A invisibilidade social marca a trajetória de pessoas negras que estão dentro do Transtorno do Espectro Autista, aponta o designer e fundador do canal no Instagram “Se eu falar não sai direito” Fábio Sousa (tio .faso). “Muitas pessoas acreditam que o autismo é uma condição que só ocorre na população branca por existirem poucos autistas negros diagnosticados”, descreve.

“O motivo é o racismo estrutural: o diagnóstico ainda é caro e de difícil acesso para quem não pode pagar um convênio ou tratamento particular. Infelizmente, esse é perfil da população negra”, lamenta.

Criadora do perfil “Uma mãe preta autista falando” no Instagram e embaixadora do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, Luciana Viegas aponta a falta de representação midiática como outro potencializador da invisibilidade social de pessoas autistas negras.

“Na televisão e nas redes sociais, as pessoas autistas são somente brancas. Assim, quando uma pessoa negra fala que é autista, tendem a desconfiar e a questionar mais”, descreve.

“Isso porque estereótipos capacitistas e racistas entram em conflito. Enquanto os primeiros pregam que pessoa autista é inocente e boazinha, o racismo atribui a pessoas negras características negativas”, complementa.

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Fabio Sousa (tio .faso) durante evento na Assembleia Legislativa de SP (crédito: acervo pessoal)

Dificuldade em acessar tratamento

Sousa foi diagnosticado após sua esposa ler uma reportagem sobre autismo em mulheres e perceber que os relatos coincidiam com o comportamento de seu marido.

“Depois de inicialmente negar, fui atrás de um profissional para confirmar se era autista. Como o autismo é majoritariamente genético, houve o diagnóstico do nosso filho dois anos e meio depois”, relata o designer.

Porém, Souza precisou passar por cinco profissionais até chegar a um diagnóstico correto. “Raramente alguém desconfiará que uma pessoa negra está no TEA. Passamos antes por toda a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID): somos depressivos, esquizofrênicos, histriônicos, bipolares etc.”, relata.

Já o processo de diagnóstico de Viegas veio depois da maternidade: ela é mãe de um menino autista não oralizado.

“Ao vê-lo, comecei a lembrar da minha infância e trouxe as minhas experiências para o neuropsicólogo dele, que me apontou que o diagnóstico em mulheres era mais difícil porque socialmente alguns sintomas ficavam camuflados”, relembra.

Segundo Viegas, o acesso ao diagnóstico e tratamento via Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não é fácil.

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Luciana Viegas (Crédito: acervo pessoal)

“As consultas são demoradas, e um olhar para o autismo depende da abordagem do psicólogo ou neuropsicólogo envolvido”, conta Viegas.

“Se você chegou à vida adulta sem diagnóstico correto, haverá depressão e ansiedade que precisarão ser tratados antes do profissional começar a lidar com as necessidades específicas do autismo. São muitas terapias com tratamentos pelo SUS quase inexistentes. A questão é: como o bolso de alguém vai lidar com isso, sendo que uma das maiores dificuldades para um autista adulto é manter um emprego?”, questiona Souza.

Ambulância ou polícia?

Sousa explica que, no cotidiano, os desafios da pessoa negra autista são diferentes de seus pares brancos.

 “Uma criança branca tendo uma crise vai ter apoio. Teoricamente terá gente preocupada em entender o que está acontecendo com ela. Uma criança negra vai ser lida com mal-educada e que precisa ser corrigida”, lamenta.

Segundo Viegas, o mesmo cenário vale para adultos. “O maior medo da pessoa branca é a discriminação. Da pessoa negra, é a violência policial. Se ela tiver uma crise no meio da rua, é mais provável que chamem a Polícia Militar do que uma ambulância”, afirma.

“Além disso, a comunicação oral é um impedimento no autismo, e sabemos de muitos relatos de pessoas negras assassinadas pela polícia antes de conseguirem se comunicar. Assim, nós que somos mães de meninos negros autistas nos perguntamos se, em uma abordagem, dará tempo de os policiais verem que esses jovens seguram um tablet ou estão com uma pasta na mão”, exemplifica.

“Quem é negro está o tempo inteiro pensando em formas de não dar motivos para ser parado pela polícia ou como vai comprovar que está em tal lugar ou em posse de algo pelos motivos corretos. Eu posso ser preso por causa de uma crise e devido à minha dificuldade de falar e acatar ordens nesse momento”, lembra o design.

Mudando a realidade

Para Souza, um passo importante para solucionar a invisibilidade da pessoa negra autista é criar políticas públicas para que essa população tenha acesso gratuito e de qualidade a um diagnóstico correto.

“A outra parte envolve capacitar os profissionais de saúde para ajudar na triagem e diagnóstico, e a entender as nuances e variedade do autismo”, analisa.

“É necessário um olhar cuidadoso para o outro, um olhar para a saúde que não seja apenas na perspectiva das pessoas brancas”, acrescenta Viegas.

Após o diagnóstico, Sousa conta que mudou a forma de se relacionar. “Eu me policio em relação ao pensamento rígido, que é basicamente uma teimosia patológica que pode nos prender em alguma ideia por anos. Estou sempre atento para evitar de cair nela e perder alguma oportunidade de sair do mesmo, como experimentar uma comida nova ou tentar fazer uma atividade de outra forma”, compartilha.

“Se ontem estive em um evento, sei que amanhã precisarei descansar mentalmente. Mesmo que isso signifique me isolar um pouco da minha família ou negar algum convite”, finaliza.

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Atualizada em 29/02/2024 às 10h08.

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