Conteúdos de geometria do 9º ano do ensino fundamental ajudam o professor de matemática a desmentir o terraplanismo, movimento que acredita que a terra não é redonda. Para isso, o docente Érico Santana de Macêdo propõe uma sequência didática que associa um exemplo histórico a cada conceito de geometria previsto no currículo. Além disso, ele indica a participação no projeto internacional Eratóstenes.“Nele, escolas de todo o mundo determinam quanto mede a sombra de uma haste vertical ao meio-dia e calculam a circunferência da Terra”, destaca ele, que explicou os procedimentos em sua dissertação de mestrado.

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Instituto Claro: Por que é importante discutir o “formato da terra” com os alunos da educação básica?

Érico Macêdo: O movimento terraplanista cresceu nos últimos anos. A pesquisa Datafolha de 2019 apontou que 7% dos brasileiros – cerca de 11 milhões de pessoas — acreditam que a Terra seja plana. Conversando com terraplanistas, percebi que eles estão arraigados em suas convicções e que argumentos baseados na lógica e na ciência não sensibilizam. Assim, é importante trabalhar esse tema com os alunos para que entendam como a ciência funciona e se tornem adultos críticos frente a modismos anticientíficos.

Como o formato da Terra pode ser discutido na perspectiva histórica?

Macêdo: Proponho apresentar as ideias de diferentes povos sobre o tema. Nosso ensino de História é eurocêntrico e enfoca a Grécia. Mas é importante mostrar como egípcios, babilônios, chineses e os povos originários da América Latina faziam suas observações astronômicas. Em seguida, apresente a confirmação do formato da Terra por Eratóstenes, no século III a.C; o triunfo do heliocentrismo sobre o geocentrismo no século XVII e a constatação de que o universo está em expansão, no início do século XX. Isso mostra que debater o formato da Terra atualmente é um anacronismo.

E na perspectiva da matemática?

Macêdo: Com a geometria de ensino fundamental, é possível demonstrar descobertas importantes, como as distâncias Terra-Lua e Terra-Sol, o diâmetro do Sol e a medida da circunferência da Terra. Isso pode ser trabalhado a partir do 9º do ensino fundamental, quando os alunos terão visto toda a geometria necessária.

Quais conceitos de geometria podem ser utilizados para se contrapor ao terraplanismo?

Macêdo: Retas paralelas cortadas por uma transversal, semelhança de triângulos, comprimento da circunferência e razões trigonométricas. Infelizmente, o ensino de trigonometria foi retirado do 9º ano na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), mas os conceitos necessários para essa discussão são os introdutórios: as definições de seno, cosseno e tangente. Vale apresentá-las aos alunos.

Qual foi a sequência didática que você desenvolveu?

Macêdo: Associava um exemplo histórico a cada conceito de geometria previsto no currículo. Ao apresentar a semelhança de triângulos, expliquei como Tales mediu a pirâmide de Quéops e a distância de um navio no mar. Com trigonometria, como Aristarco determinou as distâncias da Terra ao Sol e à Lua. Com o conceito de retas paralelas cortadas por uma transversal, como Eratóstenes determinou a circunferência da Terra. E, utilizando novamente semelhança de triângulos, pontuei como determinar o diâmetro do Sol. A sequência de demonstrações obedece à ordem em que aparecem historicamente. Conhecer a distância Terra-Sol é pré-requisito para determinar o diâmetro do Sol, por isso, essa demonstração foi a última. Após a teoria, tivemos aulas práticas para construir teodolitos — instrumentos de medição de ângulos — e determinar alturas inacessíveis via trigonometria. Além de estimarmos o diâmetro do Sol e reproduzirmos o experimento de Eratóstenes. Ao todo, foram cinco aulas.

Confira: “O homem que calculava”, de Malba Tahan, ensina matemática de forma lúdica

O que é o projeto internacional Eratóstenes?

Macêdo: Ele existe desde 2015 e é atualmente coordenado pela Universidade de Buenos Aires. Nele, escolas de todo o mundo determinam quanto mede a sombra de uma haste vertical ao meio-dia solar, horário que é determinado quando a sombra atinge o menor comprimento possível. Escolas que fizeram o experimento no mesmo dia comparam suas medidas. Com essas informações, e conhecendo a distância entre as localidades, é possível determinar a circunferência da Terra, assim com Eratóstenes fez no século III a.C, comparando medidas em Siena e Alexandria, no Egito. Para participar, é necessário realizar uma inscrição online (https://df.uba.ar/es/difusion/102-difusion-eventos/8220-eratostenes-2021).

Aluno determina a sombra de uma haste vertical com o giz. As demais marcas mostram o movimento da sombra ao longo do tempo.
Aluno determina a sombra de uma haste vertical com o giz. As demais marcas mostram o movimento da sombra ao longo do tempo. (crédito: acervo pessoal)

Quais os desafios do processo?

Macêdo: A reprodução do experimento de Eratóstenes precisa ocorrer ao meio-dia solar, quando o Sol está a pino. Esse é um horário em que geralmente os alunos não estão na escola, o que exige motivá-los a participar. Uma dica é contar curiosidades históricas a cada novo assunto de geometria ensinado. Também usei vídeos da série Cosmos. Já se houver céu nublado, é preciso remarcar e respeitar um prazo, pois o projeto envolve escolas de diversos países. Assim, o ideal é realizar o experimento com antecedência contra imprevistos.

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