Diversos problemas marcam a forma como os livros didáticos do ensino médio abordam as mudanças climáticas com os alunos. Essa é uma das conclusões de pesquisa da doutora em Educação Luciane Cortiano Liotti. Ela mostra que as obras utilizadas pelo governo federal entre 2015 e 2017 ignoravam a interdisciplinaridade do tema, pesquisas científicas recentes e não aproximavam o conteúdo da realidade estudantil.

“Não abordam, por exemplo, a complexidade dos fatores astronômicos, geofísicos e atmosféricos que envolvem o fenômeno. Tampouco refletem sobre as consequências sociais das mudanças climáticas ou fazem propostas realistas de prevenção e enfrentamento”, compartilha Liotti. A seguir, ela aponta formas de contextualizar e enriquecer esse material didático nas aulas sobre a temática.

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Instituto Claro: Qual a importância de um livro didático que aborde mudanças climáticas na escola pública?

Luciane Cortiano Liotti: O livro didático é um instrumento pedagógico que ajuda a estabelecer as condições materiais para o ensino-aprendizagem. Ele pode disseminar conhecimentos e conceitos sobre mudança climática que auxiliarão o professor para formar sujeitos com novas concepções de sociedade, mundo, homem e natureza. Assim, prepara o aluno para enfrentar uma crise socioambiental climática já estabelecida. Refletir sobre esse conteúdo nos livros didáticos é pensar no ensino de ciências na atualidade e sua importância na formação desses jovens que, geralmente, encontram na escolarização básica a única oportunidade de acessar conhecimentos científicos.

Quais foram os livros didáticos selecionados e analisados na sua pesquisa?

Liotti: Os de química, física, biologia e geografia do ensino médio presentes no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), do triênio 2015-2017, e recebidos pelas escolas públicas de Curitiba (PR).

Vale destacar que não há livro didático específico sobre mudança climática e, seguindo as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM), essa temática como outras de Educação Ambiental deve ser trabalhada de modo transversal e interdisciplinar, integrando os diferentes componentes curriculares para tratar da questão ambiental.

Nesse contexto, analisei sob qual perspectiva o conhecimento sobre mudanças climáticas era abordado em três níveis: conteúdos textuais; iconografias (fotografias, esquemas, ilustrações, gráficos e mapas) e propostas de atividades.

Como esses materiais didáticos analisados apresentam a temática aos alunos?

Liotti:A abordagem é secundária e reducionista, simplificando ou ignorando os avanços científicos sobre o tema. Apresentam uma tendência conteudista-disciplinar, sem enfoque interdisciplinar ou contextualizado sobre as mudanças climáticas. Não abordam, por exemplo, a complexidade dos fatores astronômicos, geofísicos e atmosféricos que envolvem o fenômeno. Tampouco refletem sobre as consequências sociais das mudanças climáticas ou fazem propostas realistas de prevenção e enfrentamento.

O que seria necessário estar presente nos livros didáticos?

Liotti: É necessária uma abordagem de conceitos científicos consistentes e articulados com o cotidiano dos estudantes. Caso contrário, o conteúdo fica mecânico e descontextualizado para despertar interesse. Assim, um material contextualizado promove uma percepção e atuação crítica do estudante junto à sociedade ou sua comunidade em relação à temática das mudanças climáticas.

Há outras concepções do problema que podem ser apresentadas aos alunos e enriqueceriam sua formação sobre o tema?

Liotti: Ao analisar os livros didáticos, percebemos que existe uma forte concepção eurocêntrica sobre o tema, ou seja, aquela centrada em valores europeus, que não questiona o modelo econômico dominante, nem as consequências negativas das ações dos países do Norte e seus efeitos sobre as nações em desenvolvimento, do Sul.

Superar essa concepção possibilita aos estudantes entender as questões sociais ‘por trás’ das políticas públicas, as controvérsias científicas que envolvem o tema. Também auxilia a formar uma concepção científica sobre o fenômeno climático.

Confira: Livro inspirado em Greta Thunberg busca estimular crianças a lutar contra crise climática

Como o professor pode lidar com um livro didático desatualizado?

Liotti: O livro didático materializa o que uma sociedade – ou parte dela – considera valioso transmitir às gerações mais novas. Organiza os conteúdos curriculares, articulando as tensões e negociações entre os campos da ciência de referência e os objetivos do ensino escolar.

Por essa característica, a abordagem sobre mudança climática presente no livro não ficará desatualizada se o professor souber utilizar a informação publicada de forma contextualizada e apoiada na cientificidade. Lembrando que o objetivo dos livros didáticos não é o de indicar se o ser humano é ou não responsável pelas mudanças climáticas; discutir a veracidade das previsões científicas ou mostrar um posicionamento ‘contra ou a favor’. Mas, sim, reconhecer a complexidade que envolve a temática e propiciar a construção de uma visão reflexiva sobre o fenômeno climático.

Você indica para o professor bons livros ou referências online e gratuitas sobre o tema?

Liotti: Indico cinco referências. A primeira é o volume 13 da coleção “Explorando o ensino – mudanças climáticas ensinos fundamental e médio” (2009). A cartilha “Perguntas e respostas sobre o aquecimento global”, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM, 2010). O “Guia Científico do Ceticismo quanto ao Aquecimento Global”, traduzido por Alexandre Lacerda (2010).O livro “Temas Atuais em Mudanças Climáticas: para o ensino fundamental e médio” (2015). Por fim, o livro de artigos “Ciência das mudanças climáticas e sua interdisciplinaridade” (2015).

Veja mais:

Plano de aula – Mudanças Climáticas: para entender e informar

Biologia com geografia: abordagem interdisciplinar pode tratar do ciclo da água e impacto das enchentes

Física e química explicam relação entre velocidade dos automóveis e aumento do efeito estufa

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