A ascensão de governos nacionalistas, autoritários e de extrema direita trouxe novos desafios para a população LGBTQIAPN+ no mundo, como aponta a ONG All Out e o pesquisador e mestre em relações internacionais João Paulo Ribeiro Rodrigues.
“Grande parte desses retrocessos é impulsionado por governos autoritários que utilizam a retórica anti-LGBTQIAPN+ para consolidar poder e desviar a atenção de outras questões sociais. Eles também utilizam a supressão de direitos LGBTQIAPN+ como ferramenta para fortalecer sua base de apoio, apresentando-se como defensores de valores tradicionais contra influências externas”, afirma a gerente sênior de campanhas na América Latina da All Out, Ana Clara Toledo.
Além disso, Toledo aponta que a eleição de governos de extrema direita no norte global impactou políticas em outras partes do mundo. “Essa tática é observada em países como Rússia, Hungria e Uganda”, destaca.
Países africanos, por exemplo, recebem apoio financeiro e ideológico de movimentos de extrema direita do norte global, como explica o gerente de Campanhas da All Out no Brasil, Marcos Melo.
“Eles exportam ideologias anti-LGBTQIAPN+ para o continente africano e isso influencia nas legislações. A dependência econômica faz com que esses países aceitem essa retórica em troca de apoio”, complementa.
Segundo Rodrigues, o passado de colonização faz com que o continente africano – junto ao asiático – seja historicamente detetor de leis mais rígidas anti-LGBTQIAPN+. “Uma leitura histórica mostra que muitas dessas leis surgiram durante o período colonial”.
Retrocessos
Segundo a All Out, atualmente, 64 países criminalizam atos sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo. Em 12 deles, a pena de morte é prevista ou aplicada, incluindo Irã, Arábia Saudita, Mauritânia, Nigéria (em alguns estados), Brunei e Afeganistão.
Para completar, leis que restringem a expressão de identidades de gênero e orientações sexuais, como as chamadas leis de “propaganda anti-LGBT”, estão em vigor em países como Rússia e Hungria e em partes dos Estados Unidos.
“Por um lado, houve diminuição das legislações criminalizadoras desde o início dos anos 2000. Por outro, aumentaram as leis que limitam a liberdade de expressão e de associação, como a chamada ‘propaganda gay’, proibindo a menção ao tema em mídias e escolas”, analisa Rodrigues.
“Vale ainda destacar que a ausência de leis criminalizadoras não significa, necessariamente, um ambiente social acolhedor. Países com legislações avançadas ainda apresentam estigmatização e discriminação”, adiciona.
Confira os países que apresentaram, recentemente, retrocessos em leis, decretos e pareceres de suas cortes superiores de Justiça:
Gana
Em fevereiro 2024, o país aprovou legislação que criminaliza relações entre pessoas da comunidade e aqueles que apoiam os direitos LGBTQIAPN+.
Uganda
Desde 2023, atividades homossexuais podem ser punidas com prisão perpétua e pena de morte. A pena pode ser agravada se o parceiro for pessoa vivendo com HIV.
Estados Unidos
Desde 2023, o estado da Flórida proíbe a discussão sobre identidade de gênero e orientação sexual nas escolas. “O retorno de Donald Trump à presidência trouxe cortes de bilhões de dólares em programas de apoio à comunidade LGBTQIAPN+, incluindo pesquisas de saúde, serviços para pacientes com HIV/Aids e proteções contra discriminação; e a proibição de pessoas trans servirem no Exército”, elenca Toledo.
Hungria
Em março de 2025, o país aprovou lei que proíbe eventos do Orgulho LGBTQIAPN+.
Georgia
Em setembro de 2024, o país proibiu uso da bandeira do arco-íris e eventos LGBTQIAPN+.
Rússia
Casamentos em que um dos cônjuges mudou o gênero podem ser anulados, e transgêneros não têm permissão de acolher ou adotar crianças. Em dezembro de 2022, proibiu-se qualquer expressão LGBTQIAPN+ em público, online, em filmes, livros ou na publicidade, sob o título de “propaganda gay”. “Em novembro de 2023, a Suprema Corte classificou o movimento LGBTQIAPN+ como ‘extremista’, equiparando-o a grupos terroristas. Desde então, qualquer expressão de apoio à comunidade pode resultar em prisão”, lamenta Toledo.
Itália
Desde março de 2023, os prefeitos municipais italianos estão proibidos de registrar casais homossexuais como genitores. A maternidade por substituição (barriga de aluguel) foi proibida, mesmo que concepção e parto se realizem em outro país.
Reino Unido
“Uma decisão recente da Suprema Corte excluiu mulheres trans da definição legal de ‘mulher’, reforçando a marginalização dessa comunidade e a negação de direitos básicos”, relata Melo.
Dias futuros
A All Out vê o cenário futuro como preocupante. “Com o fortalecimento de regimes autoritários e o uso contínuo de retóricas ‘anti-LGBT’ para fins políticos, é provável que novas legislações discriminatórias sejam propostas e aprovadas nos próximos anos”, opina Toledo.
“Além disso, a diminuição dos financiamentos internacionais para programas de apoio à comunidade LGBTQIAPN+ enfraquecem as redes de apoio que ajudam a combater a discriminação”, acrescenta.
Para Melo, a resistência da sociedade civil e a pressão internacional são importantes para que novas leis anti-LGBTQIAPN+ sejam aprovadas.
“É fundamental promover educação inclusiva, combater a desinformação e a pressão internacional por meio de sanções e condicionamento de ajuda financeira. Também deve-se apoiar e amplificar as vozes de ativistas locais que enfrentam esses desafios diariamente”, diz Melo.
Segundo Melo, um exemplo de mobilização internacional vitoriosa foi o fim das “zonas livres de LGBT” na Polônia em 2025.
“Desde 2019, quase cem municípios poloneses haviam se declarado ‘livres da ideologia LGBT’ criando um ambiente de discriminação e violência. Isso pode ser revertido”, finaliza.
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Crédito da imagem: Pyrosky – Getty Images