Tudo o que a criança constrói na educação infantil contribui para o seu desenvolvimento no ensino fundamental. Contudo, o isolamento social na pandemia do covid-19 trouxe desafios para essa transição. “Houve dificuldades em realizar ritos de passagem, como visitas ao novo prédio e comemorações de despedida. A educação infantil ainda insere as crianças na leitura e escrita, o que também ficou comprometido”, assinala a coordenadora do projeto “Transição educação infantil e ensino fundamental”, da Universidade Federal do Espirito Santo (UFES), Elis Beatriz de Lima Falcão.

O projeto promoveu encontros virtuais com professores das duas etapas para discutir desafios e iniciativas nessa passagem. As informações originaram um e-book gratuito. A seguir, o Instituto Claro ouve a especialista sobre suas análises e percepções.

Leia também: 6 links para facilitar a transição do fundamental I para o II

Como foi a experiência dos alunos da educação infantil em 2020, no contexto de isolamento social?

Elis Beatriz de Lima Falcão: É possível inferir que o desenvolvimento das crianças em vulnerabilidade socioeconômica não foi promissor. O currículo na educação infantil é orientado pelas interações, brincadeiras e exploração das diferentes linguagens pelas quais as crianças se apropriam do mundo. Realizar isso de forma remota difere dessa proposta pedagógica. Vimos que redes particulares buscaram encontros síncronos, enquanto havia falta de acesso à tecnologia pelas famílias das redes públicas. Evidências prévias de uma pesquisa com professoras alfabetizadoras apontou uso do WhatsApp e envio de material impresso. Se considerarmos o uso desse formato também na educação infantil pública, ele exigiu leitura e escrita para mediar atividades em casa, algo que diversas famílias podem não dispor. Responsáveis não ficaram em home office e disponíveis às crianças, lidando com o estresse do desemprego, saúde, alimentação e outros.

Quais implicações a mudança para o ensino fundamental traz?

Falcão: O período tem um potencial estressante que pode impactar o desenvolvimento. Há rupturas em aspectos físicos das escolas, como falta de pátios e carteiras apropriadas e diminuição de livros, jogos, brinquedos na sala de aula. Nos aspectos pedagógicos, há descontinuidade de práticas lúdicas e a linguagem verbal (alfabetização) se destaca sobre outras. Práticas coletivas e interações da educação infantil dão lugar a atividades mais individuais e com distanciamento físico do professor. As crianças ainda mudam de escola, professores e colegas, exigindo novas demandas de socialização, que podem gerar ansiedade e medo.

Quais aspectos dessa transição foram agravados por este momento?

Falcão: Tudo o que a criança constrói na educação infantil contribui para o desenvolvimento dela no ensino fundamental. E, além da aprendizagem, a escola pública é um suporte social para muitas crianças. A questão é que, no isolamento social, a socialização, aprendizado com pares, alimentação adequada e manutenção de rotina foram afetados. Aspectos que, se vivenciados adequadamente na educação infantil, ajudariam a enfrentar as demandas da transição para o ensino fundamental.

E houve adversidades específicas trazidas pela pandemia?

Falcão: Dificuldades das escolas em interagir com as crianças de forma remota e de realizar ritos de transição, como visitas ao novo prédio e comemorações de despedida. Estes são importantes para compreender as mudanças. As crianças não tiveram a oportunidade de vivenciar a transição no cotidiano, como a ida de casa para a nova escola, mudanças de turma e professores. No aspecto cognitivo, a educação infantil insere as crianças na leitura e escrita, visto que nem todas as vivenciam em suas casas. Isso ficou comprometido e demandará, no ensino fundamental, um trabalho voltado para as bases do processo de alfabetização.

Confira ainda: Da escola particular para a pública: o que a transição pode revelar?

Como se deu seu projeto com professores do 1º ano do ensino fundamental?

Falcão: A ideia surgiu do convite de escolas no município de Serra (ES). O projeto foi um curso de extensão da UFES e possibilitou o encontro virtual entre professores, pedagogos e diretores que atuam na educação infantil e ensino fundamental. Eles dialogaram sobre as contribuições de cada etapa para uma transição com menos rupturas e descontinuidades. Pensaram a ampliação das experiências infantis, motivações para a aprendizagem e práticas que considerassem o lúdico, interações e diferentes linguagens. As informações dos participantes originaram o e-book gratuito, que é um ponto de partida para o diálogo e planejamento de ações.

Quais informações sobre esse momento de transição eles relataram?

Falcão: Dos 82 professores que responderam o formulário, 91,8% relataram que a transição pode trazer dificuldades às crianças relacionadas à adaptação, ambientes menos lúdicos, cobrança de desempenho e incompreensão por parte da escola, entre outras. Sobre planejamento, 11% relataram que sua escola possui um projeto; 46,3% que ações e atividades pontuais são realizadas e 45,1% afirmaram estar em discussão e planejamento.

Veja mais:

6 dicas para facilitar a transição do ensino fundamental para o ensino médio

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