Os jogos teatrais contribuem com a alfabetização das crianças ao ensinarem o uso social da linguagem. Para entender esse processo, é necessário diferenciar a alfabetização do letramento, como explica a professora de teatro e mestra em educação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) Ana Letícia Ferreira:“A alfabetização é a aquisição do sistema convencional de escrita e decodificação, enquanto o letrar é o uso dessas habilidades nas práticas sociais. Ainda que diferentes, são interdependentes e indissociáveis, com a alfabetização se desenvolvendo por meio dessas práticas sociais de leitura e escrita”.

Por ser um instrumento de letramento, o teatro colabora com a alfabetização. “Enquanto linguagem artística, ele estimula o uso social da palavra oral e escrita. Como requer a interação entres os pares, amplia o repertório cultural das crianças”, elenca a doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP) Marta Barros.

Ela e Ferreira assinam o artigo “Arte e educação: o teatro como recurso metodológico no trabalho pedagógico na alfabetização” (2019). Barros explica que percursos possíveis para se alfabetizar são via lexical e rota fonológica. “Enquanto a primeira consiste em apresentar as letras e depois os sons que elas representam, a fonológica faz o caminho inverso. É a partir dela que vamos pensar o teatro como método”, descreve.

Desenvolvendo habilidades

Especialista em ensino de artes, alfabetização e letramento, Marissol Barreiros da Freiria explica que os jogos teatrais não apenas ensinam o código e o sistema de escrita, mas ajudam a criança a praticar a linguagem formal e informal.“Identificar que existe a linguagem que se escreve, que se fala, que se usa em casa e fora dela. Tudo isso contribuirá para a alfabetização, para a produção de textos, para entender o uso de pontuação e de outros códigos de escrita” acrescenta ela, que é autora da pesquisa “Jogos teatrais de Viola Spolin na alfabetização” (2015).

“As crianças podem experienciar novas palavras e onde usá-las, entendendo os contextos sociais. Ao se imaginar na brincadeira de mercado, banco, hospital, podem ser apresentados termos específicos desses ambientes, proporcionando alargamento cultural”, lembra Ferreira. “Os processos de escrita e de leitura ganham um novo sentido no teatro. Aqui, a criança pode trabalhar com intencionalidades diferentes quanto às falas dos personagens, criando leituras com sentidos totalmente novos”, reforça a coordenadora pedagógica e Mestre em Artes Cênicas, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Rilná Figueiredo da Silva.

Os jogos teatrais também estimulam outras habilidades fundamentais à alfabetização. “Fazer teatro significa não somente trabalhar com textos escritos e desenvolver o ato de ler, mas desenvolver sensibilidade, memória, autonomia e capacidade criativa. Os textos, palavras e letras, como já dizia Paulo Freire, estão encarnadas em todo tipo de experiência, incluindo a teatral. É um contexto amplo de possibilidades de aprendizado e de criação artística”, resume Silva. Ela escreveu a dissertação “Jogos teatrais e leitura na escola: diálogos possíveis na construção de sentidos(2018)”

“O teatro foca na pronúncia dos sons das letras. Oferece atividades de expressão verbal que leva o aluno a identificar a importância da voz e da fala na comunicação, incluindo volume, intensidade, clareza, ritmo e percepção auditiva”, completa. Medo de errar e vergonha, comuns em crianças durante a alfabetização, também podem ser driblados com jogos teatrais que estimulam a expressão corporal, a verbal e desenvoltura.

Como aplicar?

Freiria explica que o uso de jogos teatrais na alfabetização pode começar com contação de histórias, atividades com desenhos e dinâmicas de improvisações. “Um próximo passo é criar um texto oral e escrito a partir do que foi produzido nos jogos e esquetes , tendo primeiramente o professor como escriba. Os alunos ajudam a contar a história, a elencar a ordem dos acontecimentos e os elementos importantes”, contextualiza.

“Ao se trabalhar com as dramaturgias teatrais ou contação de história, há contato direto com a leitura e fomenta-se a curiosidade. Isso implicará diretamente no desenvolvimento da escrita”, associa Ferreira. Para os demais professores alfabetizadores, ela recomenda apropriar-se da linguagem teatral antes de aplicá-la: “É necessário ler sobre e entender que o teatro não é o espetáculo final, de forma que a criança copia o que a professora criou previamente sem nenhuma participação. Ele é um processo divertido, que considera a criança e mediado pelo professor.”

