Leonardo Valle
A afetividade pode impactar a sociedade, e isso não precisa ser feito em contextos “grandes”. Para a professora de educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Helga Loos-Sant’Ana, esse tipo de atitude deve ser exercido nas pequenas relações cotidianas para promover mudanças em larga escala.
“O ideal seria construir uma sociedade que considere o que cada um percebe e sente nas interações sociais”, destaca ela, que estuda o chamado Sistema Teórico da Afetividade Ampliada (STAA), ao lado do pesquisador René Simonato Sant’Ana-Loos.
O que é a afetividade?
Helga Loos-Sant’Ana: A afetividade, no senso comum, é tida como relacionada ao contato físico, agrados, cuidados e carinhos. Pela definição de dicionário, o afeto é aquilo vivenciado pela perspectiva das emoções e sentimentos. Essa definição, porém, coloca emoção e a razão em campos separados. O que acontece é que a raiz da palavra “afetividade” é “afetar”. Podemos mutuamente afetar e sermos afetados. Contudo, é necessário buscar equilíbrio, harmonia ou uma homeostase nessa relação, assim como acontece no corpo humano. Nessa definição, ser afetivo também pode significar ser racional.
Como a afetividade impacta na sociedade?
Loos-Sant’Ana: Se afetividade significa afetar e ser afetado, buscando equilíbrio, isso dialoga com a própria noção de sociedade, que é feita de uma diversidade de pessoas em constante interação. Mas o ideal seria a capacidade de harmonizar essa diversidade. Ou seja, construir uma sociedade que considere o que cada um percebe e sente nessas interações. Assim, quando a forma como as pessoas são afetadas é desconsiderada, o próprio conceito de sociedade não é privilegiado.
Há problemas sociais relacionados à falta da afetividade em sociedade?
Loos-Sant’Ana: Sim, porque se desconsidera o outro. A empatia na alteridade é substituída por outras lógicas, como a da disputa, do lucro, a de que, para um ganhar algo, o outro tem que perder. São lógicas bélicas, de guerra. Ou, ainda, há o entendimento utilitário de que o outro e os recursos naturais, por exemplo, estão aqui para me servir. Isso cria problemas de diversas ordens.
Como a afetividade pode ser exercida em sociedade?
Loos-Sant’Ana: Ampliando a noção de alteridade e de empatia. Tendemos a achar que isso precisa ser feito em um contexto grande, o que torna quase impossível uma mudança social que passe pelas pessoas. Mas é o contrário: deve-se focar no que o outro pensa e sente, principalmente, nas pequenas relações e interações cotidianas. Lembrando que não se consegue empatia se não se valorizar, realmente, a posição, a opinião e os sentimentos do outro. Não adianta apenas fingir que se valoriza.
O que precisaria para termos mais afetividade em sociedade?
Loos-Sant’Ana: Olhar como as coisas e as pessoas afetam e são afetadas de forma holística. Que tudo tem dois lados – o meu e o outro –, e que tendemos a apenas focar no “eu”. Se você não considerar todos os lados, incluindo os efeitos colaterais das ações, haverá falta de afetividade. Também é preciso mudar a forma como construímos o conhecimento, que hoje é somente racionalista. A sensibilidade é desconsiderada na hora de interpretar a realidade em uma pesquisa científica. Isso é equivocado, porque também percebemos o mundo pela sensibilidade.
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