Femvertising é um termo criado em 2014 que combina as palavras em inglês “fem” (feminino) e “vertising” (advertising, propaganda). Ele faz referência às campanhas publicitárias que visam “empoderar” mulheres, desafiando estereótipos de gênero em suas narrativas.

“As temáticas abordadas nesse tipo de anúncios são voltadas a perfis e papéis femininos antes pouco vistos nas peças publicitárias: mulheres negras, velhas, gordas, lésbicas, trans etc. Também incluem representações de mulheres autônomas, seguras com seus corpos, posicionamentos e formas de estar e atuar na sociedade”, resume a doutora em comunicação, professora do curso de publicidade do Centro Universitário Internacional Uninter e pesquisadora do assunto Ana Paula Heck.

Heck explica que o femvertising surgiu como resposta à demanda por representação autêntica e inclusiva das mulheres na mídia. Pesquisa da Kantar (2019) revelou que 76% das mulheres entrevistadas não se viam retratadas em campanhas publicitárias de forma real. Em 2021, dados do painel #ShowUs da Getty Images mostrou que apenas 23% das mulheres se consideram bem representadas nas comunicações das empresas.

“Essa rejeição à desigualdade de gênero na publicidade também está no âmbito da criação. Em 2017 o Festival Internacional de Criatividade de Cannes instruiu as juradas a rejeitarem peças que usassem essa narrativa e criou o prêmivertio Glass Lions, em 2015, para reconhecer campanhas que desafiam preconceitos de gênero”, lembra Heck.

A pesquisadora aponta abaixo o que é o femvertising, os pontos positivos e também desafios dessas narrativas publicitárias.

O que é o femvertising?

Ana Paula Heck: O termo surgiu em 2014 da combinação das palavras em inglês “fem” (feminino) e “vertising” (advertising ou propaganda), quando a diretora executiva da plataforma SheKnows, Samantha Skey, o definiu como a ideia de que a publicidade pode “empoderar” mulheres enquanto vende produtos.

Em minha tese de doutorado, entendi que as campanhas de femvertising constroem discursos que valorizam as mulheres independentemente de características como biotipo, idade, raça, classe, etnia ou orientação sexual. As temáticas abordadas nesse tipo de anúncios são variadas, mas sempre voltadas a perfis e papéis femininos que eram pouco vistos nas peças publicitárias: mulheres negras, velhas, gordas, lésbicas, trans e de biotipos que não se aproximam do “padrão” comumente retratado até então. Também incluem representações de mulheres autônomas, seguras de si com relação aos seus corpos, posicionamentos e formas de estar e atuar na sociedade. No entanto, a maior parte dessas campanhas ainda expõe com ênfase mulheres magras, brancas, loiras e apresentadas como de classe média e alta.

Há aspectos positivos no femvertising?

Heck: Embora a abordagem criativa de femvertising não seja capaz, por si só, de promover mudanças sistêmicas, pode contribuir para uma mudança gradual nas normas culturais e sociais relacionadas ao gênero. Pode colaborar para a desconstrução gradual de padrões de beleza e comportamento limitadores.

Há aspectos problemáticos no femvertising?

Heck: O “empoderamento” é um processo que vai além da simples representação individual; requer mudanças sistêmicas e desconstrução de normas sociais que perpetuam desigualdades de gênero. Nesse sentido, a publicidade não empodera: ela cria campos considerados favoráveis em uma dimensão individual, mas explora economicamente mulheres e não atinge questões políticas e de poder.

O femvertising pode suprir a demanda por representações realistas e inclusivas: compreende mulheres enquanto agentes sociais; descarta a objetificação e a sexualização; promove em seu discurso a diversidade; desvia-se de estereótipos ultrapassados e percepções patriarcais sobre papéis femininos. Mas desconsidera estruturas opressoras e promove uma versão superficial do empoderamento feminino.

O posicionamento inclusivo faz uma marca ser bem-vista, mas a simples inserção dessas premissas em discursos não altera a realidade de mulheres, fora ou dentro da empresa. Para as empresas, é necessário não somente olhar para o mercado e responder às suas demandas em campanhas, mas observar se elas promovem a equidade de gênero internamente. Caso contrário, o discurso é uma falácia.

Outro aspecto é que a autoestima – até certo ponto, colocada como um tipo de “exigência” às mulheres modernas (se você não se ama, quem vai lhe amar?) – está associada ao consumo nessas narrativas.

No Brasil, houve mudanças na forma como as mulheres são representadas em campanhas publicitárias nas últimas três décadas?

Heck: Houve mudanças significativas, com novos argumentos no discurso da publicidade em relação às formas de exposição das imagens femininas e narrativas desenvolvidas sobre e para mulheres com o objetivo de cativar este público. As representações são pautadas em conceitos que envolvem diversidade, inclusão, desconstrução de estereótipos femininos, igualdade de gênero, ênfase na autenticidade e realidade feminina, conscientização e “empoderamento”.

Essas mudanças acontecem de diferentes formas: é possível ver diversidade em termos de corpos, etnias, funções sociais, orientações sexuais, papéis sociais e habilidades físicas e mentais.

Por quê?

Heck: Pode ser reflexo do esgotamento sobre a objetificação das mulheres pela publicidade, bem como consequência de todo processo social e histórico enfrentado por essas, cuja imagem é, em sua grande maioria, distorcida quando aplicada às campanhas.

Quanto mais as pessoas se tornam conscientes em questões sociais, como a de gênero, mais esperam que as marcas atuem de maneira responsável e ética. As empresas precisam se adaptar para atender às expectativas e estabelecer relacionamentos significativos. No entanto, essas transformações têm um fim comercial, são voltadas à venda.

Quais ainda são os desafios da representação das mulheres nas propagandas?

Heck: A superação de estereótipos persistentes. É raro ver, por exemplo, a presença de homens em comerciais de fraldas ou em campanhas de produtos de limpeza. A representação feminina continua a se basear em papéis como donas de casa, cuidadoras ou objetos de desejo masculino.

Além disso, a publicidade ainda favorece predominantemente mulheres brancas, magras, jovens e de classe média ou alta, excluindo outras etnias, idades, biotipos, orientações sexuais e origens socioeconômicas. Muitas propagandas persistem em objetificar e sexualizar as mulheres, reduzindo-as a meros objetos de desejo para promover produtos, o que reforça padrões prejudiciais de beleza e desigualdades de gênero.

O uso de retoques em imagens também alimenta padrões de beleza inatingíveis e expectativas irrealistas sobre a aparência, contribuindo para questões como baixa autoestima, distúrbios alimentares e problemas de saúde mental.

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