Não é raro que tragédias ocorridas nos Estados Unidos e na Europa ganhem mais solidariedade nas redes sociais do que aquelas que acometem povos africanos e indígenas. O mesmo acontece quando estas envolvem pessoas da classe média, e não pobres. Para situações em que a solidariedade é direcionada a indivíduos da mesma etnia, classe social, orientação sexual e gênero que a nossa, usa-se o termo “empatia seletiva”.

“Ele aborda o fenômeno de se colocar mais facilmente no lugar de pessoas de determinadas origens. Como se ‘selecionássemos’ a quem se tem empatia”, resume Sam Richards, professor da Universidade do Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e  palestrante do TEDx.

Por que isso acontece?

Segundo o professor de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) Leonardo Rodrigues Sampaio, a empatia é a capacidade que nos permite entrar em contato com o que o outro sente e dar uma resposta adequada a isso.  Tal habilidade é natural e está relacionada à evolução das espécies.

“Aumenta a chance de trabalhar em grupo e de maior coesão entre pessoas. Como disse Martin L. Hoffman, é o cimento que une os tijolos da sociedade”, conta.

Espécies não humanas apresentam comportamento similar, incluindo primatas, golfinhos e elefantes. “O próprio bebê já possui circuitos neuronais que permite que seja contagiado pelo choro do outro, chorando também”, afirma o psicólogo.

A forma como direcionamos a empatia, porém, não é natural e depende de fatores sociais.

“Percebemos as emoções de forma biologizantes, como se elas fossem internas. Porém, elas têm uma perspectiva social. É ensinado a nós, por exemplo, as situações em que se deve rir ou chorar”, explica o antropólogo e pessoa com deficiência Jéferson Alves.

“Da mesma forma, é ensinado a ter empatia por determinadas pessoas e não por outras. Se cometer um crime é algo errado, é ensinado a não termos empatia com o criminoso, que não será digno de pena. Nesse sentido, toda a empatia já é seletiva”, completa.

Preconceitos influenciam

Para Sampaio, o direcionamento por quem devemos sentir empatia segue dois caminhos: componentes de base cultural que a pessoa traz consigo e informações disponíveis no momento exato em que a situação acontece.

“No primeiro caso, podemos pensar no racismo e machismo estruturais. Um adulto que é socializado nesse contexto trará consigo representações sobre pessoas de outros grupos e julgará a sua realidade a partir dessas informações”, exemplifica.

No segundo caso, o que se sabe sobre a situação quando ela ocorre direciona o sentimento. “Você avista na rua uma pessoa apanhando e é empático com ela, sentindo raiva e revolta por quem bate. Mas aí alguém lhe diz que tal pessoa é um ladrão, e você passa ser empático com quem foi roubado. São informações de cunho puramente cognitivo”, analisa o psicólogo.

Dentro desse guarda-chuva de informações momentâneas, a mídia — e sua escolha sobre o que e como noticiar — tem papel importante no direcionamento da empatia.

“Geralmente, sentimos empatia por quem está mais perto. Mas a imagem de tragédias distantes aproxima e é um estimulo forte, aumentando a chance de se empatizar por uma população distante”, destaca Sampaio.

A mídia ainda influencia na empatia do público ao difundir estereótipos. “Pessoas negras com drogas são noticiadas como traficantes. No caso de brancos, é dito que se trata de um ‘estudante com drogas’. Socialmente, isso constrói emoções vinculadas a determinados grupos que influenciam”, assinala Alves.

Para Richards outros fatores práticos interferem no fato de sentirmos mais empatia por algumas tragedias do que por outras.

“Quantas câmeras podem cobrir uma tragédia na Áustria e quantas estão no interior da Amazônia? Claro que parte da falta de cobertura na Amazônia pode ser atribuída ao racismo e à insensibilidade”, pondera.

Para ele, seria impossível sentir empatia por todas as pessoas, em todos os lugares e momentos. “É emocionalmente desgastante. Mas quando vemos algo acontecer a alguém que poderia facilmente ser a gente, e a gente poderia ser ele, é natural sentir algo profundo”, opina.

“Por exemplo, se na Europa Ocidental as pessoas são mais propensas a viver em casas como a minha, quando uma inundação atinge uma comunidade lá, é mais provável que eu imagine a minha própria casa sendo inundada”.

Nem toda empatia é “boa”

Sampaio explica que, do ponto de vista moral, a empatia é neutra. “Supervalorizamos [o sentimento], como se fosse resolver todos os problemas da humanidade. Porém, pode-se usar a empatia para se comportar de forma imoral”, contrapõe.

“O nepotismo (prática ilegal de favorecer parentes com cargos dentro da administração pública) é socialmente imoral. Mas a pessoa que a pratica pode fazer isso motivada por empatia pelos familiares”, exemplifica.

A empatia também pode vir impregnada de sentimentos racistas ou capacitistas. “Por exemplo, é como achar que todas as pessoas com deficiência são dignas de pena por serem quem são. O que é sentido como compaixão também é uma forma inconsciente de achar que elas são menores”, analisa Alves.

Exercitando a empatia pelo diferente

Sampaio explica que é possível estimular seu direcionamento a pessoas que são de grupos diferentes dos nossos.

“No caso das crianças, vale expô-las desde pequenas à diversidade e à multiculturalidade, para que também valorizem características não comuns no dia a dia delas e construam uma empatia ampla e com menos vieses ”, recomenda Sampaio, que assina, ao lado de outros autores, uma cartilha gratuita com atividades para crianças.

Para adultos, a saída é se permitir conhecer e se relacionar com uma pessoa de um grupo diferente.

“Por exemplo, crescemos com representações equivocadas de pessoas que não são heterossexuais e cisgêneras. Quando conhecemos uma pessoa LGBTQIA+, esses valores são confrontados e postos à prova. Depois disso, é mais fácil estender a empatia para todos os outros de um mesmo grupo minorizado”, conta.

Alves recomenda questionar e analisar sentimentos negativos ou insensibilidade a pessoas diferentes. “Desenvolver a empatia é desenvolver olhar crítico pelo que sente. Mesmo que sinta amor ou ódio por um grupo, isso não significa que eu precise fazer com que ele desapareça. Posso respeitá-lo e não violentá-lo”, ensina.

Richards, por sua vez, vê a curiosidade como “a melhor maneira de fortalecer os músculos da empatia”.

“É tomar a decisão deliberada de ver todos como iguais e ser curioso pelos indivíduos de todos os lugares do mundo, permitindo-se fazer amizade com quem é diferente. Quando digo ‘essa pessoa poderia facilmente ter sido minha amiga’ sou inclinado a me importar com ela”, conclui.

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