A aprendizagem de geometria passa por cinco níveis de pensamento que precisam ser vivenciados de forma sequencial. Esse é o resumo da Teoria de van Hiele, criada pelos pesquisadores holandeses Dina van Hiele-Geldof e Pierre van Hiele, em 1957.

“Eles também inovaram ao dizer que podemos estudar a geometria a partir do mundo em que vivemos, passando primeiro pelos objetos tridimensionais para depois partir para figuras planas, não o contrário”, diferencia o mestre em educação matemática e formador de professores Fernando Barnabé.

Conheça o casal van Hiele e seu trabalho no ensino de geometria.

Quem foram Pierre e Dina van Hiele?

Fernando Barnabé: Dina van Hiele-Geldof e Pierre van Hiele foram dois educadores que desenvolveram uma teoria para o ensino da geometria, que nasceu do doutorado de ambos na Universidade de Utrech (Holanda), em 1957. Pierre estudava mais como se inicia o pensamento geométrico, e Dina tinha uma ampla experiência com a aprendizagem de jovens entre 12 e 13 anos. A teoria que criaram juntos abriu espaço para pensar uma forma diferente de ensinar a geometria daquela praticada até então. Dina morreu pouco tempo depois de finalizar a tese e Pierre seguiu nas décadas seguintes aperfeiçoando o modelo.

Qual a importância de ambos para o ensino da geometria?

Barnabé: Até os Van Hiele, pensava-se que estudar apenas a teoria bastava para aprender geometria. Eles inovam ao dizer que podemos estudar a geometria a partir do mundo em que vivemos e que essa aprendizagem acontece em níveis cognitivos sequenciais. Além disso, é necessário entender que o pensamento matemático engloba outros pensamentos que precisam ser desenvolvidos, como o numérico, aritmético, algébrico, computacional e também o geométrico. A escola, no passado, olhava com ênfase excessiva para o pensamento numérico e aritmético, quase que ignorando a geometria. A importância do casal van Hiele foi justamente pensar uma teoria para desenvolver o pensamento geométrico, uma parte essencial do pensamento matemático. A geometria é importante por ajudar o aluno a compreender o mundo em que vive, as formas que o rodeia e sua localização no espaço.

Qual a importância de compreender a evolução cognitiva dos alunos no ensino de geometria?

Barnabé: Os níveis de aprendizagens propostos são, em ordem, a visualização, análise, dedução informal, dedução formal e abstração. É o nível em que o aluno se encontra que garante a aprendizagem: se está em um nível 2, não posso trazer uma proposta do nível 4, ele precisará passar pelo nível 3 antes. Olhando a necessidade do estudante, focamos na aprendizagem ao invés do ensino. É ela que pautará a melhor estratégia para que a aprendizagem se concretize. Vemos os três primeiros níveis e um pouco do quarto na educação básica. Lembrando que não existe salto entre eles, deve-se passar por cada um para chegar no seguinte.

Qual o primeiro nível de aprendizagem proposto pelos van Hiele?

Barnabé: O primeiro é visualização e observação das formas geométricas. Não exige necessariamente enxergá-las. Pode-se tatear sólidos geométricos em um saco, por exemplo, para identificar a sua forma espacial, se possuem ou não pontas etc. Este nível abrange também uma consciência espacial: por exemplo, contar o número de passos para chegar em um determinado ponto. Esse primeiro nível mudou a forma como muitos professores ensinavam a geometria – e ainda continuam ensinando nos dias de hoje –, que é primeiro partindo de figuras planas para depois partir para formas geométricas espaciais, enquanto os van Hiele propõem o contrário. Isso porque vivemos em um mundo tridimensional, e as formas estão no espaço, assim precisamos iniciar a partir delas na educação infantil. Aí sim, nos anos iniciais, a gente sai do espaço e vai para o plano.

E os demais níveis de aprendizagem?

Barnabé: No nível um (visualização), o aluno observa um quadrado e consegue reproduzi-lo, mas não explicar por que aquilo é um quadrado, ou quais as características dos seus lados e ângulos. Também não há inclusão; não identifica que um quadrado faz parte do grupo de quadriláteros, por exemplo.

Já no nível dois (análise), ele consegue fazer a relação das formas com os objetos do seu cotidiano. Mas não entende definições.

No nível três (dedução informal), ele já sabe que o quadrado tem todos os lados iguais ou que há diferentes tipos de triângulos de acordo com seus lados. Ele começa a entender suas características, mas não consegue construir uma formalização para isso.

No nível quatro, há a dedução formal, ou seja, ele consegue compreender teoremas, e provas. Já no nível cinco, que não abrange a educação básica, mas o ensino superior, chegamos em uma geometria abstrata, a níveis de discussão que englobam inclusive geometrias não-euclidianas.  A geometria que estudamos na escola é a euclidiana, ou seja, se baseia nos postulados deixados pelo matemático grego Euclides, que viveu aproximadamente 300 a.C.

Quais exemplos de estratégias pedagógicas que incorporam essa compreensão hierárquica do pensamento geométrico?

Barnabé: Pensando nos três primeiros níveis de pensamento, nos anos iniciais, pode-se trabalhar o nível um (visualização) para o nível dois (análise) por meio da relação e comparação entre figuras espaciais e objetos cotidianos. Podemos manipulá-los e explorá-los, começando a discutir as suas características. Vale dividir objetos em partes –pelo menos no âmbito da imaginação –; por exemplo, o lápis tem um cone na ponta e um corpo que lembra um cilindro. Também é possível trabalhar com planificações de sólidos geométricos. No segundo nível, as coisas podem ganhar nome e isso exige mediação do professor, por exemplo, para dizer que a forma que lembra um chapéu de festa se chama cone.

No final do nível dois (análise) para o [nível] três (dedução informal), é possível construir sólidos geométricos usando barras de sabão ou bolinhas de isopor e palitos. Os alunos vão começar a entender, por exemplo, o que é uma aresta e um vértice.

Também podemos usar ferramentas como o Geoplano – físico e online –, softwares gratuitos  como o Geogebra; simuladores como o PHetColarado e recursos da plataforma M3, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Veja mais:

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Crédito da imagem: Richard Drury – Getty Images

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