Hoje diretora da rede municipal de Campinas (SP), Maria Fernanda Luiz Paulo vivenciou sua primeira experiência de racismo em uma escola particular no primeiro ano do ensino fundamental.
“Tinha uma professora de matemática que, quando ia tirar alguma dúvida, ela me mandava sentar. Como meu pai era bom em matemática, eu acabava me consultando com ele, que certo dia me questionou por que eu não perguntava para a minha professora. Lembro que meus olhos se encheram de lágrimas, mas não consegui responder a verdade”, conta.
Quando o racismo foi constatado, os pais de Maria Fernanda enfrentaram a docente e transferiram a filha de escola.
“Essa professora me machucou, e eu lembro de pensar: ‘Quando eu crescer, quero lecionar e agir diferente. Quero que as crianças gostem da pele delas, da mesma forma que meu avô me ensinou’”, compartilha.
“Anos depois, eu entrei na docência e tive a oportunidade de fazer isso: dar visibilidade aos conhecimentos que aprendi com a minha família”, relata.
“Como professora ou gestora, o que eu procuro fazer diferente é reconhecer e valorizar a diversidade, fazer com que a criança negra se sinta bela, inteligente e capaz dentro da escola, sabendo que ela pode ocupar os espaços que quiser. E educar as crianças brancas para que elas entendam que não são melhores que outras raças e etnias”, pondera ela, hoje doutora em educação.
“Porém, o que me dói é que a escola da atualidade ainda é o primeiro espaço onde a criança vivenciará o racismo”.
Lidando com o bullying
Professor da rede municipal de Diadema (SP), Vinicius Mena também escolheu a docência para contribuir na forma como a escola lida com a diversidade. Quando estudante, ele sofreu homofobia, gordofobia e racismo por parte dos colegas.
“Eu sempre tentei me enturmar, fui representante de classe e do grêmio. Mas havia bastante preconceito por não performar a mesma masculinidade que outros meninos e por questões étnico-raciais. Ainda que eu seja uma pessoa negra de pele clara, havia muitos comentários sobre o meu cabelo, nariz e lábios”, compartilha.
“Eu chegava em casa chorando porque diziam que meu cabelo era ‘bombril’, de miojo. Mas eu sofria ainda mais quando minha mãe decidia raspá-lo”, revela.
Mena cursou pedagogia e hoje estuda no mestrado desigualdades e diferenças. Formado em teatro, ele aplica técnicas do teatro do oprimido com alunos que sofrem e praticam bullying.
“As relações de gênero e sua intersecção com raça, etnia e classe social pautaram meus estudos e as considero quando vou dar aula. Busco dar protagonismo às meninas, mostrando que elas podem tanto quanto os meninos, assim como ajudar os alunos a gostarem das suas características físicas e aceitarem os diferentes tipos de tons de pele e de cabelos”, argumenta Mena.
Divisão de turma
Racismo e classismo também marcaram a trajetória discente do doutor em educação pela Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ) Edson Soares Gomes.
“Nasci em 1987, em uma família humilde, filho de aposentado e dona de casa com ensino fundamental incompleto. Éramos indígenas urbanos, mas não nos identificávamos assim”, relembra.
“Na escola, as turmas eram divididas em A, B e C, sendo que na primeira estavam as crianças predominantemente brancas, com responsáveis casados e com renda mais elevada. Quando meus pais se divorciaram, eu fui colocado na turma B”, explica.
“As relações eram estabelecidas a partir dessas hierarquias sociais que tinham atravessamentos socioeconômicos e raciais. Eu, como indígena e pobre, não estava no topo dessa hierarquia”, lembra.
Quando estava na oitava série, uma professora de Gomes iniciou uma brincadeira de adivinhar a profissão futura dos alunos. “Ela apontava para os estudantes e falava: ‘você tem cara que vai se tornar dentista, médico etc. Vendo que ela tinha me pulado, perguntei animado, esperando ouvir alguma coisa positiva, e ela disse que eu tinha cara de ‘vendedor de tecidos’”, compartilha.
Edson conta que a experiência como aluno também o motivou na escolha por ser professor.
“A princípio, via a docência como caminho para acertar as contas com essa história, mas, com o tempo, percebi que é uma possibilidade de contribuir com a trajetória das pessoas, sobretudo ouvindo-as e acolhendo-as”, revela o professor, que se tornou orientador educacional.
“Hoje trabalho me acolhendo todas as vezes que consigo dar visibilidade às histórias dos meus alunos e alunas que seriam desprezados por um sistema de ensino que ainda permanece com marcas da escola que estudei na década de 90”, finaliza.
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