita e interpretação são bem-vindas: caso dos jogos teatrais, das parlendas e da poesia, além de outros gêneros textuais que façam sentido na vida das crianças.

“Antes mesmo de dominarem a tecnologia da escrita, elas têm a possibilidade de produzir e ler textos, tendo o professor ora como escriba, ora com o ledor”, finaliza.

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