O ano de 2023 marcou o falecimento de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, psicólogas, educadoras e autoras do livro “Psicogênese da língua escrita”.

“Entre as contribuições, estavam descrever períodos e níveis pelos quais a criança passa quando aprende a escrever e atentar os professores para a função social da leitura e escrita, o letramento”, explica a doutora em letras,  docente da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e autora do livro “Alfabetizar as crianças na idade certa: práticas linguísticas”, Onaide Schwartz.

Apesar da aplicação dessa teoria construtivista na alfabetização, a docente aponta problemas.

“As autoras eram contrárias a toda forma de ensino da leitura e escrita, defendendo que não se devia ensinar, mas dar condições, pistas, para que a criança ‘descobrisse’ o funcionamento do sistema de escrita alfabético, fato que provocou fracasso na educação”, descreve Schwartz.

“Para que alguém aprenda a ler e escrever, as relações entre fala e escrita, letras e sons e sílabas precisam ser ensinadas diária e sistematicamente”, acrescenta.

Em entrevista, Schwartz analisa os acertos e erros do pensamento de Ana Teberosky e Emilia Ferreiro quando aplicados na alfabetização.

Quais foram as principais contribuições de Ana Teberosky para a área da pedagogia e da psicologia educacional?

Onaide Schwartz: Todo autor e pesquisador da área da educação objetiva contribuir com o ensino e ajudar na solução de problemas. Ana Teberosky foi parceira de pesquisa de Emilia Ferreiro, e as psicólogas realizaram o estudo “Psicogênese da língua escrita”, na qual buscaram compreender os procedimentos mentais pelos quais as crianças passam tentando compreender as regras de produção escrita.

Quais foram as contribuições de Ana Teberosky e Emilia Ferreiro para a alfabetização?

Schwartz: A primeira foi a elaboração da teoria da aprendizagem “Psicogênese da língua escrita”, uma teoria construtivista que descreve períodos e níveis pelos quais a criança passa quando aprende a escrever. Entretanto, por não serem da área da alfabetização  e desconhecerem a prática de sala de aula, partiram do equívoco de que é possível alguém primeiro aprender a escrever para depois aprender a ler, quando a linguística afirma o oposto, que a escrita é consequência dos conhecimentos de leitura.

A segunda contribuição foi chamar a atenção dos professores para a função social da leitura e escrita – o letramento. Ou que é bom para a criança que sejam lidos diferentes gêneros textuais em aula. Com as cartilhas tradicionais, a escola se ocupava de ensinar a relação som e letras do alfabeto, a formação de sílabas, palavras, frases, parágrafos até chegar ao texto. Sem o domínio desses conteúdos ninguém aprende a ler e escrever. Entretanto, os textos utilizados pelas cartilhas eram pobres em sua estrutura e conteúdo, pois visavam reforçar a família silábica que estava sendo trabalhada. Assim, a “Psicogênese da Língua Escrita” atentou sobre a importância de se trabalhar os usos que se faz da escrita, o letramento.

 Teberosky ajudou na criação do conceito de hipótese da escrita: à medida em que as crianças exploram o ato de escrever, formulam suas próprias hipóteses sobre como as palavras e a linguagem funcionam. Qual foi a importância disso?

Schwartz: Ela foi importante para o alfabetizador compreender certas formas de escrita apresentadas pelas crianças durante o processo de alfabetização e saber como intervir para que ela avance. Por exemplo, caso uma criança, ao ser solicitada a escrever ‘boi’ e ‘mosquito’, grafe respectivamente ‘rimtrelboa’ e ‘lentri’, demonstrará desconhecer o valor sonoro das letras. Se questionada sobre a quantidade de letras utilizadas, provavelmente dirá que escreveu muitas letras para ‘boi’ porque o animal é grande e poucas para ‘mosquito’ por ser um inseto pequeno – o chamado realismo nominal. Se a criança estiver nesse nível, o pré-silábico, o professor terá que trabalhar as letras do alfabeto e seu valor sonoro.

Antes da divulgação da “Psicogênese da Escrita”, se algum aluno escrevesse ‘go’ para representar ‘gato’, o professor pensaria que ele estava com ‘problemas’. Porém, a pesquisa demonstrou que ele está no nível silábico, grafando uma letra para cada sílaba oral. Ou ainda, se a criança grafasse ‘cavlo’ para ‘cavalo’, antes da Psicogênese, o professor dizia que a criança estava ‘comendo letras’ – nível intermediário: silábico-alfabético –, quando, na verdade, está acrescentando letras à sua hipótese anterior. Com essas crianças, é necessário trabalhar a formação silábica, famílias silábicas.

Para sua vez, a criança atinge a base alfabética da escrita – por exemplo: de ‘bolaxa’ para ‘bolacha’ quando compreende que combinando letras, de forma organizada, forma sílabas. E que quando combina sílabas de forma organizada, forma palavras. Não se pode juntar sílabas aleatoriamente, pois palavras só serão palavras se forem plenas de significado, e ainda restará dominar a ortografia.