“Desconstrua o estereótipo de que se faz teatro apenas em épocas festivas e com o intuito de apresentar publicamente. Ao criar experiências artísticas na escola de maneira fluida, percebe-se que, junto a esse processo, é possível aprender a ler, a escrever e a fazer arte”, enfatiza Silva.

Freiria utilizou os jogos teatrais na alfabetização dos estudantes do 1º ano do ensino fundamental da EMEIEF Professora Sônia Maria Gomes Jerônimo, em Tupã (SP). Para isso, ela usou como suporte o livro “Jogos Teatrais: O Fichário de Viola Spolin”, da educadora americana que é referência na temática. A seguir, Freiria e Silva compartilham seis jogos que podem ser trabalhados com as crianças durante o processo de alfabetização.

1) A60 – Jogo do desenho (Viola Spolin)

A turma é dividida em grupos. A professora escreve palavras de animais e objetos com características simples, como boi, gato, trem e árvore de Natal, depositando-os em uma caixa. Ela permanece com a caixa ao lado da lousa quando um membro do grupo se dirige a ela e escolhe um dos papéis.

A professora lê com o aluno o objeto escolhido, que desenhará sua imagem na lousa para as outras crianças adivinharem. Ganha o grupo que descobrir o objeto primeiro. “Eles se empolgam com o desafio de se comunicar sem utilizar a oralidade”, relata a especialista.

2) A70 – Eu vou à Lua (Viola Spolin)

O objetivo dessa atividade é preparar os alunos para a contação de uma história, trabalhando concentração, escuta e memorização. Com os alunos sentados em círculo, a professora diz: eu vou à lua e levarei um determinado objeto, como um estojo. O jogador seguinte repete o que foi dito pela docente e acrescentará outra coisa, até que todos tenham participado. Segundo a experiência da pesquisadora, esse jogo pode ser difícil no começo e deve ser aplicado mais de uma vez.

3) A76 – Construindo uma história (Viola Spolin)

Com os jogadores sentados em círculo, o professor escolhe um aluno para iniciar uma história, que pode ser conhecida ou inventada. Em qualquer momento, o docente escolhe aleatoriamente outro estudante para continuá-la a partir do ponto em que o jogador anterior parou.

Freiria aplicou a atividade três vezes, sendo a primeira com uma história conhecida da turma: “Os Três Porquinhos”. Nas demais, a classe criou a sua própria história. “Na terceira vez, escrevi o texto criado coletivamente na lousa, listando alguns episódios da história que os alunos ditavam. Enquanto escrevíamos, discutimos se a história criada possuía ou não coerência”, relata.

Tal procedimento é importante para relembrar a ordem dos fatos ocorridos. “Os alunos participaram ativamente, seja sugerindo formas de escrever um trecho ou trocar palavras repetidas. Com o apoio dos jogos teatrais, notei que a criatividade estava mais aguçada e a memória mais ativa”, avalia.

4) Improvisação com três informações

O professor separa três caixas: uma para um local, outra para uma ação e a terceira para um tipo de personagem. Os alunos, com a ajuda da professora, escrevem as diferentes possibilidades para cada uma delas e colocam os papéis nas respectivas caixas. Após serem divididos em grupo, os alunos coletam um papel de cada caixa. Após lerem, eles improvisavam uma cena a partir das três informações combinadas.

5) Teatro de formas animadas

Indicada por Silva, essa improvisação consiste no professor contar uma história com bonecos para, na sequência, pedir aos alunos que experimentem fazer o mesmo, inventando outras narrativas. “Logo após, pode-se escolher um dos personagens criados e centrar na construção de sua personalidade, pensando-se em quem ele é, o que gosta de fazer, além de onde ele vive”, orienta.

6) Objetos mudam a história

Silva indica essa atividade com professor e alunos sentados em roda. O docente inicia a história conforme passa aos alunos uma caixa contendo diferente objetos e fantasias. Na vez de cada aluno, ele escolhe aleatoriamente um objeto da caixa e muda o percurso da história a partir dele.

Veja mais:

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