Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o tema abrange qualquer alteração no clima ao longo do tempo por via natural ou decorrente da ação humana. Na educação básica, uma dificuldade é trabalhar o assunto de forma interdisciplinar, abordagem ignorada por diversos livros didáticos. Paradoxalmente, é justamente essa a forma como o assunto deve ser trabalhado.
“Por tratar das relações entre sociedade e natureza, envolve diversos aspectos da escolarização”, justifica o doutor em geografia e pesquisador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) João Vitor Gobis Verges.
Para os anos finais do ensino fundamental e ensino médio, o docente indica o uso da metodologia de projetos e os temas de desmatamento e crise hídrica como disparadores. Confira, a seguir, como diferentes disciplinas podem contribuir para um projeto em conjunto.
Ciências da natureza
Física, química e biologia explicam como a retirada da cobertura vegetal influencia nos fluxos de vapor de água que provocarão as precipitações de chuvas – os chamados “rios atmosféricos”.
“Conteúdos correlatos são as grandezas físicas, como pressão e temperatura”, explica o docente de biologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso (IFMT) Alexandre Fagundes Cesário.
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As queimadas no desmatamento ilustram a liberação das moléculas de carbono na atmosfera, e como isso acelera o efeito estufa. “Também é possível falar sobre o papel das vegetações no ciclo da água e na umidade do ar”.
Cesário recomenda infográficos e mapas conceituais como atividades. “Elas conseguem fazer a transposição didática de um conhecimento científico”.
Geografia
O foco é trabalhar tais aspectos físicos e bioquímicos que influenciam nos espaços geográficos, como os biomas, assim como as pessoas e a economia. “Um tema correlato é o avanço da fronteira agrícola em áreas de preservação, impactando indígenas”, ilustra Verges.
Assuntos como precipitação das chuvas e as secas também dialogam com a formação territorial do Brasil. “Já desabastecimento de água é sinônimo de falta de energia elétrica e ajuda a refletir sobre modelos alternativos”.
Alunos do ensino médio podem ser apresentados a temas mais complexos, como justiça ambiental.
“Para uma aprendizagem significativa, é fundamental sair da escola. Atividades possíveis são observar a cobertura vegetal e a ocupação da cidade; se o asfalto e queimadas influenciam no calor e qualidade do ar; visitar represas, entre outros”, lista.
Sociologia
Doutor em ciência, tecnologia e sociedade, Allan Rogério Veltrone indica trabalhar com os alunos quatro premissas. “A natureza é a base de todos os processos produtivos das sociedades. Os recursos naturais podem se esgotar. A ação humana pode ser a promotora desse esgotamento, mas também pode revertê-lo”.
Vale ainda discutir as mudanças na economia, nos sistemas produtivos e comportamentos individuais para frear o fenômeno. “Ou seja, como a lógica produtivista e consumista do capitalismo contribui e o que temos a ver com isso”, acrescenta o doutor em Sociologia e pesquisador do grupo Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade (Temas/Ufrgs) Gabriel Bandeira Coelho.
Outro ponto é como secas, enchentes e outros problemas associados à mudança climática afetam diferentes populações.
“Vale identificar os impactos a depender da localização social da pessoa, como raça, classe, gênero e região que habita. Entrevistar grupos sociais fora da escola ajuda na tarefa”, destaca
Alimentos mais sensíveis a mudanças climáticas tendem a se tornar mais caros, como tomate, café e peixes do mar. “Isso pode ser visto inclusive nas prateleiras dos supermercados e pode pautar atividades”, destaca Veltrone.
Ele ainda sugere aos alunos entrevistarem adultos sobre suas percepções a respeito de como o clima mudou nas últimas décadas. “Atentando-se apenas às posturas negacionistas”.
E no fundamental I?
Abordagens mais lúdicas ajudam a trabalhar o ciclo da água nos anos iniciais do ensino fundamental, incluindo canções, manifestações artísticas e a criação de campanhas.
Pedagoga e mestre em Educação, Meio Ambiente e Sociedade, Mariana de Oliveira Tozato sugere formação continuada para o professor dessa etapa. “Basear-se em fontes de informação científicas evita equívocos e um olhar ingênuo”, alerta.
Ela ainda destaca a importância de o assunto orientar ações no cotidiano dos alunos. “Por exemplo, sabemos das cidades afetadas pelas chuvas intensas. Um fato significativo socialmente que pode marcar presença como objeto de estudo e de ações no trabalho pedagógico”, finaliza.
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