Assim, a eficiência dessa teoria de aprendizagem reside no fato do professor identificar em que nível a criança está, preparar e aplicar atividades adequadas a ela.

Como as ideias de Ana Teberosky influenciaram as práticas de alfabetização e ensino da escrita?

Schwartz: As práticas por ela indicadas contemplam apenas aspectos de letramento –protocolos de leitura. São inadequadas à alfabetização por não ensinarem conteúdos essenciais para que o sujeito se aproprie verdadeiramente da leitura e escrita. Em seus livros, ela indicou atividades de produção textual como estimulo à aprendizagem. Mas se a criança não domina a leitura e a escrita, como produzirá textos? Aparentemente, a autora acreditava que atividades coletivas de exploração de textos resultariam em apropriação da escrita. Porém, quem já alfabetizou sabe que não há essa relação direta.

Para que alguém aprenda a ler e escrever, as relações entre fala e escrita, letras e sons e sílabas precisam ser ensinadas diária e sistematicamente. Conteúdos de língua precisam ser ensinados e retomados diariamente e com muita clareza. As informações não podem ficar diluídas no processo.

Por se fundamentarem na teoria construtivista de Piaget, que preconiza que é o sujeito que se apropria do conhecimento, Ferreiro e Teberosky posicionaram-se contrárias a toda forma de ensino da leitura e da escrita, defendendo que não se devia ensinar, mas dar condições, pistas, para que a criança ‘descubra’ o funcionamento do sistema de escrita alfabético, fato que provocou fracasso na educação.

À medida [em] que essas autoras mandaram as alfabetizadoras aplicarem apenas atividades de leitura, e sendo contrárias a ensinar as crianças, deixando-as aprender sozinhas e construir seu próprio conhecimento, o aspecto alfabetização, ensino de conteúdos linguísticos indispensáveis para que todo sujeito aprenda a ler e escrever, ficou esquecido.

Quais são os principais princípios construtivistas defendidos por Teberosky e como eles podem ser incorporados à educação?

Schwartz: Alguns foram:

  • Aprender a escrever é como aprender a falar. Porém, a neurociência mostra que a fala é inata e há lugares no cérebro destinados a essa aprendizagem, mas não há pontos responsáveis para aprender a ler e escrever. Nosso cérebro precisa se adaptar à aprendizagem desses conhecimentos.
  • O desenvolvimento psicogenético se preocupa com os aspectos construtivos – processo –, e não com os aspectos gráficos da escrita infantil, nem se a criança irá aprender ou não;
  • Concebe o papel do professor como informante e escriba;
  • Foi contra o ensino sistemático: a escola não deve ensinar, deve dar dicas para a criança descobrir por si o funcionamento do sistema de escrita alfabético;
  • Valorizou o conceito do ‘erro construtivo’: aquele que a criança comete tentando acertar. Por exemplo: ‘mnino’ [para] ‘menino’;
  • Recomendou apenas atividades de letramento e que todas as atividades sejam desenvolvidas coletivamente, porém a alfabetização é um processo individual. Um não aprende pelo outro;
  • Recomendou que as crianças se sentassem em duplas, para se ajudarem;
  • Recomendou o uso de uma única atividade para a sala toda, sendo que a própria pesquisa mostrou que há níveis de aprendizagem diferentes;
  • Foi contra a gradação de dificuldades: o professor trabalhar começando do mais simples – letra – para o mais complexo – palavra, frase, texto –, recomendando iniciar a partir de um texto;
  • Recomendou que as crianças memorizassem textos inteiros para depois tentar identificar qual palavra está escrita em que lugar;
  • Recomendou que as crianças ditassem para o professor escrever. Pergunto: Quando a criança aprenderá a ler e a escrever?

Como você avalia o impacto do pensamento de Teberosky na educação brasileira?

Schwartz:  Posso afirmar, ao final da minha carreira de 33 anos no magistério paulista, que a divulgação da teoria da qual Teberosky foi parceira trouxe contribuições relevantes, ajudando o professor a compreender fenômenos e erros que as crianças cometem ao tentar aprender a escrever.

A orientação para a valorização da função social da leitura e da escrita foi excelente. Com o surgimento e a popularização da internet, das mídias sociais, e com o aumento da exigência sobre o domínio da leitura e da escrita, tornou-se indispensável o desenvolvimento dos gêneros textuais pela escola. Porém, não se pode deixar de ensinar os conteúdos específicos de língua indispensáveis ao exercício da leitura e da escrita. De nada vale o indivíduo saber ditar diferentes gêneros textuais para o professor escrever e não saber escrever.

A proibição do ensino sistemático, o abandono do ensino de sílabas, as práticas de letramento recomendadas equivocadamente para a alfabetização estão presentes em diversos materiais e nos livros didáticos distribuídos há décadas por todo o país. Países como França, Estados Unidos, Canadá e Inglaterra descartaram o uso de materiais dessa natureza.

Veja mais:

Quais as diferenças entre alfabetização e letramento?

Usar apenas um método de alfabetização é insuficiente, diz Magda Soares

13 orientações para realizar uma sondagem de alfabetização

Alfabetização inspirada em Paulo Freire: como fazer?

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