Silvinia Brito Duarte é professora de filosofia e sociologia da rede estadual do Rio de Janeiro (RJ). Ao entrar pela primeira vez em uma sala do sétimo ano do ensino fundamental, deparou-se com um menino chorando, que pediu para ir ao banheiro. “Quando ele saiu, a representante da turma disse: ‘não se preocupe, professora. Ele é ‘viadinho’ e chora toda vez que alguém mexe com ele. Fiquei chocada”, relata.
Situação parecida foi vivenciada por Vinicius Mena, graduando de pedagogia e participante do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid). “Eu estagiava em um terceiro ano do ensino fundamental da rede municipal de Guarulhos (SP), onde uma dupla de alunos perseguia diariamente uma menina tímida, sem que a professora agisse”, relembra.
As duas situações trouxeram um desafio específico para os educadores: como lidar com os alunos que praticam o bullying ̶ os chamados “bullies”. Para a professora do departamento de psicologia da educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp-Araraquara), Luciene Regina Paulino Tognetta, o primeiro passo para o docente é entender o que a criança que age assim tenta comunicar por meio do seu comportamento.
“Geralmente, o agressor tem a necessidade de buscar boa imagem de si e não sabe fazer por outro instrumento a não ser rebaixando os outros. Ele não sabe lidar com os conflitos internos que tem”, destaca. “Também possui uma hierarquia de valores invertida: acha melhor ser opressor do que ser justo, solidário e tolerante à diferença. Falta-lhe ainda sensibilidade moral: reconhece que causa a dor, mas não se mostra sensível a mesma. Por fim, outras características relacionadas: o agressor pode gostar de agir buscando limites e vir de família negligente”, apresenta.
O bullie, contudo, não deve ser considerado doente. “O que ele faz é humano e, na grande maioria das vezes, não há traços de psicopatia”, desmistifica.
Intervenção contínua
Para lidar com o problema em sua escola, Silvinia Duarte cursou uma especialização em educação e sexualidade e passou a conversar com os alunos sobre orientação sexual e identidade de gênero de forma preventiva.
Vinicius Mena trabalhou com a classe a partir do Teatro do Oprimido, um método teatral que objetiva a transformação da realidade por meio do diálogo. “Coloquei um grupo para representar situações de agressões vividas no bullying. Antes da cena terminar, eu a pausava e perguntava para a plateia como eles resolveriam aquele conflito. Nesse processo, foi fundamental não dizer que estávamos trabalhando o bullying, mas deixar eles próprios identificarem a agressão e a melhor forma de resolvê-la”, descreve.
Já a professora Mayara Namindome, que atua no ensino fundamental I da rede municipal de São Paulo (SP), investe em conversas sobre o respeito às diferenças. “Mas, infelizmente, nem sempre elas são suficientes para impedir que essa prática aconteça”, confessa.
Segundo Tognetta, ao contrário dos conflitos escolares corriqueiros, o bullying não é solucionado com uma única intervenção. “Não dá certo chamar os envolvidos e usar a mediação”, adverte. Para ela, o primeiro passo é usar medidas de contenção para que o agressor não cause mais sofrimento. Na sequência, elaborar perguntas assertivas que estimulem o bullie a relatar por si próprio o seu comportamento e a pensar sobre como reverter a questão.
“Para completar, as temáticas que devem envolver os diversos trabalhos com o agressor é: sensibilidade ao diferente; abordar valores morais, como o que eu desejo para a escola, quais são os sujeitos que admiro e onde coloco minha energia; e perceber que agressão não é um valor admirado por aquele grupo social”, recomenda.
Para a doutoranda em psicologia social e pesquisadora de alunos que praticam bullying, Zeimara de Almeida Santos, a empatia e habilidades de resolver conflitos devem pautar as intervenções com a criança agressora. “A forma de se colocar no lugar do outro é uma habilidade social essencial e que ela provavelmente não adquiriu. Além disso, estimular a expressão de sentimentos e a defesa de opiniões e direitos sem precisar agredir ou desrespeitar o outro é de grande valia”, assinala.
Por fim, além do agressor, os alunos espectadores também precisam de iniciativas para entenderem que o valor da tolerância deve ser o mais forte nas relações. “Para que, caso outra situação de bullying ocorra na frente deles, eles possam se indignar e ficar do lado do mais fraco”, finaliza.